Onde os fracos não têm vez: realismo cinematográfico


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Onde antes aqui foi dito cinema do feio leia-se agora realismo cinematográfico. Vamos tentar organizar essa bagunça terminológica e colocar as balas nos pentes certos!

Mesmo sem querer me redimir de nada do que eu disse, vou hoje colocar minha pessoalíssima leitura de um filme feio, com gente feia e estória feia. Um filme que gostei por demais e que já me encantou de cara ao colocar no título original em inglês parte de um poema de um dos meus poetas prediletos, o William Butler Yeats, Sailing to Byzantium e o pervertendo de forma cinematograficamente genial.

Sailing to Byzantium – William Butler Yeats

I
That is no country for old men. The young
In one another’s arms, birds in the trees
—Those dying generations—at their song,
The salmon-falls, the mackerel-crowded seas,
Fish, flesh, or fowl commend all summer long
Whatever is begotten, born, and dies.
Caught in that sensual music all neglect
Monuments of unaging intellect.

II
An aged man is but a paltry thing,
A tattered coat upon a stick, unless
Soul clap its hands and sing, and louder sing
For every tatter in its mortal dress,
Nor is there singing school but studying
Monuments of its own magnificence;
And therefore I have sailed the seas and come
To the holy city of Byzantium.

III
O sages standing in God’s holy fire
As in the gold mosaic of a wall,
Come from the holy fire, perne in a gyre,
And be the singing-masters of my soul.
Consume my heart away; sick with desire
And fastened to a dying animal
It knows not what it is; and gather me
Into the artifice of eternity.

IV
Once out of nature I shall never take
My bodily form from any natural thing,
But such a form as Grecian goldsmiths make
Of hammered gold and gold enamelling
To keep a drowsy Emperor awake;
Or set upon a golden bough to sing
To lords and ladies of Byzantium
Of what is past, or passing, or to come.

No interior do Texas enquanto xerife Ed Tom Bell não podia parar de crer na violência sem sentido dos dias atuais, um assassino frio escapa das mãos de um delegado. Este é Anton Chigurh que tem seus princípios muito particulares e os segue à risca sem dó, nem piedade. Logo, conhecemos o caipira Llewenly Moss que encontra em suas andanças os restos mortais de uma briga de gangs de traficantes. A droga ainda estava toda lá e o dinheiro também. Ele acha por bem ficar com os milhares de dólares, mesmo já presentindo que iria ter encrenca. E foi grande, viu? Advinha de quem era a grana? Do Chigurh, claro. Ao longo da narrativa Chigurh rastreia e caça Moss, matando uma pá de gente no caminho, enquanto Moss vai acreditando que poderia se safar. O lesado e quase aposentado xerife Bell vai tentando avisar a Moss para cair fora, mas sempre se vê (se mostra?) impotente. Chigurh vai desfilando seus recursos assassínios com astúcia assustadora, Moss, suas estratégias de sobrevivência de maneira comovente. No final Chigurh ganha todas, ok?

Enquanto que – tentando resumir e talvez reduzir muito – no poema de Yeats o narrador exalta a convergência entre a eternidade, a arte e a jornada da alma humana, os diretores irmãos Coen com suas mãos pesadas convertem o verso that is no country for old men em somente no country for old men pra começar. E ao longo da narrativa cinematográfica a eternidade se faz pela força bruta e não é para todos. Se no poema a possibilidade da eternidade do ser pode acontecer pela arte, no filme essa eternidade é simplesmente a perpetuação da vida do assassino, que aliás tem sete vidas, vamos combinar! A arte em si pode ser vista como a arte do assassino, ou a arte de se escapar dele, mas prefiro ir além e acrescentar a arte de mostrar a estória – que é o realismo cinematográfico, o qual logo comentarei. A jornada da alma humana é só a sorte de escapar dos acertos e erros de tiros dados pelo Imperador daquele fim de mundo, o Chigurh.

Não quero aqui entrar na discussão infindável sobre o conceito fechado e origem do que estou aqui chamando de realismo cinematográfico (podemos até discutir isso nos comentários), mas sugiro que nós espectadores separemos esse termo do tal realismo telejornalístico ou de documentários. O fato do cinema no mundo inteiro (de Hollywood, off-hollywood, europeu, asiático e etc.) passar a usar recursos televisivos como, velocidade nas edições – a chamada câmera nervosa, por exemplo, a câmera cinética do aclamado Danny Boyle -, crueza de sons e imagens, aparentemente sem retoques, pessoas sem glamour, não significa que a narrativa ali apresentada deixou de ser ficção. Mas mesmo assim muitos espectadores (alguns até metidos a críticos) entram em debates infindáveis a respeito disso. Defendem com raiva das duas uma: ou que cinema que é cinema de verdade é assim, "mostra" a realidade, ou que isso não é cinema nada, que não vão pagar pra ver "o mundo cão". Calma, gente! Nem um extremo, nem o outro. Entre eles está o universo ficcional, a verossimilhança, as possibilidades que só têm espaço na ficção mesmo.

Em Onde os fracos não têm vez temos perspectivas de câmera bastante sóbrias e cruas. A fotografia, que inclui foco, cores, efeito de sombra e luz, entre outros, é assustadoramente "real", ou seja, ela é feita de forma a acentuar aquilo que irá chocar mais em função do como a estória será contada. Praticamente não há trilha sonora musical, somente uma vez ou outra uma música de suspense bem baixinha aparece. Porém a edição de som é perfeita, deixando muito claro o maquinário usado por Chigurh para abrir fechaduras, por exemplo. Não é à toa que o filme ganhou vários prêmios nessas duas categorias.

Os atores feios são um charme! Javier Bardem e sua cara quadrada imprime a frieza necessária a Chigurh. Tomy Lee Jones e sua feiúra comovente, fazendo aquela cara impagável de velho com a gota latejando, consegue dar o ar do xerife que está cansado de ver violência sem sentido… Josh Brolin e seu bigodão nojento, cabelo ensebado e cara de quem não vê um banho há meses faz a gente realmente não entender o porque da atitude suicida.

Todos os personagens mostram um tédio infinito, parecem que doidos para que qualquer coisa fora do comum aconteça só para agitar um pouco. É o oposto do paradisíaco Byzantium de Yeats onde a possibilidade do eterno através do belo está em todo lugar. Em No country for old men os velhos, os fracos, os trabalhadores, niguém tem vez naquela terra inóspita, distante, empoeirada e feia em todos os aspectos. E só sobra mesmo a arte cinematográfica para falar desse portal do inferno na terra.

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Ana Al Izdihar