A morte dos formadores de opinião


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Eles morreram com a era do WWW. São zumbis que se recusam a deitar nos seus caixões, e devemos, todos nós, colocar nossa pá cheia de terra sobre suas covas sem lápides.

Acabo de conhecer um novo artista.
Ele morreu em 1336, aos 21 anos de idade, se o pouco de informação que consegui sobre ele tem alguma veracidade. Um puta artista contemporâneo. Seu nome é Buonamico Buffalmacco. Apenas um trabalho seu sobreviveu ao tempo, ainda assim contestado e quase destruído durante a 2ª Guerra.
Bom, conheci seu trabalho há pouco tempo: é um contemporâneo meu, portanto. Escrevi sobre esta postura no meu primeiro artigo aqui no OPS e não arredo o pé dela: o que não conheço é novo para mim, pouco importa se data de dez minutos atrás ou se tem 800 anos de idade.
Esse ponto é essencial para mim. E hoje, a essa altura do campeonato e, mais importante ainda, sendo brasileiro e vivendo no Brasil, dou pouco valor a concepções que afirmam a necessidade de estar acompanhando no mesmo passo o que se discute nos meios artísticos de Londres, Nova Iorque, Paris. Nem no que as galerias chiques de São Paulo, que praticam o onanismo para essas cidades sofisticadas, querem que eu ache interessante (interessante é o adjetivo utilizado em 99% das ocasiões pelos connoisseurs do universo artístico).
Por que não Adis Abeba? Ou Minsk? Caracas? Sud Mennucci, em São Paulo?
Sou brasileiro, vivo no Brasil, mal tenho grana prá ir prá minha cidade natal, São José dos Campos, visitar meus pais de vez em quando. Sinto o martelo da culpa batendo na minha cabeça quando, ao invés de pagar uma conta, pego essa grana e gasto num livro (um! um só, que livro brasileiro é caro prá cacete). A cultura que nos chega, chega mais ou menos como aqueles pneus velhos que o Brasil, por algum motivo que nunca entendi direito, recebe aos milhões de toneladas: restolho dos países ricos.
Vivo em São Paulo, hoje. Para meu espanto, que já achava SJC uma cidade caríssima, SP é ainda pior.
Louvo a internet toda manhã, quando ligo o PC para trabalhar.
É através dela que me informo, basicamente. E é dentro desse contexto que fico me perguntando: estou num apartamento na República, diante da tela de um computador conectado à rede. Posso buscar qualquer coisa. De qualquer lugar do planeta. Coisas de procedência duvidosa. Coisas maravilhosas, que nem poderia supor que existissem (aliás, acho muito estranho pessoas que reclamam de “tédio” na net. A palavra correta não é tédio, é preguiça).
Desse modo, sendo eu mesmo o editor que pauta o que é interessante ou não, devo ficar centrado e agoniado em relação ao que acontece em Londres ou Nova Iorque? Por que?
No mundo virtual, e isso é completamente indissociável do mundo real hoje, esse tipo de concepção submissa a determinados centros de influência simplesmente não vale mais. Isso morreu, e muita gente não se deu conta disso. Vale apenas para os coronéis da cultura que pretendem continuar fazendo valer seu poder de influenciar o gado. Mas a cova deles já está aberta.
Talvez ainda demore um pouco para que cada indivíduo que tem acesso à internet, mesmo numa lan-house, tenha a real consciência de seu poder. De que ele não tem mais nenhuma necessidade de que alguém diga o que ele deve ler, ver, assistir, ou algo assim.
Darei apenas mais um exemplo concreto, além do magnífico Buffalmacco.
Anos atrás, por algum motivo que nem me lembro qual era, fiquei curioso em relação à alguma coisa da Armênia, e fui pesquisar na net. No meio de um monte de coisas, caí num site horroroso, escrito numa língua que não conheço e poluído até o limite do tolerável. Entretanto, havia ali uma imagem que intuí ser a capa de um disco, ou CD. Consegui ler uma palavra: Zulal. Fui procurar prá ver o que era.
Deu trabalho, mas achei. Um trio de moças da Armênia, acho que agora radicadas nos Estados Unidos, que canta canções folclóricas da Armênia à capella. Deu mais trabalho ainda, e achei o tal CD: lindo, delicado, uma das coisas mais belas que ouvi desde então, muito diferente de qualquer coisa que eu já tivesse ouvido.
Interessei-me. Procurei mais coisas da música da Armênia. Cheguei à sua música sacra, numa gravação de um certo Sharakan Early Music Ensemble, e parei ali. Não tenho palavras para descrever o que encontrei: música única, muito, mas muito antiga, transitando o tempo todo entre uma tradição ocidental e outra, que me parece vir da influência (ou seria sombra?) da Turquia, do Irã, do leste europeu. A sua antiguidade pareceu-se ser devida ao fato dela servir como afirmação de identidade num país minúsculo, em localização estratégica, cobiçado por outras nações maiores e mais poderosas.
Não fosse a internet e o fato de ninguém, a não ser eu mesmo, pautar o que é do meu interesse, como eu teria conhecido o trio Zulal e a música sacra da Armênia? Nunca vi nada disso na Ilustrada, no caderno Mais, no Segundo Caderno, na Bravo, na Piauí… Baudrillard passou reto por isso, assim como Paul Virilio e Arthur Danto.
Que me importa, portanto, que as coisas de que eu realmente gosto não foram referendadas pelos ditadores de tendências, pelos formadores de opinião, pelas grandes mentes do nosso tempo? A era deles acabou. Eu penso, eu escolho. Nunca vou abrir mão disso. E aqueles que leram este texto e entenderam, que também nunca abram mão de pensar única e exclusivamente por si mesmos.
E viva Buffalmacco, viva Zulal e viva o Sharakan Early Music Ensemble!

About the author

Marcos Schmidt

Marcos Schmidt é designer gráfico e ilustrador. Vive e trabalha na irremediável cidade de São Paulo.