A falsa dificuldade


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É muito comum que pessoas leigas e alguns profissionais de saúde, incluindo psicólogos, considerem que problemas no interior do indivíduo sejam responsáveis por suas dificuldades. Por conta do atraso em terminar as tarefas e do seu comportamento infantil, os pais começaram a se questionar se Carol tinha algum atraso de desenvolvimento, ou seja, se algo no interior da criança estava funcionando de forma incorreta e causando o comportamento infantil. A nossa cultura nos ensina a olhar para dentro de nós e não para o que acontece no mundo; essa maneira de analisar os problemas pode resultar em interpretações errôneas e às vezes absurdas do que está ocorrendo.

Como prometido no último texto, vou ilustrar alguns conceitos da Análise do Comportamento utilizando um caso clínico como pano de fundo. O caso foi atendido por Juliana Helena Silvério. Ela me passou um quadro geral do ocorrido, sem entrar em muitos detalhes para não comprometer a identidade dos envolvidos.

Os pais de uma garota de 5 anos (vamos chamá-la de Carol) procuraram a psicóloga. De acordo com eles, Carol se comportava com uma criança mais nova. Fazia exatamente o que a irmã de 3 anos fazia. Na escola, era sociável e brincava com as amigas. Na sala de aula, porém, era a última a terminar as tarefas propostas pela professora.

É muito comum que pessoas leigas e alguns profissionais de saúde, incluindo psicólogos, considerem que problemas no interior do indivíduo sejam responsáveis por suas dificuldades. Por conta do atraso em terminar as tarefas e do seu comportamento infantil, os pais começaram a se questionar se Carol tinha algum atraso de desenvolvimento, ou seja, se algo no interior da criança estava funcionando de forma incorreta e causando o comportamento infantil. A nossa cultura nos ensina a olhar para dentro de nós e não para o que acontece no mundo; essa maneira de analisar os problemas pode resultar em interpretações errôneas e às vezes absurdas do que está ocorrendo.

O treino do analista do comportamento é diferente. Ele procura nas variáveis ambientais as possíveis “causas” dos problemas. Foi o que a terapeuta fez. Questionando os pais sobre o cotidiano de Carol, identificou alguns acontecimentos que possivelmente estavam produzindo o aparente atraso da garota. Chamamos esse processo de avaliação de análise funcional: consiste em recortar o comportamento em três partes: (1) variáveis ambientais que antecedem a resposta, (2) a resposta e (3) variáveis ambientais conseqüentes à resposta. Esses três termos são considerados de forma inter-relacionada; o objetivo é descobrir como cada um desses elementos é influenciado pelos outros. Eis um quadro do que Juliana identificou:

antecedente

resposta

conseqüência

A mãe sai com os filhos (parque do prédio, festas, shopping, salão de beleza) As pessoas elogiam os irmãos menores

Carol chora

A mãe explica que ela também é fofa, “só que ela cresceu e que quando as crianças crescem elas recebem pouca atenção mesmo” sic

A mãe sai com os filhos (parque do prédio, festas, shopping, salão de beleza) As pessoas elogiam os irmãos menores

Carol imita os irmãos

As pessoas dão atenção porque “ela deve estar muito traumatizada” sic

A professora passa uma atividade

Carol termina junto com as outras crianças ou antes

Fica sem fazer nada ou vai para o pátio da escola

A professora passa uma atividade

Carol fica atrasada

A professora fica com ela ajudando e faz carinho

A análise funcional permite algumas considerações sobre o que estava ocorrendo com Carol. A mais importante delas diz respeito ao que Carol estava fazendo para receber o que queria: carinho e atenção. Os pais prestavam mais atenção à garota quando ela chorava ou imitava os irmãos do que quando se comportava como uma garota mais velha. Por exemplo, ao ver Carol andando de patins, os pais diziam “todo mundo sabe fazer isso”; por outro lado, quando ela chorava ou imitava os irmãos recebia carinho e ouvia “você também é linda, Carol”.

Em palavras mais técnicas: os comportamentos inadequados estavam sendo reforçados e os adequados estavam sendo extintos. Explicando: Carol estava privada de carinho e, portanto, receber atenção era reforçador (como explicado no último texto, respostas seguidas pelo reforçador têm maior probabilidade de voltarem a ocorrer). Comportar-se como os irmãos estava se tornando mais freqüente, pois era agindo assim que a menina recebia reforço. Extinção, por sua vez, é o processo no qual uma resposta não é seguida por reforçador e, por isso, deixa de ocorrer. Andar de patins, no exemplo, e outras atividades do tipo não eram seguidas do carinho dos pais e passou a acontecer com menor freqüência.

A análise é semelhante na escola. Quem fazia a lição rapidamente podia ir ao pátio. Os alunos que demoravam em terminar as tarefas recebiam ajuda e carinho da professora. Aqui, uma explicação precisa ser feita. Geralmente, ir ao pátio é reforçador para as crianças e comportamentos que permitem a brincadeira ocorrem com mais freqüência. No caso de Carol, carinho estava sendo mais importante do que ir ao pátio, ou seja, atrasar a lição era seguido de uma conseqüência mais reforçadora do que terminá-la rapidamente. O resultado observado era o atraso de Carol em realizar as atividades em sala.

Com base nessas análises, Juliana planejou sua intervenção. Foram três tipos de ações: atendimentos à Carol, orientação aos pais e orientação à professora. Com Carol, Juliana explicou o que estava acontecendo; nas brincadeiras no consultório, dava carinho à garota quando ela brincava como uma menina de 5 anos. Nenhuma atenção era dada a brincadeiras mais infantis.

A psicóloga explicou para os pais de Carol que a menina necessitava de atenção e que o carinho devia ser contingente (ou seja, estar relacionada) às brincadeiras adequadas. O mesmo foi explicado para a professora: Juliana sugeriu a ela que fizesse mais carinho nas crianças que terminassem a tarefa rapidamente do que naquelas que se atrasassem.

Esses três conjuntos de ações obtiveram os seguintes resultados. Carol começou a se comportar como as outras garotas de sua idade e reduziu a freqüência de imitação dos comportamentos dos irmãos. Isso ocorreu porque os pais reforçaram Carol após engajamento da garota em atividades adequadas à sua idade. Na escola, Carol passou a terminar a tarefa junto com os outros colegas. A instrução à professora ainda produziu outro resultado: todos os alunos aumentaram a velocidade de resolução das tarefas. A atenção da professora, aparentemente, era reforçadora a todos os alunos e quando passou a ser contingente à rápida realização das tarefas, modificou o comportamento de todos da sala.

Ao todo, foram 8 sessões com Carol, 4 orientações aos pais, 4 somente à mãe e 2 sessões de orientação à professora.

O possível problema de desenvolvimento de Carol foi mostrado infundado. A análise da relação entre comportamento e ambiente, e a intervenção por meio de modificações ambientais foi bem sucedida. Descobriu-se que o aparente atraso de Carol era conseqüência do reforçamento de comportamentos inapropriados. Não havia nenhuma causa interna produzindo inadequação. A dificuldade era falsa.

No próximo texto, vou falar sobre o conceito de doença mental e normalidade para a análise do comportamento. Vou defender a idéia de que não existe anormal.

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Robson Faggiani