A tecnologia e o Frankenstein


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O Iluminismo foi um movimento que mudou o mundo. O Marquês de Condorcet (1743-1794), na França, William Godwin (1756-1836) e Mary Wollstonecraft (1759-1997), na Inglaterra, foram pensadores iluministas que defendiam a justiça social e de gênero, o progresso econômico e consideravam que a racionalidade humana poderia resolver os principais desafios da sociedade. Eles acreditavam na “perfectibilidade humana” e na força da inteligência para resolver os problemas de pobreza, avançar com a ciência e a tecnologia, construir um mundo justo e pacifico e chegar a um estado de bem-estar e de felicidade para todos. Eles sonhavam com o aperfeiçoamento permanente da humanidade.

De fato, a ciência e a tecnologia possibilitaram grandes transformações sociais e econômicas nos últimos 220 anos. Mas se houve ganhos, também houve grandes danos. A depleção da natureza, a poluição das fábricas, o envenenamento por meio dos agrotóxicos e as mudanças climáticas são alguns dos resultados do “sucesso” civilizatório. Par quem demoniza a tecnologia, o Planeta pode caminhar para o colapso se os rumos atuais não forem alterados.

Mas cabe a pergunta: a  tecnologia pode ser a salvação ou a danação do mundo?

Uma das primeiras pessoas a questionar a glorificação da ciência e da tecnologia por parte dos iluministas foi Mary Shelley, nada menos que a filha de William Godwin e Mary Wollstonecraft, considerada a primeira feminista moderna e que escreveu, em 1790, o livro A Vindication of the Rights of Woman (Uma Defesa dos Direitos da Mulher). Por ironia histórica, a feminista Mary Wollstonecraft morreu de morte materna após o parto da sua filha, em 1797. Mary Wollstonecraft Godwin se casou com o poeta romântico idealista inglês Percy Shelley (1792-1822), e passou a assinar o sobrenome do marido.

Mary Shelley tinha apenas 19 anos quando escreveu o livro: Frankenstein, o Prometeu Moderno, publicado em 1818. Parece que ela quis mostrar aos pais e ao marido que a tecnologia, ao invés de criar o “homem novo”, poderia criar um monstro. Assim como, na mitologia grega, onde Prometeu roubou o fogo (da sabedoria) dos Deuses para iluminar o caminho da humanidade, o Dr. Victor Frankenstein utilizou da ciência e da tecnologia para “brincar de Deus” e dar à luz uma criatura inteiramente nova.

No ramance, o médico e químico Victor Frankenstein, depois de estudar galvanismo, desenvolve uma técnica secreta para imbuir corpos inanimados com vida. Ele sonhava produzir uma bela Criatura, mas produziu um ser com aparência de monstro. Victor renega a Criatura e foge na tentativa de esquecer sua criação. Isto deixa a Criatura confusa, com raiva e com sentimento de rejeição. Porém, a despeito do horror que provoca nas pessoas, a Criatura sobrevive e se educa sozinha e, depois de vários desencontros e várias tragédias, encontra-se novamente com Victor Frankenstein e exige que ele crie uma companheira, com as mesmas características, para que o novo casal pudesse viver longe da civilização. A princípio Victor concorda, mas depois se nega a fazer a Criatura feminina, com medo de estar dando início a uma nova “raça de monstros”. Neste ponto, Criador e Criatura já estão totalmente conflagrados e em guerra aberta, cada um tentando aniquilar a vida do outro.

Desta forma, a mensagem do livro Frankenstein é sobre os efeitos não antecipados da ciência e da tecnologia. A autora trata a tecnologia como uma força autônoma que, ao invés de gerar progresso e bem-estar, pode gerar aberração e monstruosidade, voltando-se contra o próprio criador e atuando em oposição aos interesses da sociedade. Em vez de ser uma solução, a tecnologia vira um problema. Portanto, Mary Shelley antecipou a crítica moderna e sugere que a tecnologia que gerou progresso, também gerou poluição das cidades, eliminou empregos, modificou a vida das pequenas comunidades, provocou acidentes (radiação atômica, vazamentos de petróleo, etc.), assoreou os rios, esvaziou aquíferos, desmatou florestas, acidificou os oceanos, aqueceu a atmosfera e provocou mudanças climáticas.

Alguns estudiosos consideram que o livro Frankenstein, o Prometeu moderno reproduz um discurso moralista, rousseauniano, conservador e que demonizou a ciência e a tecnologia. Outros consideram que Mary Shelley apenas alertou sobre os efeitos não antecipados da racionalidade e da criatividade humana. Neste segundo sentido, ela se antecipou a pensadores como Marx, que mostrou como o capitalismo utiliza a ciência e a tecnologia para seus objetivos de maximizar o lucro; a Max Weber que mostrou os efeitos da razão instrumental que ajusta os meios aos fins não valorativos; a Adorno e a Escola de Frankfurt que denunciaram o lado repressivo da razão; e a Foucault que mostrou o entrelaçamento entre saber e poder.

O debate continua aberto. Por exemplo, em relação ao aquecimento global, as novas tecnologias podem ter efeitos muito diferenciados. A industria do petróleo busca novas tecnologias para explorar o óleo em águas profundas e utilizar outras fontes de combustíveis como as tar sands (areias betuminosas) e o gás de xisto. Com isto adiam o fim do uso dos combustíveis fósseis e continuam a emitir gases de efeito estufa aumentando o aquecimento global.

Outros cientístas buscam técnicas de geoengenharia para capturar o CO2 (gás carbônico) e reduzir o efeito estufa. A intenção pode ser boa, mas apenas buscar mitigar os efeitos das tecnologias exploradoras da energia fóssil não vai resolver o problema da emissão provocada pelos combustíveis que emitem CO2.

Porém, existem cientistas e empresas investindo em tecnologias para aperfeiçoar a produção de energia solar e eólica, que são fontes limpas e renováveis e que não provocam o efeito estufa. Se as energias renováveis chegarem a toda a população mundial de maneira democrática e não ficarem controladas por poucos grupos monopolistas, então o avanço científico e tecnológico nesta área vai representar um avanço para todos.

Portanto, a tecnologia pode ser uma solução ou um problema. Mas, com certeza, ela nunca será uma panacéia para resolver a voracidade e a doença egoístia da ganância humana.

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José Eustáquio Diniz Alves