Matabicho com as vogais


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Na seção desta semana do "Matabicho Lingüístico", Bruno Maroneze vai te mostrar como você foi enganado! Te enganaram quando te ensinaram sobre as vogais da língua portuguesa! Descubra neste texto quantas e quais são as vogais de nossa língua, e entenda como os lingüistas descrevem os sons de uma língua. Além disso, um pouco da explicação sobre por que seus amigos estrangeiros não conseguem pronunciar certas coisas.

Bom dia! Hoje, enquanto vocês matabicham por aí, eu por aqui vou lhes contar como vocês foram enganados esse tempo todo. Sim, como vocês sabem, nós somos enganados praticamente todo o tempo, por tudo o que nos cerca (não acreditem nem sequer nesta coluna!). Mas não tem período da nossa vida em que nós somos mais enganados do que os primeiros anos do ciclo escolar.
Vocês com certeza sabem que nossos professores das primeiras séries ensinam as coisas de uma forma muito simplificada, evidentemente com o objetivo de facilitar nossa aprendizagem; isso é necessário e até louvável, desde que, com o avanço nas séries posteriores, essas simplificações sejam aos poucos ampliadas e nós aprendamos as coisas da forma mais completa e correta. Eu tenho minhas dúvidas a respeito de isso acontecer no caso da gramática…
Vamos lá, vou fazer a pergunta que eu sempre faço aos meus alunos para pegá-los de surpresa:
QUANTAS VOGAIS EXISTEM EM PORTUGUÊS?

(pausa para pensar)
(a pergunta é "tão óbvia" que muitos alunos se recusam a responder, achando que estou insultando a inteligência deles)

E aí, você já pensou? Não precisa interromper o seu matabicho, vá pensando enquanto mastiga!

Já tem a resposta? Provavelmente sua resposta é muito semelhante à dos meus alunos:

– Poxa, professor, é óbvio que são cinco, não é?

(A essa altura, você já deve estar imaginando que a resposta não é essa na verdade, mas também não imagina o motivo.)

Imediatamente eu respondo a eles:

– Não!

(expressões de espanto)

– Mas não são cinco, professor? A, E, I, O, U…

Bom, lá vai. Não, não são cinco. Dependendo de como você contar, podem ser sete ou doze. Mas cinco não são mesmo.

Calma, não vá engasgar, não interrompa seu matabicho para buscar algum livro de gramática, ou algum dicionário, sei lá, para conferir. Deixa que eu explico.
As vogais são um tipo de som que nós utilizamos em nossa fala. Até aí você com certeza já sabe. Para considerarmos que duas vogais são diferentes ou iguais, nós precisamos ter pelo menos um par de palavras que se diferencie apenas pela troca de uma vogal. Por exemplo:

Aquela substância que colocamos na comida para realçar o sabor de certos alimentos se chama "sal". Já aquele ponto cardeal situado na direção oposta ao norte se chama "sul". A diferença de significado é imensa, claro, mas a diferença de pronúncia é apenas uma: a troca de [a] por [u]. Isso nos prova que [a] e [u] são duas vogais diferentes.

(Alguém pode perguntar: mas isso é óbvio, poxa, qualquer um ouve a diferença… Embora isso possa até ser verdade neste caso de [a] e [u], talvez não seja verdade para todos os demais. Vamos chegar lá.)

Muito bem, agora que vocês já entenderam o mecanismo da coisa, vamos pegar outros exemplos:

Na conjugação do verbo "fazer" no presente, dizemos "ele faz"; no mesmo verbo, no pretérito, há a forma "eu fiz". Entre "faz" e "fiz" há uma boa diferença de significado, e a diferença da pronúncia é apenas entre [a] e [i]. Isso também nos mostra que [a] e [i] são vogais diferentes.
Eu poderia continuar fazendo isso com cada par de vogais, mas vamos direto ao que interessa. Observem: quando você sente necessidade de beber líquidos, você está com SEDE; e o palácio do Planalto é a SEDE do governo, não é mesmo?
Uau! Viu só? Com esse parzinho eu acabo de provar que a vogal [e] de sede (de água) e a vogal [e] de sede (do governo) são duas vogais diferentes!

