República dos juízes: in dubio, pau no réu!


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A máxima “juiz só fala nos autos”, definitivamente, assume mais e mais um ar démodé. Não bastasse o gosto pelos holofotes de alguns juízes, manifesto em declarações inconvenientes até mesmo sobre causas correntes, uma associação de magistrados arbitrariamente divulgou, com notória conotação negativa, listas de candidatos às eleições que respondem a processos ainda em andamento. Ora, ora. Como se a mera existência de processo contra alguém bastasse para a presunção de culpa!

Um dos pilares da democracia, a separação dos poderes, foi teorizada por Montesquieu, no século XVIII. Em seu “O Espírito das Leis”, o filósofo francês aprimorou o conceito de poder tripartite, antes alinhavado por Aristóteles e Locke, o que resultou no chamado “sistema de freios e contrapesos” (poids et contrepoids). Em suas palavras, “só o poder freia o poder”; destarte, o desejado equilíbrio entre os poderes é obtido a partir do controle mútuo de um sobre o outro, sendo que cada um deles exerce competências que lhe são próprias.

Quase três séculos depos, os juízes brasileiros não parecem contentes em apenas exercer a função jurisdicional e realizar o controle de constitucionalidade de nossa legislação. Fatos observados de poucos anos para cá indicam que nossos juízes querem mais. Essa constatação, já evidente desde a reforma político-eleitoral operada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ao definir regras de cassação por infidelidade partidária, fica ainda mais óbvia quando verificamos que Marco Aurélio, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), fez escola e tem em Gilmar Mendes um sucessor à altura: ambos são notáveis menos pelo cabedal jurídico e mais pela vaidade ante os holofotes, gosto este manifesto em entrevistas e declarações inconvenientes, por vezes chegando ao cúmulo da opinião sobre causas por julgar.

A máxima “juiz só fala nos autos”, definitivamente, assume mais e mais um ar démodé. O mau exemplo vem de cima, com o beneplácito de nossa imprensa. Juízes abandonam a velha postura sacerdotal para, enfim, chafurdarem-se na lama da política rasteira. Notícias do tipo “Gilmar Mendes critica Tarso e diz que não teme impeachment”, que causariam espécie poucos anos atrás, hoje são mais e mais comuns. Afinal, o presidente do STF não tem pudor algum em criticar seja lá quem for por meio de jornais, o que rende manchetes típicas de revistas de fofocas. Até por reflexo do comportamento falante dos integrantes de nossa mais alta corte, instâncias mais baixas do Judiciário adotam cada vez mais esse mesmo figurino histriônico.

Quiçá em busca de holofotes, a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) inventou de disponibilizar a relação dos candidatos às próximas eleições que respondem a ações penais, de improbidade administrativa e eleitoral. Ainda que se suponham nobres as intenções da AMB, configura-se aqui autêntico pré-julgamento: tratam-se aqui de réus em processos em andamento, e não de condenados. Esquece a AMB que mera existência de processo não tem o condão da presunção de culpa. Às favas com o direito de defesa!

Esse desserviço da AMB em listar réus de processos em andamento que poderão ser – claro, em dia incerto depois das eleições – inocentados por sentenças judiciais traz à tona um outro ingrediente cruel de nossa justiça: a morosidade. O atual prefeito paulistano Gilberto Kassab está na lista da AMB: réu em uma ação civil pública relativa a sua gestão como secretário municipal no governo Celso Pitta (1997-2000), foi absolvido em segunda instância. Recurso feito pelo Ministério Público mantém o processo em curso. Kassab será condenado? Inocentado? O tempo dirá.

O tempo – muito tempo, sempre. Outro exemplo, um processo relativo a episódio ocorrido em 1970: Paulo Maluf, em seu primeiro mandato como prefeito, doou com recursos públicos automóveis Volkswagen aos integrantes da seleção campeã da Copa. A decisão sobre a causa transitou em julgado no STF apenas em 2006. Não discuto o quão justa a sentença foi ou não, mas o réu Paulo Maluf foi – 26 longos anos depois – inocentado.

Enfim, talvez a tagarelice de alguns juízes e a morosidade da justiça sejam agora problemas menores. Tanto mais em um momento em que uma associação de magistrados inova, ao decidir que inexistindo prova em contrário, presume-se que todos os candidatos sejam culpados.

Parafraseando famoso brocardo: in dubio, pau no réu!

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Ricardo Montero