Arte e pedagogia


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As duas palavras estão prá lá de surradas. E com isso, perdem sua verdadeira potência transformadora.

Tenho refletido muito sobre a relação entre arte e pedagogia nas últimas semanas. Ambos os termos estão prá lá de vilipendiados. Há tantas definições para arte e pedagogia que esses termos ficam sem ter definição alguma; ou ainda, ficam diluídos num oceano de relativismo.
Há um número gigantesco de professores de arte e de história da arte que existem apenas para formar outros professores de arte e de história da arte. Especialistas do já conhecido, propagadores da arte que já foi referendada, morta e empalhada. São inimigos mortais do novo, do que é de difícil assimilação e classificação.
A coisa fica muito pior do que deveria por causa da situação desalentadora da educação (e, por extensão, da cultura) e da inocuidade do circuito artístico brasileiro. E é em relação a esse circuito que irei me ater.
Num texto de 1975, apropriadamente chamado de “Análise do circuito”, o crítico Ronaldo Brito traça um painel de mediocridades espalhadas entre as galerias, salões, bienais, museus, críticos, colecionadores e artistas que continua assustadoramente atual. Tento resumir suas idéias: a irrelevância do circuito artístico brasileiro deve-se a uma ideologia de mercado que foi e ainda é dominante no circuito. Esse mercado estaria interessado apenas em conservar seu estatuto, e consegue fazê-lo através da institucionalização de todos os eventos e de todos os participantes desse circuito.
Em outras palavras, vende-se a idéia de que a arte é um objeto especial, criado por um ser ungido (e essencialmente apolítico) para a fruição de uma casta de eleitos dotados de sensibilidade ímpar capaz, apenas ela, de consumir tais objetos que acabam por reforçar seu status quo. Lembro das propagandas do cigarro Carlton, que ilustram maravilhosamente bem esse tipo de concepção mundana e insípida da arte.
As interferências políticas, por partidárias que eram (e são), não ajudaram em nada na modificação dessa situação.
Para a esquerda, a arte deve servir para formar indivíduos conscientes de seu papel social, e sempre dispostos em atenuar sua própria individualidade em nome de um ideal que é maior do que todos e que não deve, em hipótese alguma, ser questionado.
À direita, a arte é (como foi colocado acima) instrumento de manutenção desse mesmo status quo, alimentando o conceito de arte enquanto objeto-fetiche, como é uma Ferrari, por exemplo. Um símbolo de distinção social, e apenas isso.
Nessa barafunda toda, a arte é exaurida de sua verdadeira potência, que é a possibilidade de formar (ou transformar) indivíduos que não admitem esta ou aquela classificação. Indivíduos que são apenas o que são, sem outros qualificativos.
Essa é a verdadeira revolução que uma pedagogia da arte deveria promover. Uma revolução que especialistas à direita ou à esquerda temem mais do que a morte.
Não querem um José Ferreira que seja apenas José Ferreira. Querem o José Ferreira, engenheiro. José Ferreira, médico. José Ferreira, cientista político. José Ferreira, líder sindical. O José Ferreira que compra, o José Ferreira que trabalha, o José Ferreira que não faz perguntas além do limite razoável.
O mundo exige que a pedagogia e a arte sirvam apenas para gerar escravos, compradores, trabalhadores, grevistas e revolucionários controláveis. Todos eles subjugados pelos limites do seu conhecimento.
É pena que os professores de arte ou de história da arte não percebam (ou não queiram perceber) o verdadeiro poder que tem nas mãos, o único poder verdadeiramente transformador. Mas, no fundo, a maioria de nós não quer mudar muita coisa. Boa parte gostaria mesmo é de fazer parte do mundo de Carlton, um raro prazer…

About the author

Marcos Schmidt

Marcos Schmidt é designer gráfico e ilustrador. Vive e trabalha na irremediável cidade de São Paulo.