(Pausa para as expressões de "como nunca pensei nisso antes?" na sala de aula)

Nem precisa ir muito longe para descobrir o que mais temos aí: é só pegar um parzinho como "forma" (= maneira, modo) e "forma" (de bolo, de pudim) ou o famoso "avô" e "avó" para percebermos que também a vogal [o] de "avô" não é a mesma vogal [o] de "avó".
Vamos contar de novo, então:

[a] – de "sal"
[e] – de "sede" (do governo)
[e] – de "sede" (de água)
[i] – de "mil"
[o] – de "avó"
[o] – de "avô"
[u] – de "sul"

Conte aí. Sete, não é verdade? Está vendo? Não falei?

– Mas professor, a letra é a mesma!!

Ora, e daí que a letra é a mesma? Também usamos a mesma letra S para representar o som /s/ de "sala" e o som /z/ de "casa", e a mesma letra X para representar sei lá quantos sons diferentes. E aí é que está a grande confusão: letra é uma coisa, som é outra.
Outra obviedade, claro, mas é por causa disso que nos ensinam na primeira série que só há cinco vogais: porque a idéia é nos ensinar as letras. Em português, as sete vogais são representadas por apenas cinco letras, daí a confusão. O problema é que, quando você chega no ensino médio, ninguém corrige isso.

Poderíamos ter outros símbolos gráficos para representar essas vogais? Sim, poderíamos, mas não temos, por vários motivos. Esses motivos já dariam no mínimo outro texto para outro matabicho, então quem sabe outro dia eu trato dos vários sistemas de escrita possíveis nas línguas do mundo.

Lembra que eu disse que todos conseguem ouvir a diferença entre [a] e [u]? Muito bem, mas nem todos conseguem ouvir a diferença entre o [o] de "avô" e o [o] de "avó". Quem de vocês nunca viu um estrangeiro se esforçando para conseguir entender e pronunciar essa diferença? Em espanhol, por exemplo, só há cinco vogais; os falantes de português estão acostumados, desde criança, a ouvir essa diferença, mas os falantes de espanhol, não; provavelmente o seu amigo paraguaio que não consegue falar "avô" e "avó" direito nem sequer consegue perceber a diferença quando você fala. Em compensação, talvez você não consiga perceber a diferença entre "presunto" (em espanhol, "jamón") e "Raimundo" (em espanhol, "Ramón"). Claro, os espanhóis desde criança aprendem essa diferença, enquanto para nós pouco importa se você pronuncia de um jeito ou de outro.

Bom, agora que você já sabe o motivo pelo qual não temos apenas cinco vogais, mas sete, deve se lembrar que ali em cima eu disse que, dependendo do jeito que você contar, podemos também encontrar doze vogais. Vamos ver?
A questão é que alguns lingüistas consideram que temos em português uma série de vogais conhecidas como vogais nasais. Observe: no presente do indicativo do verbo "pitar" (= fumar), temos "ele pita"; e aquela manchinha que temos na pele é a "pinta". A diferença é entre o [i] e o [in], ou seja, para dizer [in] você diz um [i] e solta ar pelo nariz simultaneamente. A mesma diferença existe entre "mudo" e "mundo", por exemplo. Mas no caso das vogais nasais, só temos cinco: a diferença entre "pote" e "ponte", por exemplo, nos mostra que o [o] de "pote" (que é o mesmo de "avó") não tem "versão nasal". Nesse caso, o português teria doze vogais, as sete vogais que eu mostrei aí em cima e mais cinco vogais nasais.

Mas isso é apenas uma possibilidade de análise; atualmente, os lingüistas preferem entender que aí temos uma consoante nasal "abstrata", que se funde à vogal em certos casos. Aí a coisa já complica um pouco, e eu deixo para quem sabe outro matabicho.

Para terminar, quero explicar a vocês que eu lhes mostrei, de forma simplificada, o chamado "método da comutação", um método simples e prático para descrever os sons das línguas do mundo. Ele consiste em encontrar pares de palavras que se diferenciam apenas por um único som (como os casos que mostrei, como "sal" e "sul", "sede" de água e "sede" do governo), para com isso provar a existência dessa diferença de sons. Imagine os lingüistas que se aventuram a descrever as línguas de povos indígenas, por exemplo. Eles fazem exatamente isso: vão procurando na língua os tais pares e, assim, descobrindo quais são os sons da língua em questão.

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Bruno Maroneze