A Vizinha Pentelha


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É soar a campainha e já sei de imediato. É ela, a vizinha. Um doce de pessoa, que de tão doce me dá diabetes. E apesar de termos apenas 0,0000001% em comum, ela me ama e não desgruda de mim. Uma carga pesada que no final das contas eu mesma encomendei.

Quando me mudei para o novo apartamento os vizinhos mal falavam "oi" e eu nem ligava. Ainda estudava na universidade e tinha sempre milhões de tarefas para fazer, bilhões de textos para escrever, trilhões de livros para ler e dividia meu curtíssimo tempo livre entre meus hobbys e meu maridão. A vida era tranquila. Amigos só batiam na porta depois de anunciarem sua chegada por telefone e os intrusos mais inconvenientes se limitavam ao carteiro, crianças no dia de três magos e das bruxas – sempre pedindo doces – e umas esparças testemunhas de Jeová.

A vizinha já vivia no prédio há um ano quando nos mudamos para cá. Naquela época ela tinha um bebê recém nascido, um marido sorridente, e uma cara de brava que me dava arrepios. Cheguei a dizer ao meu marido que tinha medo dela e de sua expressão "estou ocupadíssima, não tenho tempo a perder com vizinhos ignóbeis". Nós em casa conjecturávamos constantemente a cerca da profissão deles, de sua idade, atividades, interesses, e assim como todo mundo faz, tiramos conclusões precipitadas, fomos pelas aparências, e acho que estas nunca me enganaram mais na vida.

Eu não tentava nenhuma aproximação por medo. Não medo da cara dela, mas sim da bomba que ela poderia se tornar. E se ela fosse uma pentelha? Ela tem filho pequeno, eu tenho mil coisas a fazer. E se ela criar uma fixação por mim e tocar minha campainha a todo minuto? Sempre fui muito racional, e tais cálculos fazem parte do meu dia a dia – tipo, qual caminho até o supermercado é mais curto, tem menos subidas e mais sombras? Sim, eu gasto meus neurônios com esse tipo de análise, muito mais do que eu mesmo consigo acreditar.

Então, de volta à vizinha… sempre fui reclusa, de poucos amigos, mas aqui na Alemanha nem meus poucos bons amigos tenho mais. Por essa razão – e também pelo ideal de um boa vizinhança – sentia-me compelida a me aproximar, fazer amizade e ter alguém para compartilhar asneiras, trocar informações valiosas acerca do tempo, das compras, da limpeza de casa, e se tivesse muita sorte, fofocar um pouquinho sobre a existência humana e o sentido da vida. O único problema é que o projeto "fazer amizade com a vizinha" é o mesmo que dar um tiro no escuro. Como disse, as aparências enganam, e eu poderia acabar tendo que carregar uma mala sem alça que mora exatamente a dois metros do meu lar.

Por muito tempo analisei a situação – dois anos, para ser mais precisa – e depois de muito ponderar e levantar conclusões precipitadíssimas, chegou o dia em que a vizinha deu à luz seu segundo bebê. Eu que tinha acabado de concluir meu curso, e mal tinha percebido que a mulher tinha estado barriguda pelos últimos nove meses, decidi dar a cara a tapas e levantar a bandeira branca. Inclusive, meu marido me assegurou que vizinhas alemãs são tímidas, que elas querem sim fazer amizade, mas sempre esperam pela iniciativa dos outros. Como dá para perceber, ele – e minha mãe também – me manipulou um pouquinho, de forma que não me sinto a única responsável pela minha nova "amizade", graças aos céus!

Num belo dia nos topamos no corredor e eu soltei um "vem tomar um cafézinho comigo qualquer dia desses". Logo eu que não tomo café dizendo isso, imagina! Ela me deu uma resposta muito, mas MUITO interessante. Disse que gostaria muitíssimo, mas que com os dois bebês ela não poderia, já que eles dão um trabalho dos infernos – ela não disse com essas palavras, mas estou aqui para confirmar que é "dos infernos" mesmo – e que portanto, até que eles tenham pelo menos uns 15 anos, ela não teria tempo de me pentelhar, digo, de me visitar.

Foi nesse belíssimo momento que tirei conclusões mais loucas ainda: "Uau! Quer dizer que se por qualquer incidente do destino rolar um cafézinho entre a gente, ela nunca, nunca, NUNCA traria seus filhotinhos para bagunçar minha querida habitação, nem minha vida. Uau!" Fiquei feliz com o primeiro contato e deixei minha consciência limpa. Afinal, eu tentei.

Eu tentei, e uma semana depois ela bateu à minha porta para me convidar a tomar café da manhã na casa dela. Lá, onde os bebês estão em casa, à vontade e sob controle. Não demorou meia hora para eu perceber que na casa deles os bebês estavam mais que à vontade, e de forma nenhuma sob controle.

E assim, desde nosso primeiro cafézinho juntas, ela bate à minha porta pelo menos sete vezes por semana.

Faz uma semana que ela deixou os bebês comigo – pasmem! Pois eu ainda estou chocada – enquanto ela transportava as compras do carro para o apartamento.

Faz uma semana que o bebê maiorzinho quebrou meu vaso do sala.

E faz uma semana que aguardo pelo menos um pedido de desculpas. Mas nada. Ela só "disse" para o pequeno não pisar nos cacos de vidro, enquanto eu limpava a bagunça e o outro bebê planejava quebrar um outro vaso no outro canto da sala.

Mas a "amizade" continua. Ela criou uma fixação por mim, é relaxadamente transviada, e tem dois filhotes aloprados a tira colo. Eu com minha paciência de Jó continuo… a viver uma vida mais colorida, mais abrasileirada, como na casa de meus pais: campainha e telefone tocando a todo minuto, visitas imprevisíveis nos momentos mais inconvenientes e visitas inconvenientes nos momentos mais imprevisíveis. E tudo isso graças à minha vizinha alemã.

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Ariadne Rengstl