Meu (des) encontro com os neonazis


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Berlin-Berlin cidade dividida. Este foi o cenário que presenciei há quase 10 anos após a queda do muro: perfurações de bombas e tiros da última guerra ainda eram vistos nas paredes das casas sem reformar. O muro já tinha sido demolido, mas as marcas da divisão eram vistas por toda parte.

 

Em visita à Berlin, entrei pela primeira vez contato com um grupo de neonazistas que eu só conhecia através das manchetes dos jornais: cabeças raspadas, vestidos de preto e calçando coturnos…

 

Alemanha unificada problemas resolvidos? Pelo contrário, imaginem o que passaria pela cabeça de cidadãos que ficaram fechados num regime comunista por décadas? O isolamento causou isolamento dos cérebros e o neonazismo encontrou terreno fértil para se desenvolver. Não é à toa que a maioria dos focos de radicais de direita estão la.

Até 1970 os extremistas de direita estavam organizados chamados “Altnazis”, ou “velhos nazistas”. Os neonazistas (neo: neu: novo) diferenciam-se dos “velhos nazis” pela sua disposição a praticarem atos de violência. Os seus fundamentos são os mesmos dos tempos do Nacional Socialismo: ódio às minorias étnicas, judeus, estrangeiros, asilados, descendentes de turcos. Grande parte deles nega ou relativiza os crimes praticados durante as guerras e em especial o extermínio dos judeus. Defendem uma nação homogênea, sem estrangeiros, baseiam suas idéias no “darwinismo social” na seleção natural das espécies; que parte vem de Lamarca e não de Darwin propriamente. Estão ainda na lista os homossexuais, os sem teto e os deficientes físicos.

Ataques brutais de jovens neonazistas têm acontecido principalmente contra africanos, como ao engenheiro etíope/ alemão em Potsdan e contra o inglês trabalhador de construção civil Noel Martin em 1996, que ficou paralítico de depois de um acidente de carro provocado pela perseguição de um grupo de jovens neonazistas. Não somente estrangeiros são vítimas dos dos radicais de direita. Na Sachsen-Anhalt 5 atores alemães foram atacados e feridos por serem “diferentes”, “coloridos” e “alegres” e a lista não para aí.

 

Eles estão em toda parte

Até o final de agosto de 2006 foram registrados 8.000 atos praticados por extremistas de direita. Em comparação com o ano, 2005, anterior um aumento de 20%. Estatísticas de janeiro/fevereiro de 2008 em toda Alemanha, mostram que foram praticados e registrados 2053 delitos e atos de violência de caráter de extrema direita muito mais que em 2007, 1774 casos.

Os ataques de neonazistas também não se restringem somente aos estados do antigo Leste alemão, mas nos últimos anos estão acontecendo em outras cidades do país. Em Dormund em novembro de 2007 um grupo de 30 neonazistas atacaram um clube de turcos quebrando janelas e ferindo pessoas. Há grupos de neonazis tanto nas grandes quanto nas pequenas cidades e vilas, é comum eles se organizarem em clubes de futebol, onde têm os primeiros contatos com os jovens, muitas vezes atuando nas torcidas organizadas dos clubes.

Os números da besta

Eles também se organizam em outros países da Europa e nos Eua, utilizam a internet como ponto de contato e troca de informações e se escondem atrás de símbolos numéricos 18, 1 da primeira letra do alfabeto “a” e 8 da oitava letra “h” (AH) Adolf Hitler e 88 (Heil Hitler) ou a palavra escrita de trás para frente, floda reltih. Quem vê suas camisas pensa que eles são de times de basquete. A indumentária também os identifica: jaqueta preta ou verde-oliva de exército, coturnos com cadarços brancos. Nos últimos anos os mais raros de se ver são os que usam roupas com as insígnias da marca “Pit Bull”, uma referência ao agressivo cão da marca pitbull.

