É normal ser “anormal”: o entendimento de doença mental de acordo com a Análise do Comportamento


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Existe o normal e o "anormal" em se tratando de pessoas? Geralmente o portador de distúrbio mental é classificado como doente. Ao usar o clássico termo para descrever os transtornos mentais, o entendimento desta realidade é prejudicado.

Neste artigo o autor se propõe a discutir o conceito de normalidade e anormalidade de acordo com a perspectiva da Análise do Comportamento e mostra que o conceito de doença mental pode ser dispensado.

O conceito de anormalidade, ou comportamento desviante, sofreu mudanças durante a história da humanidade. Em tempos remotos, o desvio era considerado causa de eventos místicos: possessão demoníaca, espiritual ou influência dos deuses. A medicina, com a ajuda da psicanálise, espantou os demônios místicos e criou termos técnicos, baseados em evidências, para substituí-los: depressão, obsessão, esquizofrenia, etc. Por fim, a análise do comportamento abandonou os nomes e sugeriu que todos os comportamentos são aprendidos de acordo com os mesmos princípios.

Neste texto vou mostrar que a análise do comportamento entende que as idéias de “normalidade” e “anormalidade” não são necessárias. A abordagem defende que atitudes chamadas de anormais são comportamentos que ocorrem em quantidade maior ou menor do que o esperado por determinada comunidade ou indivíduo. Ou seja, a idéia de desvio, ou doença mental, está ligada às expectativas e sofrimentos de uma ou mais pessoas, e não a processos intrinsecamente problemáticos.

Tomado ao pé da letra, o conceito de normalidade tem significado estatístico: normal é um tipo de média, e disso deriva a idéia já ultrapassada de que anormais seriam as pessoas que não se encontram dentro da média populacional. Atualmente, diagnósticos psiquiátricos são feitos a partir de uma análise individual e particular do paciente; no entanto, seu comportamento ainda é comparado com um conjunto de sintomas comuns de determinados transtornos. Esses sintomas foram sistematicamente pesquisados e estão catalogados em grandes manuais diagnósticos, como o CID-10 e o DSM-IV.

Com os princípios subjacentes aos manuais, e a noção de etiologia (como ocorre o desenvolvimento de uma doença), a Psiquiatria operou uma mudança incrível na conceituação de doença mental, trazendo o foco da análise para o indivíduo e terminando com a idéia de seres místicos causando os problemas de comportamento. Desse modo, o sofrimento do paciente foi colocado no âmbito dos homens, tornando possível um tratamento e, quem sabe, uma cura para as doenças mentais.

Ainda há problemas, no entanto, no conceito de doença e na análise diagnóstica amparada por um conjunto de sintomas catalogados. Baseando a noção de doença permanece a idéia de funcionamento anormal do organismo e, portanto, as dificuldades do paciente psiquiátrico são entendidas como causas, primordialmente, do funcionamento estranho do corpo do indivíduo. Algumas conseqüências desse princípio são a ênfase na observação dos sintomas, e não nas relações do paciente com seu universo anterior e atual, a prescrição de medicamentos tarja preta (para conter os sintomas), e o possível desenvolvimento da noção de que uma ou outra doença não têm cura. A evolução trazida pela Psiquiatria foi grande, mas é possível ir mais longe.

Para os analistas do comportamento, os manuais de diagnóstico e as noções de doença mental e desvio são úteis, pois têm a importante função de permitir a comunicação entre profissionais de diversas áreas, além de constituírem um quadro de investigação inicial importante para as dificuldades humanas. No entanto, esses conceitos podem ser dispensados, pois a pedra fundamental do diagnóstico e da intervenção é o indivíduo único: interessa suas dificuldades particulares, suas relações com o mundo e as pessoas próximas e seus relatos sobre si. O indivíduo, na análise do comportamento, é comparado somente a si mesmo: como era antes, como é agora, como estará depois.

A análise das dificuldades dos indivíduos é feita a partir do seu contexto, considerando seus sofrimentos e expectativas e de pessoas com quem convive. Sendo que os princípios de aprendizado do comportamento são os mesmos para qualquer caso, a primeira pergunta que um analista do comportamento faz é: Por que os comportamentos desse indivíduo estão lhe causando sofrimento? Ou a mesma pergunta reformulada: Se todo comportamento mantido traz algum benefício, quando e por que o quê esse cliente faz passou a ser um problema? Essa resposta, em geral, está ligada a alguns desses aspectos: o comportamento está ocorrendo muito freqüentemente, ou quase nunca; deixou de produzir os benefícios que produzia, o que desmascara o sofrimento que acompanhava o benefício; ou está incomodando as pessoas próximas ao cliente, que lhe sugerem procurar ajuda.

Em outras palavras, os analistas do comportamento não costumam utilizar rótulos diagnósticos. No lugar dos nomes, descrevem pormenorizadamente os comportamentos do cliente e o ajudam a lidar com as ações e relações que lhe estão causando problemas. Alguns dos benefícios dessa prática são o abandono do conceito de doença (o que costuma tranqüilizar o cliente), e a adoção de uma perspectiva que afirma que se todos os comportamentos são aprendidos, as dificuldades podem ser “desaprendidas” e o cliente pode aprender novos comportamentos, mais adequados aos seus contextos. Essa é também a razão de trocarmos o termo “paciente” por “cliente”, enfatizando sua participação no processo terapêutico.

Essas considerações não invalidam o importante trabalho do psiquiatra. O diagnóstico médico e a medicação são fundamentais em alguns casos. O ideal é que o psicólogo e o psiquiatra trabalhem lado a lado para o benefício do cliente. Muitos psiquiatras reconhecem a importância da intervenção em análise do comportamento, e indicam aos clientes essa abordagem como complementação do seu trabalho. Por nosso lado, também indicamos os clientes a médicos psiquiatras, mas continuamos defendendo a idéia de que ao invés dos nomes das doenças, ou do conceito de desvio e doença mental, é muito mais útil e parcimonioso não comparar os indivíduos com sintomas gerais, mas somente consigo mesmos e com seus aprendizados particulares.

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Robson Faggiani