Sade e os infortúnios da escritura maldita


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Sade (1740 -1814) é o mais incômodo, desagradável e assustador dos escritores malditos. Leio suas obras entre o nojo e o fascínio, o terror e a curiosidade. Mas leio. O ritual que impõe a suas vítimas se estabelece entre o Eros e tánatos – óbvio – mas também busca o tártaro, dependendo do quanto suas personagens e leitores são capazes de atravessar as trevas, acompanhando a filosofia de alcova de Sade.

Sabemos que a vida de Sade foi marcada por prisões, perdas financeiras, momentos de lucidez e de loucura. Claro está que o conceito de loucura só cabe se ignora-se o próprio Sade e entra-se no racionalismo moral que faça ver como alheio o processo de busca pelas origens da paixão desse autor fascinante. O sexo, na ótica de Donatien Alphonse François de Sade, é um exercício constante de perversão ou, mais precisamente, de conhecer os limites da tal relação entre tánatos e Eros.

Porém, o que me interessa com freqüência em seu texto é a metalinguagem narrativa que cria. A violação continuada de Justine, por exemplo, coincide com uma narração ininterrupta que equivale ás vezes ao próprio clímax da personagem. Sade é um apaixonado pelo sexo e a perversão, numa absoluta simplificação. Mas é também um fascinante narrador.

Literatura de alcova e de cochichos, seus textos vem recebendo atenção renovada nos últimos anos. O filme de Philip Kaufman, de 2000, contribuiu para que o autor acedesse ao grande público, embora o mesmo filme tenha o perigoso viés de transformar o fascínio pela tara em simples tara.

Sade foi leitura de Baudelaire – o maldito-mor – de Flaubert, de Cortázar, de Salvador Dalí, de Bataille. Atenção tão distinta já é uma boa razão para ler.

Se uma das principais marcas da maldição literária é a marginalidade ou a incompreensão entre os seus, Sade cumpre essa “regra” à risca. No entanto, entre o frenesi sádico e a vontade de destruição de si – palavras de Georges Bataille – Sade é, sobretudo, um poeta de escritura muito menos aleatória e egocêntrica do que possa parecer. Sade é o escritor da Queda da Bastilha. Ninguém representa tão bem, nas letras, esse momento da Revolução Francesa.

Simultaneamente, Sade é o menos artista dos artistas. Uma obra sua dificilmente sobrevive ao crivo da crítica literária. E isso nada tem a ver com a temática. Também a filosofia esbarra em contradições gritantes, principalmente as de cunho teológico.

Ainda assim, ele permanece, adjetivando e mitificando-se. Sua entrada no mundo acadêmico o legitima pouco a pouco. Dificilmente se tornará leitura recomendada para estudantes incautos, mas já faz parte de um panteão. É justo lembrar que a contemporaneidade aprecia dar lugar ao deslocado como se fossemos capazes de compreender o que os outros negligenciaram.

De qualquer modo, se prestamos atenção, podemos ouvir, ao longe, a gostosa gargalhada desse incansável tecedor de excessos.

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Rosane Cardoso: 200 anos de Poe