Desvendando o comportamento: do simples ao complexo (pt 2 – final)


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No último texto expliquei uma unidade simples de análise do comportamento. Desta vez, vou avançar um pouco na complexidade, mostrando uma unidade de análise que ajuda a entender comportamentos mais elaborados, como raciocínio e capacidade de comparação.

No primeiro texto desta série, apresentei um rapaz que estava diante de um computador que exibia em sua tela figuras verdes e azuis. Quando o rapaz respondia às figuras azuis ganhava pontos, mas quando respondia às verdes não havia conseqüência especial. Comentei que esse processo envolvia alguns acontecimentos: as figuras azuis indicavam que os pontos estavam disponíveis; os pontos aumentavam a probabilidade de a resposta voltar a ocorrer (por ser um estímulo reforçador); por estar correlacionada com o reforçador, a cor azul passava a exercer controle sobre o comportamento. Essa é a unidade de análise1:

SD –> R –> SR

Essa unidade ajuda a entender o que chamamos de percepção e de atenção. A percepção da cor azul ocorre devido à sua correlação com os pontos. Dizendo de outra maneira: percebemos e atentamos para determinados eventos porque esses eventos indicam algo importante para nós. Um torcedor checa o placar do estádio de vez em quando, pois os números ali exibidos indicam algo importante. Um segurança olha atentamente para o monitor porque saber quem se aproxima é relevante para ele. Uma mãe segurando a mão do seu filho olha para os dois lados antes de atravessar a rua. Todos esses eventos podem ser dispostos naquela unidade de análise. Por exemplo, o comportamento da mãe:

SD (nenhum carro) –> R (atravessar) –> SR (chegar ao outro lado)

Essa unidade de análise, que chamamos de contingência de três termos, é bastante adequada, mas é simples. Os humanos se relacionam com vários eventos simultaneamente, e não com eventos isolados. Uma unidade de análise mais completa deveria considerar a dinamicidade do mundo no qual vive um humano. É isso que vou mostrar.

Vou continuar com o exemplo da mãe. Atravessar ou não a rua geralmente não é determinado apenas pela visão de carros vindo. Há outros eventos a serem considerados: a velocidade do carro, a distância dele em relação ao ponto de travessia, se há semáforos próximos, a idade do filho e sua velocidade de caminhada, etc. O comportamento da mãe é influenciado por todos esses eventos simultaneamente. Uma unidade de análise mais completa deveria fazer referência a tais eventos; desse modo:

SD1 + SD2 +SD3 –> R –> SR

Traduzindo para o nosso exemplo: o conjunto de eventos SD1, SD2 e SD3 indica qual resposta da mãe é mais adequada. É válido lembrar que essa relação ocorre por conta da correlação desse conjunto de eventos com o reforçador que, neste exemplo, é algo incrivelmente simples: chegar ao outro lado da rua. Se trocarmos essas notações pelo evento real, o processo fica mais inteligível:

SD1 (carro distante)
+ SD2 (carro lento) – – – – – –> R (atravessar) –> SR (chegar ao outro lado)
+ SD3 (filho grande)

Diante do conjunto de eventos representado, a mãe atravessa a rua e chega com segurança ao outro lado. Para ilustrar a importância de cada um desses eventos, vamos imaginar que apenas um deles fosse diferente. Por exemplo, se o carro estivesse distante, mas bastante rápido. É possível que isso modificasse o comportamento da mãe. A mudança do evento provavelmente resultaria em uma resposta diferente. O reforçador para essa nova resposta seria ficar em segurança na calçada:

SD1 (carro distante)
+ SD4 (carro veloz) – – – – – –> R (não atravessar) –> SR (ficar em segurança)
+ SD3 (filho grande)

Essa nova unidade de análise nos ajuda a explicar comportamentos bastante comuns. Por exemplo: por que falamos de coisas diferentes quando estamos com nossos pais e com nossos amigos? Ora, porque a presença dos pais é um evento que indica que conversar sobre emprego ou escola vai ser reforçado. De forma similar, estar com os amigos é um evento indicativo de que falar sobre festas ou fazer piadas pode ser reforçado com risadas e aprovações. Quando analisamos como nos comportamos em cada ambiente, podemos notar o quanto cada situação praticamente “requer” um modo diferente de agir. E por que agimos de maneiras diferentes em cada um desses ambientes? Porque essa é a melhor maneira de obtermos conseqüências importantes para nós mesmos.

Ainda não sabemos a quantos eventos simultâneos um humano é capaz de atentar. Talvez apenas 3, ou quem sabe 10. Apesar disso, temos conhecimento de algo mais primordial: é preciso identificar como diferentes ambientes e situações modificam o comportamento dos indivíduos. Daí vem a importância de investigar a relação entre eventos, respostas e reforçadores. Se uma criança sorri na presença do pai, mas chora diante da mãe, tentamos identificar na história de vida dessa criança como esses eventos (presença de cada um dos pais) passaram a ocasionar choro ou risos: temos que identificar como o pai e a mãe interagem com a criança e quais conseqüências seguem seu comportamento.

A unidade de análise mostrada neste texto permite falar de comportamentos chamados de raciocínio, pensamento, comparação; demonstra que uma série complexa de eventos determina o que o indivíduo faz. O comportamento depende da conjunção de acontecimentos e provavelmente nenhum outro animal além do homem é capaz de lidar com tantos eventos simultaneamente. É comum que digamos que a mãe do garoto fez uma série de cálculos rápidos antes de decidir se atravessaria ou não a rua, ou que pensou (ou raciocinou) sobre o que seria o melhor a fazer. Nós, analistas do comportamento, preferimos dizer, que a série de eventos sinaliza que o reforçador está disponível para a resposta adequada. Esse modo de falar tem a função de nos ajudar a olhar para os eventos relevantes para o comportamento.

No meu próximo texto vou falar de um conceito caro a qualquer psicólogo: a motivação. Vou mostrar como a análise do comportamento entende este importante conceito e contar sobre uma unidade de análise ainda mais complexa, que inclui um tipo de relação que comumente chamamos de “desejo”, “vontade” e, até, “saco cheio”.

1=A função da unidade de análise é nos permitir entender o comportamento, ela não é o comportamento. É uma ferramente conceitual que possibilita que "montemos" o comportamento, para que possamos analisá-lo melhor.

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Robson Faggiani