Na Rússia há cerca de 50 organizações de neonazistas e mais de 10 mil militantes, que distribuem livros, panfletos e jornais com conteúdos racistas propagando ódio aos imigrantes de outros paises, Tchechênia, Daguistão, Armênia, Azerbadijão.


Camaleões


É interessante a forma como os grupos Neonazis procuram se inserir na mídia, disfarçando sua ideologia, “tentam o diálogo” com a sociedade, participam de iniciativas e abaixo assinados “contra as drogas” ou “contra a criminalidade”, que a princípio parecem interessantes. Mas tudo isto é uma forma de esconder-se por detrás desta fachada o verdadeiro sentido de suas campanhas: a busca de “bodes expiatórios” para propagação de sua ideologia. “Quem estaria por atrás das drogas”? ou “Quem são os criminosos”? A resposta não formulada deixa subentendido que são: “Os estrangeiros”, claro.

Em suas aparições em público se apresentam como “cidadãos normais” pacifistas e se dizem perseguidos politicamente. Oportunistas, dependendo da intervenção, entortam a boca pelo uso do cachimbo e mostram suas verdadeiras caras, com suas ações agressivas.

 

NPD é legal

Fundado em l964, o NPD, Nationaldemokratiche Partei Deutschlands (Partido Nacional Democrata Alemão) foi sempre um partido minúsculo e sem grande importância até a unificação alemã em 1990, quando a maioria dos votos emergia de pequenas regiões e cidades em que a economia local não ia muito bem, principalmente no antigo Leste. Eles se intitulam nacionalistas democráticos e… revolucionários, acham que a Alemanha tem um excesso de “multiétnicos” e querem que os não alemães sejam empurrados para fora do pais. São contra a entrada da Turquia na União Européia por temerem “que venham mais turcos para a Alemanha”. Defendem propostas de um absoluto anacronismo como a saída da Alemanha da União Européia e a volta do marco alemão. Acreditam que a mulher, dona de casa e mãe, é o melhor modelo para a sociedade, elas não devem trabalhar fora e precisam ser reconhecidas profissionalmente, com direito a aposentadoria. Os ideais do NPD resultam numa mistura de resultado turvo: racismo, nacionalismo, populismo anticapitalista.

 

Sendo o NPD um partido legal, causa indignação aos cidadãos alemães sustentar com dinheiro do público, sua propaganda racista. Há iniciativas de parlamentares de esquerda no sentido de proibi-lo, de colocá-lo na ilegalidade, mas há os defendem sua legalidade por acreditar que desta forma torna-se mais fácil combate-lo.

Fora da nova ordem

 

 

A nova ordem mundial não tem perdoado a Alemanha. Novos investidores procuram no mundo quem dá mais, mais subsídios, mais vantagens, como mão-de-obra barata. Já vimos aqui no OPS o “Caso Nókia”, relatado em postagem passada. A Alemanha esta perdendo concorrência para outros paises não só da Comunidade Européia, mas para paises asiáticos. Então os argumentos do NPD caem como uma luva: Os políticos da Sacsônia pedem para que os investidores que têm suas fábricas em outros paises, retornem à Alemanha e fortaleçam a economia local, ironicamente só agora que eles, os investidores, descobriram onde esta a mina de capital humano mais barato.

A maioria é pela proibição

Ainda que o NPD seja um partido legal na Alemanha, isto não significa que ele possua legitimidade entre os cidadãos. Esses utilizam o espaço e o sistema democrático para tentar fechá-lo, e cabe à sociedade civil colocar os limites à sua atuação, não somente através da justiça, e ou polícia. A sociedade que tem que ser chamada a refletir sobre o tema. Proibir somente, por exemplo, a panfletagem na porta das escolas, não impede que as idéias entrem por outras vias na cabeça de jovens e adolescentes e o importante é chamar a discussão para dentro das salas de aula e combater suas idéias com firmeza.

Segundo pesquisas feitas pelo Mannheimer Forschungsgruppe entre 15 e 17 de abril de 2008 e anunciados na da rede ZDF de comunicação, das 1210 pessoas entrevistadas, 74% são pela proibição do NPD, 22%contra. Ainda, 66% dos entrevistados o consideram um perigo para a democracia. Os resultados são claros: os alemães rejeitam o NPD e são pela sua proibição.

