vértebra quinta: a intimidade


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 “o erótico, para mim, acontece de muitas maneiras, e a primeira é fornecendo o poder que vem de compartilhar intensamente qualquer busca com outra pessoa. a partilha do gozo, seja ele físico, emocional, psíquico ou intelectual, monta uma ponte entre quem compartilha, e essa ponte pode ser a base para a compreensão daquilo que não se compartilha, enquanto, e diminuir o medo da suas diferenças. 

(audre lorde)
 
 
falo baixinho, sussurrado, numa recitação ao pé do ouvido, naquela nas quais mais se entende o calor que arrepia os pelos da nuca do que  exatamente o sentido das palavras. o erotismo, avesso a bussolas e enamorado dos descaminhos, prefere o sentir ao sentido. gosta dessas palavras incompreensíveis, murmuradas como o desatino das folhas de árvores deliciando-se com o vento ou como os gemidos sussurrados da água corrente ao percorrer as asperezas das fendas da terra. gosta do cochicho provocante, do rumor lascivo, daquele quase silêncio que se faz no meio do transbordamento de palavras. 
 
esse dialeto de respirações dessa língua de afetos precisa ser aprendido, ou melhor, criado, lentamente, num delicado cultivo que se dá no terreno mais fértil do erotismo – a intimidade. sim, a vértebra que tanto demorou nascer, que se nutriu sem pressa nos interstícios dos segundos, tentando conter as palavras afobadas e aprender a ouvir quase-silêncios, é a intimidade. dizem as más línguas (ou as más bocas, sem línguas) que ela é o avesso do erotismo, que nela o erotismo seca, finda, morre, não encontra matéria para criar e se reinventar. quão enganados estão aqueles e aquelas que não reconhece a matéria mais delicada e preciosa da arte erótica. 
 
no sistema anti-erótico em que vivemos, o desejo é percebido como falta , nessa lógica se deseja o que não se tem, se deseja porque não há convivência, se deseja porque há distância. quando se está junto, quando há cotidiano, quando se está perto, o suficiente para conhecer o amanhecer do hálito do amado e a delicadeza das marcas das olheiras depois de um dia exaustivo, o desejo finda. diz-se até que é preciso reinventar-se a cada dia para manter acesa a “chama do desejo”, esconder as singularidades, fazer-se de difícil. aprenda a ser o que não é a cada dia e mantenha seu casamento – diz uma revista qualquer exposta no supermercado.
 
uma arte erótica só ganha sentido num território em que o desejo é desamarrado da lógica da falta e passa a ser concebido como agência criativa, potência, vigor. surge um novo território de criação, a intimidade se torna matéria e alvo do erotismo. por conhecer cada detalhe quero conhecer-te cada vez mais, por estar cada vez mais, inventamos novas formas de estar perto. o erotismo é um arte da aproximação, da criação de novas conexões, da sedução cotidiana, do encantamento dos dias, do desejo que nasce repleto de intimidade. 
 
mas quanto estamos dispostos a nos tornarmos íntimos?
 
responda baixinho, num sussurro ao pé de ouvido…
 
a quinta (e demorada) vértebra é a intimidade.
 
 
a poesia de hoje é de carlos drummond de andrade.
 
Sugar e ser sugado pelo amor
no mesmo instante boca milvalente
o corpo dois em um o gozo pleno
Que não pertence a mim nem te pertence
um gozo de fusão difusa transfusão
o lamber o chupar o ser chupado
no mesmo espasmo
é tudo boca boca boca boca
sessenta e nove vezes boquilíngua.
 
(“Sugar e ser sugado pelo amor”, carlos drummond de andrade)
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(fe)lipe areda