Iniciando uma jornada pela auto-suficiência energética – Manifesto pela livre energia


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Enquanto ainda dependemos fortemente de plantas centrais que nos fornecem energia (gás, carvão, energia hidroelétrica ou nuclear) a um custo ou oferta sobre os quais não temos nenhum controle, o mundo já está cheio de soluções que podem ser usadas localmente, em escalas menores, como por exemplo a biomassa (utilizando soja, mamona, algas, restolhos de madeira), energia eólica, solar. Muitas dessas energias podem ser organizadas e distribuídas por cooperativas ou associações relativamente pequenas, enquanto outras podem ser utilizadas até de forma individual.

Em Ontario, no Canada, uma iniciativa da província permite a proprietários de casas, fazendeiros, cooperativas e escolas que instalem sistemas de energia renovável e então vendam o excedente à rede elétrica local a um preço fixo por 20 anos. Este mesmo esquema fez com que a Dinamarca e a Alemanha multiplicassem sua rede de pequenas turbinas eólicas e painéis fotovoltaicos.

“As turbinas devem ser de propriedade das comunidades, indivíduos, empresários e cooperativas, ao invés de gigantescas companhias elétricas”, diz Bill Becker. “A energia distribuída” – ele diz – “constrói o modelo da auto-suficiência local, controle, poder. As pessoas sentem-se mais donas de suas vidas”.

Há muito é sabido – mas nem sempre praticado – que o uso de lâmpadas fluorescentes compactas consegue produzir a mesma quantidade de luz utilizando somente 25% da energia elétrica, além de durar 10 vezes mais. Além disso, a utilização de refrigeradores, secadoras, lavadoras, microondas mais econômicos, além de manter lâmpadas e equipamentos eletrônicos ligados somente quando de fato estamos no recinto somam para reduzirmos nosso impacto ambiental. Medidas simples como janelas amplas e clarabóias também são tendências arquitetônicas que impactam na utilização da energia elétrica, bem como vidros duplos e isolamento adequado das paredes tanto nos locais frios (menor necessidade de aquecimento) ou nos locais quentes (menor necessidade de refrigeração).

A multiplicação de locais com produção de energia elétrica própria em um bairro ou em uma cidade pode levar, mais facilmente com auxílio do Estado brasileiro – mas não necessariamente com ele – à formação de redes distribuídas como as que já existem em alguns pontos da Europa e Estados Unidos. A energia seria distribuída mais ou menos como a Internet, de forma descentralizada, e operando em ambas direções. Produtores e usuários estariam ligados a vários pontos, e você pode tanto colocar energia ou retirá-la, e o seu débito ou crédito dependerá de quanto você contribui ou consome energia. As chances de uma pane elétrica em um sistema desses é mínima, pois somente uma catástrofe natural gigantesca atingiria todas as fontes de energia da sua rede. Atualmente, a Finlândia, a Holanda e a Dinamarca já adquirem entre um terço e metade de toda sua energia através destes projetos de energia descentralizada. E o Brasil, “país do futuro”, recentemente capa da The Economist com sua manchete “O Brasil decola”, o que está fazendo de prático para gerar auto-suficiência local de energia?

Na Inglaterra, um projeto-piloto no bairro de Woking usou 60 diferentes geradores locais – incluindo boilers alimentados por gás e placas fotovoltaicas – para eletrificar, aquecer e refrigerar prédios públicos, algumas moradias, bem como muitos dos empreendimentos comerciais do centro. As emissões de carbono foram reduzidas em 77% e, no caso de um blackout nacional – como o que aconteceu recentemente no Brasil, deixando 60 milhões de brasileiros no escuro por mais de 5 horas – o bairro poderia ser isolado da rede principal e continuar funcionando normalmente. O bairro de Woking conseguiu pagar pelos investimentos feitos no sistema pioneiro através da economia gerada. Ou seja: o próprio projeto acabou se pagando.

E o que falta aqui, o que falta nesse Brasil, eternamente país do futuro? Falta inteligência (enquanto sobra esperteza), falta senso de comunidade (enquanto sobra de individualidade), falta apoio governamental (enquanto sobra taxação, sobretaxação e benefícios a montadoras de automóveis e grandes empresas multinacionais), falta apoio da mídia institucionalizada, que se ocupa primariamente em suas enjoativas críticas às políticas que desagradam seus patrocinadores (aqueles mesmos donos de quase tudo que poderiam estar mudando a realidade mas estão amarrados por duros nós de auto-interesse).

A velocidade das mudanças em direção a uma auto-suficiência energética local poderia ser acelerada rapidamente se, ao invés de somente subsidiar e dar atenção para grandes plantas de combustíveis fósseis (vide pré-sal), os governos oferecessem generosos descontos de impostos para quem colocasse painéis solares, construísse de forma energeticamente eficaz e exigisse das grandes companhias elétricas a compra de energia excedente das eventuais indivíduos ou redes que se formassem, a preços justos. Um ótimo exemplo de sucesso neste aspecto é o Japão que, com financiamentos a juro baixo para instalação de sistemas fotovoltaicos, descontos expressivos para instalações em casas urbanas comuns e regulamentação que exigia que as companhias elétricas comprassem o excesso de energia, transformou-se hoje no maior consumidor e produtor mundial de células e painéis fotovoltaicos, ultrapassando em muito os Estados Unidos, mesmo sua área sendo dezenas de vezes menor. Neste momento, os subsídios governamentais já foram retirados e o crescimento da capacidade de gerar energia eólica continua crescendo. Os japoneses aprendem bem rápido!

Um estudo feito por um consórcio não-governamental chamado Energy Foundation avaliou que, nos Estados Unidos, o “espaço comercial e residencial nos telhados poderiam acomodar o equivalente a 710.000 megawatts de energia solar elétrica”, o que significa três quartos de toda energia elétrica que os estadunidenses utilizam. No Brasil, não temos este dado, mas a expectativa seria de que produzissemos mais energia do que seja necessário, já que nosso parque industrial é em muito inferior ao americano (mesmo levando em conta que a densidade de construções também é menor).

Este Editorial, que é também um Manifesto, procura questionar este sistema baseado na centralização de um bem que na verdade deve ser comum – tão comum quanto a água que ingerimos ou o ar que respiramos – e este bem é a energia. Já temos tecnologia e condições de começar a criar, hoje – e não em um futuro que nunca chega – um sistema que contemple a produção e utilização local, descentralizada e distribuída de energia. A vontade de fazê-lo acontecer, entretanto, está, como sempre quando se trata de algo que distribui ao invés de concentrar o poder, nas mãos do povo. Está nas mãos de cada um que estiver lendo este Manifesto, de cada indivíduo, associação de bairro, empresário ou associação de empresários, lojistas, cooperativas e organizações não-governamentais e mesmo instituições governamentais como universidades, hospitais e demais órgãos públicos que, desta nova configuração da produção e distribuição da energia poderão se beneficiar.

O futuro já passou. Como diriam os Titãs: “a gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte”. E também energia e auto-suficiência. Comecemos a jornada.

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Rafael Reinehr