Reinaldo Moraes – Um chute na caretice


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Reinaldo Moraes é um escritor paulistano nascido em 1950. Pulemos a parte inútil de esmiuçar sua biografia pessoal, e vamos direto ao ponto: sua atividade literária, um tanto quanto estranha para os padrões normais de um escritor com um primeiro livro tão cultuado. Estamos falando de Tanto Faz, publicado no início dos anos 80 e que causou um grande impacto na literatura que se fazia naquele momento. Era época de Caio Fernando Abreu e seus Morangos Mofados e de Feliz Ano Velho de Marcelo Rubens Paiva. Os três livros foram publicados dentro de uma coleção chamada “Cantadas Literárias” da Ed. Brasiliense (aliás, responsável pela chegada ao Brasil da grande literatura marginal que explodira na década de 60, centrada sobretudo na geração beat, e no próprio Bukowski, tratado aqui na coluna passada). Três preciosidades.

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Tanto Faz trazia uma prosa diferente, uma espécie de não-história, uma escrita livre, descompromissada no bom sentido da palavra. Alguém que trazia elementos da cultura pop numa década um tanto problemática para o país: o fim da ditadura militar, e a pergunta “e agora?”, uma espécie de momento flutuante onde as dúvidas e incertezas eram superiores à certeza do que estaria por vir. Reinaldo chega chutando a porta de uma década um tanto quanto apática nas artes, algo explicável novamente pelo nosso momento histórico de então. Seus diálogos são absolutamente cinematográficos, e não pensando num sentido grandioso, e sim na sua capacidade de transformar algo pequeno numa cena única. Trabalha magistralmente com trocadilhos ou como ele mesmo define “trocadalhos do carrilho”, e com pequenas frases hipnóticas, caóticas ou imagéticas como: “desencana que a vida engana”, “o amigo de todo dia é uma namorada que mija com agente na rua” ou “essa é a imagem da vida no ponto zero: você na frente da pia do banheiro com a escova de dentes. Tudo começa aí”. Inevitável dizer que a crítica da época não lhe foi muito favorável, era muita ironia, sacanagem e ócio político-criativo para uma década tão complicada politicamente.  
 
Retomando sua curiosa trajetória literária.
 
Depois de Tanto Faz Reinaldo publicou alguns poucos livros, de igual intensidade na minha humilde opinião, mas que foram totalmente esquecidos ou ignorados na época e, convenhamos, até hoje.
 
No meio tempo entre meados de 80 até meados dos 2000, Reinaldo não publica nada de muito expressivo, pensando em questões de visibilidade. Trabalha como roteirista para redes de televisão e produtoras cinematográficas.
 
Em 2009 vem a grande bomba. Um catatau de quase 500 páginas para mostrar que um tipo diferente de narrativa é possível: Pornopopéia. Prosa delirante, ritmo frenético que nos leva a pensar em como ele consegue levá-la até o fim com o mesmo pique. Algo como uma longuíssima improvisação de jazz que não perde o compasso em nenhum momento. Sexo, drogas e uma dose de irresponsabilidade que nos colocam questões.
 
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Retirando a inovação estética – a narrativa frenética, um narrador extremamente urbano e contemporâneo, referências que vão do erudito à cultura popular – seria o livro de Reinaldo simplesmente uma egotrip sem sentido e sem noção de crítica? Não acredito. Vejo em seu narrador – que encarna todas as características de um niilista frente a um mundo embrutecido – exatamente o lugar da crítica. Seu narrador é o produto de um mundo prejudicado, individualista, de uma busca estritamente hedonista, um prazer pelo prazer. Negar que nossa realidade produza esse tipo de comportamento é negar que vivemos numa sociedade massacrada por relações desiguais em todos os âmbitos. Seu narrador demonstra fragilidades emocionais ao mesmo tempo em que destila veneno contra tudo que é estabelecido dentro do que é eticamente aceitável. Não sei a real intenção de Reinaldo nesse ponto, mas é a leitura que faço e que proponho ser discutida.
 
Em tempo e não menos importante.
 
Eu não acredito em prêmios literários, muito menos aqueles que levam nomes de grandes empresas como o tão aclamado “Prêmio Portugal Telecom de Literatura”. A questão, na verdade, não é acreditar neles ou não, e sim enxergar ali algo que sabemos que nunca vai premiar um tipo de literatura que afronta às regras morais estabelecidas.
 
O Portugal Telecom desse ano premiou o livro Leite Derramado de Chico Buarque. Sou daqueles que sempre achou Chico Buarque um gênio, um mito quase intocável. Inclusive Leite Derramado é um bom livro, muito bem escrito e com uma linguagem não menos interessante. Assim como seus livros anteriores. Acontece que Chico Buarque já cumpriu – e muito bem – seu papel histórico no Brasil. Creio que até ele concordaria com isso. Chico foi um militante vigoroso contra a ditadura militar. Com suas músicas metafóricas, alcançava um grau de politização muito grande e que obtinha efeitos na consciência política das massas.
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Nessa edição do prêmio, Reinaldo concorria com Chico. Pornopopéia, Leite Derramado, entre outros. Acho que um prêmio como esse dado a Pornopopéia, longe de pensar em méritos ou glórias, poderia, principalmente, suscitar um debate sobre um tipo de literatura brasileira mais marginal, mais contestadora na sua proposta estética, uma linguagem nova. Chico não precisa mais desse tipo de conquista. Os clássicos sempre vão estar, e precisam estar em nossos horizontes, mas necessitamos criar espaços para coisas novas, e não apenas na literatura. Sair da caretice. Um sopro de ar fresco na vida. Sobretudo na vida.
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Diogo Brunner