A Vitória do Jazz (uma crônica doméstica)


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Certa noite, após uma soberba apresentação do pianista Fats Waller, uma honrada senhora dirigiu-se a ele e perguntou o que era o jazz. Ele teria respondido, com a língua tão veloz quanto seus dedos: se a senhora tem de perguntar o que é o jazz, então esqueça.

 

Certa noite, após uma soberba apresentação do pianista Fats Waller, uma honrada senhora dirigiu-se a ele e perguntou o que era o jazz. Ele teria respondido, com a língua tão veloz quanto seus dedos: se a senhora tem de perguntar o que é o jazz, então esqueça. Atribui-se esse episódio a Duke Ellington, se bem que já ouvi que o autor da célebre frase teria sido, na verdade, o trompetista Miles Davis. É possível, principalmente porque Miles não era dado a gentilezas quando seu interlocutor era mulher com mais de 30 anos – e ainda mais se fosse honrada. Mas não é isso o que quero dizer.

De fato, perguntas sobre jazz há aos montes, e vêm de todos as direções, mas pelo menos uma delas eu sei responder: ouve-se jazz em Vitória? Resposta óbvia porque, a despeito de todo o tropismo insular pelas micaretas e pelos espetáculos baianos de música (?), ainda há resistência. E essa resistência, apesar de todas as evidências contrárias, parece ganhar adeptos a cada semana. Falo porque vejo. Claro que identificar os focos jazzísticos na ilha, dar-lhes nomes e endereços, enfim, localizá-los geograficamente não seria adequado a uma resenha que se propõe imparcial.

Daí ater-me à teórica impessoalidade, mas apenas teórica porque, em alguns casos, os bois precisam ser nomeados. Resumindo, o jazz é música popular que, no galopar dos tempos, tornou-se música de elite – pelo menos é assim que muitos músicos, produtores e consumidores do jazz pensam. Pensam e, ao que parece, gostam de pensar, mas isso é uma outra história. E por falar em história, num retorno temporal – anos 70/80 -, o jazz ganhou popularidade na ilha.

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Programas de rádio e lojas de discos compreenderam que havia consumidores reais – e muitos potenciais – capazes de suprir uma demanda mínima, composta (também) por músicos locais, que enxergavam no jazz a verdadeira música. Essa demanda cresceu, para alívio de muitos – e me incluo nessa lista. Em qualquer parte da zona norte de Vitória – Camburi, Praia do Canto, Jardim da Penha – é possível encontrar locais onde se pode ouvir jazz, seja ele em formato de trio piano-bateria-baixo, seja ele em forma quarteta, adicionada de um sopro – sax, trompete, clarinete. Em alguns casos, as guitarras mostram que nem só de rock se faz a música, e que a eletrificação não chega a ser tão venenosa ao jazz como se supõe. Há, na verdade, de tudo: do excelente Afonso Abreu Trio até o som fusion do jovem guitarrista Gean Pierre, sem falar no Salsa Trio, cuja sonoridade é a própria essência jazzística – ou seja: a improvisação é o lema. E o que dizer de Alexandre Borges & Banda Aqui Jazz?, cujas performances são declarações de amor ao ritmo? E quanto ao jazz falado? Não, não me refiro a vocalistas – e sim a indivíduos que se reúnem com o simples objetivo de trocar idéias sobre instrumentistas, discos raros, shows vistos e shows perdidos, esta ou aquela gravação, grandes e pequenos personagens, mortos e vivos.

Reúnem-se em casas, em botequins, em cafés, como se conspiradores fossem, insurgindo-se contra a má música. Sim, claro, porque o jazz é isso: é boa comunhão, como um encontro entre pessoas que têm a música em altíssima conta, e que sabem que ela deve ser acessível a todos. Parece que a cidade está compreendendo isso, e os espaços jazzísticos são abertos não à força, mas à base de bom som. Em breve, em Vitória, ninguém precisará perguntar a outros o que é o jazz, e ele estará em todos os lugares.

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Milton Ribeiro