Corpo e movimento (e): anotações sobre as tentativas de um encontro


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Imagem Spitfirelas Fiquei de escrever sobre o Encontro de Criadores e Coreógrafos do Festival NovaDança, em Pirenópolis. Na primeira parte faço um relato breve do Encontro, trazendo para a tela algumas coisas que anotei no meu caderno. E na segunda parte apresento algumas questões que me rondaram e ainda me visitam. Não são propriamente as questões […]

Imagem Spitfirelas

Fiquei de escrever sobre o Encontro de Criadores e Coreógrafos do Festival NovaDança, em Pirenópolis.

Na primeira parte faço um relato breve do Encontro, trazendo para a tela algumas coisas que anotei no meu caderno. E na segunda parte apresento algumas questões que me rondaram e ainda me visitam. Não são propriamente as questões da dança, mas aquelas que um pesquisador e criador no campo das fronteiras borradas entre teatro e dança.

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I. Um exercício de encontro

O encontro se deu com várias “salas” de discussão, experimentação e estudos: composição, improvisação, processo criativo, lugar específico, percursos e deambulações, entre outras. Fizemos um levantamento, primeiramente, daquilo que cada um queria colocar em foco. Depois, filtramos e organizamos uma agenda. Algumas idéias fizeram parte de uma programação coletiva, outras surgiram de oportunidades apresentadas.

Participaram: Dudude Hermann, que foi mediadora e provocadora dos encontros e confluências: Wederson Godoy da Cia Hybridus, Paola Rettore, Thembi Rosa, Margô Assis e este que vos escreve (Minas Gerais); Luciana Lara e Valéria Lehmann (Distrito Federal);Tica Lemos e Marta Soares (São Paulo); Sylvia Fernandez (Bolívia) e Luis Garay (Argentina). Tivemos, ainda, o apoio logístico e de produção de Susana Sarue. O Encontro de Criadores e Coreógrafos da NovaDança é um evento idealizado e produzido por Giovane Aguiar.

Dudude Herrmann apresentou na abertura do Encontro aquilo que posso chamar de programa de vida:”desmanchar a dança dançando”, em “perseguir o desaparecimento”, deixando “as coisas falarem”, na tentativa de “fortalecer suas próprias incertezas”. Luís Garay expôs seu modus operandi de criação, que tem por base referências exteriores à dança, como trabalhos de fotografia, música, arquitetura etc. Luís disse que sua criação não consistia propriamente em extrair algo de sua cabeça, mas sim em “falar por meio de outros”. No Youtube vemos alguns vídeos dos trabalho coreográficos de Garay, com características pop e irônicas.Thembi Rosa falou das suas estratégias compositivas, da parceria artística com o marido Canário, do Grivo, que trabalha com música experimental (influenciados por Cage), da necessidde de buscar o instante, de perceber o que muda, além do interesse em saber “como as pessoas fazem as coisas” em dança. Isto é, como trabalham e o que resulta desse investimento. Seus interesses se direcionam para uma pesquisa da presença e dos estados corporais. Tenho sempre assistido aos espetáculos de Thembi, acompanhando suas perguntas. O que me chama a atenção é sua busca acurada, numa visão que inclui o aleatório, as conexões não previsíveis e a resposta do seu corpo.

Marta Soares, professora, coreógrafa e performer, expôs sobre as relações entre corpo e ambiente. Suas referências vêm das artes plásticas, da filosofia e da literatura. Ela conta que busca não mais uma dança baseada no movimento pelo movimento, mas sim a partir de uma imersão naquilo que posso chamar de estados corporais, envolvendo o ambiente. Seu tema de doutorado é o “esgotamento do corpo”. Ela coordenou uma “sala” que seria um laboratório num lugar específico, particularmente num ambiente natural, fora do estúdio. O grupo que aceitou o “convite” era formado por Luís Garay, Margô Assis e Wenderson Godoy. Eles vasculharam a região de Perinópolis, encontrando num dos “santuário ecológicos” (mata nativa preservada), numa cachoeira, o site specific. O estudo envolveu as idéias de contenção, deslocamento e composição. O laboratório resultou, então, numa instalação corporal, configurando aquilo que chamo de habitar uma duração.

Wenderson Godoy fez um relato do movimento artístico-cultural de Ipatinga, no Vale do Aço em Minas Gerais. Faz parte do Hibridus, um coletivo de artistas de várias mídias (dança, fotografia, artes plásticas), envolvidos num processo colaborativo de pesquisa, com base em dança e arquitetura.

Margô Assis relatou sua parceria com Luciana Gontijo (a quem devo também uma parceria de quase dois anos, influenciando e modificando meu olhar sobre a corporalidade no teatro). A trajetória de Margô passa pela busca das instabilidades, da pesquisa em parcerias com artes plásticas, nod diálogos com a designer de luz Thelma Fernandes e com o Grivo, num projeto intutlado por ela de “dança precária”.