O (des) encontro

Em minha última visita à Berlim em 1999, fui conhecer o Cemitério Histórico e depositar flores nos túmulos de Rosa de Luxemburgo e seu companheiro, Karl Liebknecht, mortos por paramilitares no ano de 1919. Lá encontrei um grupo de neonazis que vagavam pelo cemitério vestidos de preto, usando coturnos militares com suas cabeças raspadas. Num certo momento me cercaram começaram a fazer piadinhas me ameaçando fisicamente, me provocaram… Sai apressada do local por medo e passei o dia pensando nos velhos internacionalistas que ali descansavam na eternidade, eles que foram símbolos de liberdade e fonte inspiradora para gerações de intelectuais e militantes não poderiam imaginar que o pesadelo um dia ainda iria voltar agora na mente de jovens que nunca souberam o que foi liberdade nem tolerância.

O que pensam os jovens de hoje

Se por um lado a população em geral rechaça o partido de extrema direita de idéias racistas e xenofóbicas, o resultado de outra pesquisa aqui causou indignação esta semana com a publicação de um estudo, ainda incompleto, e por isso criticado, feito pelo Instituto de Pesquisa Criminológica da Niedersachsen, solicitado pelo Ministério do Interior, sobre o que pensam os jovens estudantes. Mesmo que parcial (18.000 entrevistas de 50.000 planejadas) a pesquisa tem dados surpreendentes: De cada treze jovens entrevistados, um já praticou algum ato ilegal, como por exemplo, pichação, com a cruz gamada, ou mesmo atentados contra propriedades de estrangeiros. Um em cada cinco acha que “há estrangeiros demais” na Alemanha. Mesmo ainda não concluídas as pesquisas mostram que os jovens têm receio e desconfiança com relação aos muçulmanos e estrangeiros. Fatos como estes mostram que se não bastasse o trágico passado histórico, a Alemanha ainda tem que conviver com as idéias racistas e xenófobas da juventude do século XXI.

Podemos tentar enumerar algumas das causas, que não serão suficientes para justificar o porquê dos jovens de hoje ainda pensam e expressam-se desta maneira. Acredito que houve certa omissão do Estado ao não diagnosticar ou ignorar a realidade dos jovens não reconhecendo (até agora) o perigo de se ter uma juventude sem perspectivas. Ouso dizer que a sociedade se tornou complexa, muito mais complexa que nas décadas de 60, quando uma geração de jovens declarava a “paz e o amor” ao mundo. Hoje viver é ser bem sucedido, dentro da lógica do capitalismo e da globalização. A geração de jovens de hoje na, Alemanha, não conheceu crise financeira, maio de 68, passeatas e grandes protestos nas ruas contra a guerra do Vietnan, nem grandes movimentos formadores de opinião. Hoje se tem “tudo nos conformes” e a filosofia do “ser” foi superada pela “do ter”. A vida se resume a uma competição no mundo globalizado e a ética foi posta de lado. Então no vácuo de idéias e polarizações os fracassos podem ser facilmente debitados na conta de outros, dos muçulmanos, dos estrangeiros, os problemas pessoais de cada um.

Uma coisa é certa uma sociedade pluralista não pode ser construída baseada na intolerância, violência. O debate esta aberto, e todos, escolas, igrejas, universidades, sindicatos, polícia têm que abrir os olhos para o tema antes que seja tarde.

Fonte:

Ring Nationaler Frauen.

Miteinander-ev.Streiten mit Neonazis? Zum Umgang mit öffentlichen Auftritten von Rechtsextremisten.

Politik-digital, Information, Kommunikation, Partizipation.

Süddeutsche Zeitung/Die Subkultur der Neonasis/2007.

Kriminologisches Forschungsinstitut Niedersachsen E.V.

 

 

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Solange Ayres