Tempo(s)


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 “Tem coisas que o tempo cicatriza”, dizem as mães e os pais que querem acabar com o nosso sofrimento adolescente. Dia desses eu estava passeando com o meu cachorro na praça e presenciei uma discussão entre dois adolescentes. Era um casal de namorados que discutia como se não houvesse amanhã. Para eles o tempo era aquele pedacinho da história convertido em um grande desapontamento pela falta cometida por uma ou ambas as partes. Todas as mágoas, angústias, erros e arrependimentos posteriores estavam ali na pracinha sendo expostos enquanto eu passeava com o meu cachorro.

Tive certa inveja daquela briga e da inocência com que brigavam. Eles falavam alto e nem olhavam para os lados; coisas que, com o tempo, deixamos de fazer por civilidade (ou tentativa de). Quando eu voltei pra casa, voltei pensando que eu não brigaria mais daquele jeito, que aprendi direitinho que o tempo “cicatriza tudo”. O que justifico: com a quantidade de obrigações que tenho não dá para ficar brigando na pracinha como se não houvesse amanhã. Meu tempo é cronometrado de acordo com o que eu tenho para fazer. Poucas coisas alteraram essa ordem. Porque, afinal, sou uma pessoa “normal”, que tem um trabalho, ganho meu dinheiro, pago minhas contas, e olho para frente.
 
Voltei para casa pensando também que alguém diria para aquele casalzinho (é -zinho porque é novinho) que nada daquilo valia a pena, que era uma perda de tempo tremenda brigar “por nada”, que eles tinham que estudar e que um dia eles ririam de tudo aquilo. 
O que nos faz rir do tempo, afinal? Nossa ignorância em saber que ele não deixa de passar? Ou em desconhecê-lo como um curativo (um anestésico, na verdade) para nossas dores mais doídas? Seria possível uma “vida normal” sem uma progressão do tempo (algo que não parecia estar no horizonte daquele casalzinho adolescente)?
 
É bem possível que sim, diriam os psicanalistas. A normalidade está bem longe desse tempo cronológico em que eu disse fundamentar a vida. Talvez seja essa nossa fantasia: colocar tudo em um espaço-tempo apreensível para as justificativas. E, na verdade, tudo isso é mentira e impossível. Porque quando nos deparamos com esses pequenos acontecimentos, a ordem das coisas pode mudar e mudar completamente a nossa perspectiva, o nosso estar no mundo. E tudo isso é a infância que nos acompanha alimentando nossa potência e não a imposição civilizatória para adentrar o mundo da normalidade. De modo que a anacronia acaba nos confundindo a ponto de querermos sair dela para não cairmos nas “armações do tempo”. Por isso é mais fácil nos tornarmos nostálgicos (e anestesiados com a cicatrização) de um tempo perdido do que agarrar suas aberturas ao imprevisível.
 
Os conselhos “adultos” (ou cronológicos) que castram nossas possibilidades, nossos sonhos, têm a “boa intenção” de fazer com que deixemos de ser estúpidos. E deixamos de ser até descobrirmos que a estupidez, a estupefação, enche o mundo de graça. É num passeio desses, obrigatório e despropositado, que podemos encontrar esses sopros de vida que nos fazem deparar no espelho com uma racionalidade que consentimos para justificar o dia-a-dia enquanto o que queríamos mesmo era viver a insensatez embriagada de um tempo outro
 
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Flávia Cera