Silvia Fernandez expos suas experiências na Bolívia: as trajetórias da dança moderna, o surgimento do interesse na dança contemporânea e o trabalho de formação. Sylvia falou muito das relações entre a parte rica e pobre da cidade, das várias identidades culturais e costumes que compõem um verdadeiro mosaico e, principalmente, de como a dança pode se haver com esse universo.

Luciana Lana, da CiaAnti-Status Quo de Brasília, também trabalha com o processo colaborativo nas suas criações coreográficas. Há um cuidado extremo na confecção do espetáculo, na pesquisa temática e sensorial. A cada espetáculo, Luciana trabalha com elementos e técnicas diversas. O processo envolve a conjução dos elementos como luz, cenografia, criação corporal e sonoplastia, de tal modo que, segundo me parece, uns provocam os outros. Numa de suas criações, Luciana Lara traz o público para dentro do palco, melhor dizendo, para dentro do palco.

Paola Rettore expôs na “sala” de processo criativo, coordenada por Luciana Lara, diversos procedimentos e meios de criação. Com uma trajetória marcada por dança, experimentações, improvisação, instalações cênico-corporais, vídeos, poemas, desenhos e objetos, Paola mostrou uma produção sem fim. O que ela faz, disse, parte sempre de uma necessidade e nem sempre isso precisa fazer parte dos circuitos convencionais de arte (galerias, palcos etc.). São encontros inusitados, pequenos grupos que aparecem, oportunidades que a convocam etc. Muitas parcerias são com o artista Marcelo Kraiser, como vários vídeos e um dos mais recentes trabalhos, Pequenas navegações. “Meu trabalho é feminino, são pequenas coisas”, diz Paola. Esse tipo de relação com a arte, que a reinsere em circuitos outros de vida, produzindo novos agenciamentos, zonas de experimentação. Trabalhos performáticos que são atos que abrem hiatos no cotidiano, a partir de nexos de sentido outros: exemplo disso é a sequência de fotos de seios de mulheres que a visitavam num determinado momento de sua vida. Uma das performances-instalações que mais me chamam a atenção, principalmente do ponto de vista da teatralidade, é a obra-processo Desconsiderare II, realizado no Equador (vide noutra postagem minhas considerações sobre o vídeo que eu vi).

Ainda na sala processo criativo, Dudude Herrmann apresentou seus trabalhos, principalmente o projeto Poética de um andarilho. Neste, ela pretendia “dançar na invisibilidade da dança”, descobrindo um “corpo farejador”. Como subtítulo de a escrita do movimento no espaço do fora, Andarilho foi uma pesquisa improvisacional em uma situação não dada como a de um espetáculo ou evento de dança, mas “uma dança escondida na dança”. Ou seja, a bailarina/performer situava-se em praças públicas e “evitava de impor às relações e ao corpo social o seu julgamento.”

Conheci também Valéria Lehmann, uma musicista e soundesigner que fez trilhas sonoras para a Cia Anti-Status Quo. No Encontro ela montou um mini-estúdio sonoro, realizando intervenções, oficinas e performances. Valéria transita da música contemporânea para a música popular tradicional (além do curso acadêmico de música, estuda pífano com o mestre Zé do Pife). Conversamos um bocado sobre música e convergências: Valéria me contou que vê a música popular tradicional numa dimensão contemporânea, fora de perspectiva histórico-cronológica. Assim, há uma radicalidade nessa música que dialoga diretamente, diz ela, com as vertentes mais contemporâneas.

Na “sala” sobre improvisação, coordenada por Paola Rettore, tivemos um belo relato de Tica Lemos. Ela falou sobre sua trajetória em dança, pesquisa corporal e improvisação. Tica é 4o Dan de Aikidô e uma das pioneiras da Contato-improvisação no Brasil. Sua ênfase recai sempre na questão da consciência corporal, que ela associa à Nova Dança. Em diversos momentos abordou aspectos dessa consciência em dança que ela chama de “curativos” – numa “educação somática, de união corpo-mente.” Quanto à improvisação, Tica traça uma relação imediata com a composição e com o conceito de intérprete-criador em dança: na quebra da hierarquia entre coreógrafo/diretor e performers. Uma pesquisa que parte das “sensações físicas dos intérpretes”. Tica colocou também que o improvisador tem de ter uma “certa calma”, ver “que imagens ficam”. É necessário um tempo “para achar a coluna” e, então, partir para a composição.

