Modigliani: a potência e o delírio de um artista da vida


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 “Ele não tinha nada de parecido com alguém no mundo.”

 Ana Akhmátov

Amadeo Modigliani, bem como outros grandes pintores de sua época, é um artista de forças. Sua pintura não é fundada, em primeiro momento, nos aspectos técnicos e na primazia de elementos cromáticos ou em quaisquer que sejam os métodos para composição técnica de uma obra de grandes exigências. Modigliani é – antes mesmo do estilo que imprimi em suas telas – um artista por excelência, cuja vida e obra – e os acontecimentos que a potencializam – estão simbioticamente atreladas.

A pobreza e a não aceitação de sua obra foram fatos recorrentes durante quase toda a vida de Modigliani; fatos que talvez tenham sido, sob aspectos pontuais, fundamentais para o caráter de sua pintura. Modigliani possuía algo comum apenas aos grandes homens, uma radicalidade que se dava em um nível perigoso, sobretudo, em relação a sua maneira de ser. Para preservar-se enquanto artista recusou, durante muito tempo, as possibilidades do mercado evitando, com isso, a corrupção e má apropriação de seu trabalho por parte do precário senso estético dos consumidores de arte – estes, em qualquer época, sempre dispostos a diminuir a potência das obras. Modigliani não era um homem comum e, por isso, seus traços também não eram. Assim, pela não aceitação da vulgaridade, se fez artista.  

Os elementos figurativos de sua pintura fazem menção, quase sempre, a seus vividos. Um dos elementos interessantes de seu trabalho está no aspecto da figuração, que ganha propriedade em seu aspecto narrativo, mas que, porém, se aproxima – diga-se de passagem, por admirável contradição – do que Cézanne chamou de “sensação”. Essa sensação a qual se referia Cézanne é o processo perceptivo onde há ausência de intermediários narrativos, figurativos e conceituais. Esse limiar entre aspectos narrativos e de sensação é uma questão, talvez um jogo de forças que demonstre a singularidade da pintura de Modigliani.  Há, pois, a narrativa que se desenvolve dentro de um trabalho que, sob certos aspectos, se propõe a narrar aspectos comuns às próprias vivências do artista; e há a expressão do corpo que, em muitas obras, dispensa os intermediários figurativos e narrativos – talvez, aí, postos em segundo plano. A dimensão máxima dos aspectos conflitantes citados podem ser analisados nas pinturas em que Modigliani faz referência à sua mulher, Jeanne. Os elementos visuais e narrativos ali presentes encontram-se sob tensão no tocante ao caráter da obra em si. Este limiar, entre aspectos diferentes, que impossibilitaria outros autores por implicação mutua acaba sendo, em Modigliani, um dos seus pontos mais marcantes. Fato é que Modigliani cria a partir da necessidade que tem enquanto artista e, com isso, desenvolve uma pintura singular cujo traço delirante se dá à construção de perceptos – esses “pacotes de sensações e relações que sobrevivem àqueles que os vivenciam.” (DELEUZE, 2010, p.175)

A forma alongada – característica marcante de seu traço – é outro ponto de tensão a ser analisado por seu aspecto representativo – se é que de fato existe enquanto forma de representação. Essa, no entanto, é uma questão que sugere descaminhos cujos perigos talvez agora nos façam tropeçar.

Em última análise, o que se quer aqui é desmistificar a idéia absurda que faz cindir, de forma abusiva, a vida e a obra de Modigliani. Tal idéia consiste num pretensioso, e moralista, modo de julgamento de uma existência marginal, cujos propósitos estéticos – e políticos, também! – sempre mostraram um talento e um exímio tratamento comuns tanto à vida como à arte. Separar a vida e obra de Modigliani é tornar seu traço um borrão e sua vida um mero estampido de imoralidade. Modigliani construiu-se em meio aos delírios e a embriaguez e fez de sua conduta e de sua arte uma máquina contra a vaidade burguesa que contaminava o meio artístico de sua época, por isso o sucesso não lhe parecia atrativo.

É necessário, sobretudo, que se tenha por princípio o respeito aos modos pelos quais se pode potencializar a vida, dessa maneira
O que importa é como se está habituado a temperar sua vida; é uma questão de gosto, se se prefere ter o aumento de potência lento ou súbito, o seguro ou perigoso e temerário – procura-se este ou aquele tempero sempre segundo seu temperamento. (NIETZSCHE, 2006, p.177-178)
           
Ora, se há motivos suficientes que possam fazer do corpo-drogado um artista, a exploração deste é para o homem-artista inevitável – e assim, por risco de frustração e traição do desejo e necessidade criadora. O raxixe e o álcool não foram mais do que temperos para a singularidade de Modigliani, esse homem de coerência, contradições e delírios.
 
 
 
 

BIBLIOGRAFIA:

 

DELEUZE, G. Conversações. São Paulo: Ed.34, 2010.
NIETZSCHE, F. Obras incompletas. São Paulo: Abril, 1996. (Coleção Os Pensadores)
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Laio Bispo