Ensaio By Augusto Maurer / 21/07/2009 Share 0 Tweet Comparação pedagógica entre o interesse midiático pelos 50 anos de Kind of Blue e pela morte aos 50 anos de Michael Jackson Em junho de 2004, o legendário guitarrista Carlos Santana concedeu ao crítico de rock George Varga, do The San Diego Union-Tribune, uma ácida entrevista na qual, entre outras coisas, condena a absurda e absoluta indiferença da mídia musical especializada norte-americana à morte, dias antes, de um dos fundamentos do jazz moderno, o baterista Elvin Jones – “a supreme drummer who was doing things that were totally different than anyone else”. Em seu contundente desabafo, Santana compara o descaso midiático em relação à morte de Jones com a repercussão da morte de Miles Davis (1991) na França, quando a televisão transmitiu sua música por quatro horas seguidas; que MTV e VH1 são virtualmente jazz free; que MTV deveria interromper sua programação obsoleta para transmitir um solo de Jones, que representa, como Duke Ellington, o mais alto nível de criatividade; que (os Estados Unidos da) América é um país ignorante (…) pois coloca os valores econômicos acima dos espirituais. * * * Logo que se anunciou, para 2009, a celebração do 50º aniversário do legendário álbum Kind of Blue, de Miles Davis – outro marco fundamental na história do jazz – planejei verificar a permanência ou não da atitude da mídia musical em relação ao jazz assinalada por Santana meia década atrás. Assim determinado, me dediquei, desde o início do ano, a colecionar recortes jornalísticos que pudessem representar, em seu conjunto, o interesse midiático pelo aniversário do monumental feito do conclave de gênios reunido por Miles para aquelas seções de 1959 que se tornariam paradigmáticas para a arte dali em diante. Quando, com duas páginas de Veja e uma ou outra coluna em Carta Capital ou Bravo dedicadas ao cinqüentenário do álbum de Miles, já me considerava de posse de informações suficientes a meu propósito, aconteceu aquele acidente anestésico em LA que se tornou, de um instante para o outro, o fato jornalístico do ano, ao qual já aludimos de passagem em Michael Jackson está morto: e daí ? e em Impromptu: Michael Jackson está morto: e daí ? (ii). Para que aqueles dentre os leitores menos familiarizados aos fatos e mitos do jazz bem dimensionem a magnitude do álbum conceito de Miles de 1959 (Miles foi dos poucos a reinventar a sua música muitas vezes em vida, a cada uma delas influenciando a música como um todo), sugiro a apaixonante leitura de Kind of Blue: A História da Obra-prima de Miles Davis, de Ashley Kahn (2000/trad. 2007). Interessa-nos, aqui, sobretudo o fato de que o disco tenha influenciado amplamente, desde então, os modos de fazer e ouvir música – especialmente se considerarmos que se tornou praticamente moda, entre artistas pretensamente informados, arrolar Kind of Blue entre suas principais influências. Alérgico confesso que sou à música pop (como explico adiante), preciso, hora dessas, me dedicar a conhecer uma banda chamada Radiohead, com o propósito de tentar nela identificar a influência, segundo li na Bravo, alegadamente exercida sobre a mesma pelo álbum de Miles. Me interessa, pois, aqui, cotejar a atenção pontual, esporádica e dispersa dispensada pela mídia a Kind of Blue ao longo de seu cinqüentenário, constituída, principalmente, por matérias jornalísticas tais como notas breves sobre o álbum como parte do calendário de efemérides celebradas em 2009; e matérias “jornalísticas” por ocasião do lançamento de compilações fonográficas alusivas ao evento, muitas delas descaradamente ilustradas, como anúncios, pela imagem física dos produtos resenhados; um jornal chegou a estampar em suas páginas, pasmem, os próprios rótulos serigrafados dos CDs promocionais – cabendo se perguntar, no presente caso, qual teria sido o destino final do exemplar promocional da luxuosa reedição naquela redação com o surto de interesse súbito e maciço pela… obra (?) de quem pretendem ou se pretende o rei do pop, desencadeado a partir de sua morte prematura e acidental, que resultou na saturação da mídia com extensas matérias biográficas sobre o mito pop por semanas a fio até o momento em que escrevo estas linhas. Ou ainda, se quiserem, com o aniversário Ora, se considerarmos as distintas reações da mídia, acima descritas, para com, de um lado, a originalidade, a excelência musical e a amplitude da influência de um único álbum cinqüentenário de Davis e, de outro, para com o relativamente insignificante legado musical de Jackson (ou ainda, se preferirem, para com o aniversário de 40 anos da primeira caminhada do homem na lua), é patente que a situação denunciada por Santana em 2004 em nada tenha se alterado desde então. * * * Tendo, pois, triangulado com mitos de diferentes mundos e épocas, i.e., Jones (jazz), Santana (rock) e Jackson (pop), não poderia publicar estas ruminações sem antes googlar os dois últimos – ao que fico sabendo que as biografias de ambos se tocaram (como as de tantos do showbizz com a de Jackson…) ao gravarem, em 2001, a canção Whatever Happens para Invincible, último álbum de estúdio do cantor. Foi assim que, unicamente por curiosidade musicológica, dediquei os primeiros minutos de que me lembro em minha vida a ouvir atentamente, no YouTube, uma música de MJ – apenas para constatar o colossal abismo artístico existente entre a realização do protagonista e o gênio do guitarrista ali sufocado em seu papel totalmente subsidiário. Coisas do pop, enfim. Compartilhe isso:Clique para compartilhar no Twitter(abre em nova janela)Clique para compartilhar no Facebook(abre em nova janela)Compartilhe no Google+(abre em nova janela)MaisClique para compartilhar no LinkedIn(abre em nova janela)Clique para compartilhar no Tumblr(abre em nova janela)Clique para compartilhar no Pinterest(abre em nova janela)Clique para compartilhar no Telegram(abre em nova janela)Clique para compartilhar no WhatsApp(abre em nova janela)Clique para compartilhar no Skype(abre em nova janela) Relacionado