II. Algumas questões

Diversas perguntas me visitaram. Algumas eu tentei trazer para o grupo, mas não foi possível atualizá-las em meio a tantas outras que emergiam, energias que se cruzavam, tensões que puxavam o entendimento etc. Falo, por exemplo, do desafio de compor com corpos que não são treinados em dança. Como eles podem modificar tanto o plano do performer quanto da performance? Trata-se das potências de paisagens visuais e sonoras, nas quais o performer perde ou cede o seu lugar central (da virtuosidade exposta e do espaço existencial que lhe é garantido pela “arte”) para abrir um pouco de caos no seu mundo. Corporalidades outras possuem essa potência. O que pode soar como um “ultraje” para quem foi treinado anos e anos no campo da apresentação artística. Ou como “piedade” (visão assistencialista da arte), ou, ainda, como novas codificações. Não, trata-se de outra coisa.

A Poética de um andarilho, de Dudude Herrmann apresenta uma convergência nessa questão. A performer não se sobrepõe ao espaço, aos outros. Obviamente que era, pelo que percebemos do seu relato, cada vez mais empurrada numa espécie de transe naquele espaço, principalmente quando entram os objetos, o estandarte etc. Mas é um princípio interessante. Esse interesse, ao qual exponho aqui, tem por fundo as criações cênicas de Robert Wilson nos seus primórdios. Um autista foi um dos seus parceiros de criação, para dar somente um exemplo. E tem a ver com o reconhecimento de outras poéticas corporais. Não estou falando de movimento, de habilidades ou desabilidades, dos códigos que têm seguido a dança por esses caminhos…

Paola Rettore, para dar outro exemplo, tem aberto vias não codificadas no circuito espetacular. Ela trabalha noutro registro, que leva para essas paisagens. Não é um trabalho para a distinção de egos, mas de profunda humildade do performer em deixar revelar o outro que não domina suas ferramentas. O que exige, antes de tudo, um grande domínio de uma técnica outra: a de deixar o espaço falar, no caso, o espaço do outro…

Andei pesquisando alguns elementos nessa direção: na intervenção cênico-urbana Fudidos, na região da prostituição pobre de Belo Horizonte, envolvemos grupos humanos como eles vivem cotidianamente. Havia uma cena, por exemplo, em que as prostitutas discursavam no microfone, defendendo a profissão diante da cidade. No final, um grupo de garis fechava varrendo e dançando nas ruas, enquanto uma gravação exibia a voz de Nelson Cavaquinho, com o seu Juízo Final e o público dançava junto, com o apitos que haviam sido utilizados por ele na cena anterior. Posso lembrar aqui, também, de um laboratório de criação que realizei há alguns anos com uma jovem psicótica: relatei essa experiência na minha dissertação de mestrado, de como aprendi sobre o tempo lento e no seu desdobrar para as pequenas percepções.

Paulo Rocha, ator e performer, me chamou a atenção, uma vez, para a noção de ready-made performático , uma expressão cunhada pelo artista plástico Yftha Peled. Ele dá como exemplo, principalmente, o que ocorre com o casal de profissionais pornôs que atuaram num espetáculo do Teatro da Vertigem.

Porém, mais do que introduzir elementos do real (da não ficção) numa cena, trata-se de pensar novos agenciamentos em arte. Principalmente aqueles que não foram previamente programados. Um corpo estranho à dança, por exemplo. Um corpo comum e, ao mesmo tempo, um corpo singular.

O que isso tem de importância para a arte e para aquilo que pode nos surpreender? O encenador Peter Brook disse, numa visita ao Brasil, que não há algo mais interessante do que observar seres humanos. Não em termos de observação cotidiana simplesmente, mas de como um corpo humano pode tomar uma presença na cena. Ele nos ensinou a olhar simplesmente. E o fez com a pessoa que o entrevistava. Aquilo me modificou profundamente. Percebi que precisamos mexer demais, mostrar demais, querer se expressar etc. Mas nada disso tem a real grandeza de um ser humano, na sua singularidade, diante do nosso olhar.

No caso, acredito que devemos buscar os corpos em situações e/ou devires minoritários. Então, artista, você aceita o desafio?

Por fim, só posso dizer que a diversidade é infinita. E que um exercício para o pensamento seria o de evitar a armadilha de deduzir da diferença a identidade. Conseguiríamos, no máximo, confortar aquilo que já sabemos.

E para encerrar, cito o vídeo de Daniel Lepkoff (EUA), exibido numa das “salas”. Pude ver algo que modifica completamente o lugar da dança e do movimento (e do corpo). Fiquei impressionado com a sutileza da pesquisa, em termos de consciência corporal que segue sua própria fisicalidade.

Leia no blog de origem: Olho-de-Corvo » um blog de Luiz Carlos Garrocho

About the author

Rafael Reinehr

Rafael Reinehr é um autodidata eclético. Saiba mais sobre ele em http://reinehr.org/quem-sou