Línguas estranhas


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Você é daqueles que acha difícil aprender alemão ou inglês porque são línguas bem diferentes do português? Ou você fala espanhol, francês, italiano e inglês e acredita que já fala línguas bem diferentes? Será que depois desse texto você ainda vai pensar assim?

Quando eu digo às pessoas que estou estudando russo, muitas delas me dizem algo como "nossa, russo deve ser uma língua tão estranha…" Eu costumo responder que sim, russo é estranho, mas não mais do que o português. Afinal, que outras línguas do mundo têm um verbo que significa "ser" e outro que significa "estar"?
Aí você que está matabichando calmamente vai me interromper e dizer: "Peraí: espanhol também tem; e italiano…" Sim, é verdade, claro, mas tente achar outra. Perto dos milhares de línguas faladas pelo mundo, muito poucas têm essa distinção. Aliás, pare para pensar: muitas línguas sequer têm uma palavra para o nosso verbo "ser"…

Para conseguirmos ter uma maior clareza do problema, precisamos sair daquilo que chamamos de "línguas normais": português, inglês, espanhol, francês, italiano, alemão, talvez uma ou outra mais. Se você olhar para essas línguas, vai perceber diferenças enormes; mas se você compará-las com todos os outros milhares de línguas faladas pelo mundo, você vai chegar à conclusão (que para mim não é nada surpreendente) de que essa meia-dúzia de línguas aí são praticamente idênticas… Quer ver só?

a) Essas línguas (português, inglês, espanhol, francês, italiano, alemão etc.) distinguem substantivos de adjetivos e verbos.
Sim, existem línguas em que a distinção entre essas classes fica bem comprometida. Dizem que uma delas é o Riau da Indonésia. Mas não precisa ir muito longe: em japonês, a diferença entre adjetivos e verbos é bem sutil, e certas palavras que são verbos em português são adjetivos em japonês e vice-versa.

b) Essas línguas têm dois ou três gêneros: masculino, feminino e neutro em alguns casos.
Pois é, você imaginava que todas as línguas distinguiam entre masculino e feminino? Na verdade, muito poucas delas o fazem. A maioria das línguas classifica os substantivos de outra forma, ou nem sequer classifica.

c) Essas línguas têm o tempo marcado no verbo.
Outra coisa que pode espantar muita gente: conjugar um verbo quanto ao tempo é uma coisa que nem todas as línguas apresentam. Muitas línguas indígenas brasileiras, por exemplo, não têm marca de tempo no verbo; você fica sabendo se é presente, passado ou futuro porque tem um "ontem", "agora", "amanhã", "no mês que vem" etc. na frase. Nada de terminações verbais para indicar isso.

d) Essas línguas têm marcação de plural.
Muita gente se espanta quando aprende que em japonês e chinês não tem plural. "Como é que fazem?" Ora, é só colocar um "alguns", "muitos", "cinco", etc. antes da palavra. Pra que complicar mais?
Por outro lado, algumas línguas têm mais do que dois números. O grego antigo, o sânscrito, o árabe etc. têm, além de singular e plural, também o número dual. Ou seja: o singular é para um único ser, o dual é para dois seres, e o plural é para três ou mais. Uma meia-dúzia de línguas também tem o número trial. Algumas línguas indígenas dos EUA têm também o paucal, que indica que a quantidade é pouca (o plural é para grandes quantidades).

e) Essas línguas marcam a flexão no fim da palavra.
Você já parou para pensar por que razão o plural de "coisa" é "coisas", e não "scoisa", por exemplo? Ou por que o passado de "cantar" é "cantou" e não "oucant"? Em português (e em várias outras línguas) é assim, mas não precisaria ser. Como eu já mostrei antes, em primeiro lugar nem precisaria ter plural ou tempo verbal, mas nas línguas em que há, a marcação poderia vir antes ou depois. Em muitas línguas (como o zulu), essas marcas vêm no começo da palavra.

Acho que isso já é o suficiente para te convencer de que as línguas que as pessoas acham que são as "normais" são apenas algumas dentre uma variedade imensa. E eu só trouxe algumas características, nem falei nada a respeito de ordem dos elementos na frase, relações entre sujeito e objeto, tipos de orações subordinadas etc. Costumamos dizer que qualquer coisa pode acontecer nas línguas, e isso significa "qualquer coisa".

Diante disso que mostrei, posso dizer a vocês: russo e português são parecidíssimos, praticamente idênticos. Afinal, ambas as línguas têm substantivos, adjetivos e verbos, ambas têm flexão de tempo no verbo e de gênero no substantivo, têm singular e plural, marcam a flexão no fim da palavra… Tudo bem que em russo não se usa o verbo "ter", mas não há nada de estranho nisso: afinal, em português também não se usa a palavra "sim" e ninguém reclama…

Se me pedem para dar exemplos de línguas estranhas, eu digo: "a que você fala já não é suficiente?"

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Bruno Maroneze