Eu não sou cachorro, não


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No livro “Eu não sou cachorro, não”, Paulo Cesar de Araújo expõe uma tese interessante: a chamada música popular cafona foi excluída da historiografia oficial da música popular “de qualidade” em função de um autoritarismo excludente que está nos corações e nas mentes da elite pensante brasileira. É chato, mas não escapa quase nenhum nome bacana desse autoritarismo: uma hora ou outra, Chico Buarque, Gilberto Gil, Elis Regina, Geraldo Vandré, Nelson Motta, Henfil, e mais um bocado de nomes ilustrados derrapam no patrulhamento, na arrogância quase ingênua e, vamos dar nome às coisas, no mais legítimo e arraigado preconceito social.
E nisso reside o que há de mais perverso nessa história toda: nomes que foram sendo mitologicamente ligados à defesa da liberdade num dado momento deram mostras de profundo autoritarismo de casa-grande para com a senzala. E simultaneamente, essas mesmas elites arejadas e engajadas trataram de varrer da história uma parcela substancial de artistas que não se enquadravam na sua concepção de mundo.
Um exemplo: quando se fala das greves do ABC, de cara os nomes que são lembrados são os de Chico Buarque, Elis Regina, Milton Nascimento. Fala-se do seu engajamento, da sua obra socialmente consciente e solidária com os trabalhadores. Muito bonito. Mas não se fala de Agnaldo Timóteo, que foi até o ABC prestar solidariedade romero_brito_obraaos grevistas, ele que fora torneiro mecânico, e que afirmou: “Fui lá e dei minha solidariedade aos metalúrgicos, porque sei como é a vida deles, as dificuldades que passam”. E, meu caro leitor, não tenha dúvidas: metalúrgicos, grevistas ou não, ouviam e consumiam Agnaldo Timóteo, Benito de Paula, Luiz Ayrão e, obviamente, Roberto Carlos. Chico e Milton, só se estivesse na trilha sonora de novela da Globo.
Mas por que esse papo todo de música popular cafona quando a coluna é sobre artes plásticas?
Ora, se no universo da música POPULAR, glória inconteste da cultura brasileira, o mundo da casa-grande e da senzala ainda subsiste, o que se dirá do universo pedante e naturalmente excludente das artes plásticas? Fiquei pensando nisso a partir de certos posicionamentos meus, que, devidamente analisados, demonstram apenas preconceitos. Devo ter usado, mais de uma vez ainda por cima, Romero Brito como exemplo de má arte. Mas o que isso revela, a não ser preconceito? O que me autoriza a sentar o malho no trabalho do cara?
Pessoalmente, seu trabalho não me toca, não gosto. Poderia, inclusive, usar a mesma definição que Tárik de Souza dá à palavra brega, ao responder uma pergunta feita por Ângela Maria: “é um tipo de música feita para vendagem imediata, dentro de um padrão de emoção exagerada, simplificada, mais fácil de ser assimilada.” Troque-se a palavra música por pintura, e seria uma definição que eu daria ao seu trabalho. Só que, mais uma vez, o que essa definição demonstraria a não ser minha visão preconceituosa a respeito da sua obra? O que eu sei dos questionamentos que Romero tem diante de uma tela em branco? O que sei das suas intenções para tachar sua obra de “comercial” só porque ele vende muito? marepe_o_telhado_1998Ora, se tenho boa vontade para olhar o telhado de Marepe e para considerá-lo um artista de boa-fé que chamou seu telhado de arte porque realmente acredita nisso, e vendeu com sucesso essa idéia para o circuito artístico, por que deveria ter um tipo de atitude diferente com Romero Brito?
Todo esse texto nasce de um mal-estar que sinto quando estou em contato com um bocado de pessoas do dito circuito artístico. Há um discurso muito bacana, progressista e libertário, mas que é esquizofrenicamente desmentido pela prática autoritária, excludente e profundamente sectária. Porque, meu caríssimo leitor, se um senhor de engenho assumido já é assustador, muito pior é o sinhozinho de chicote na mão que se crê contemporâneo, tolerante e democrata. Os demóstenes torres e os marco aurélio garcias não estão isolados em lá Brasília, e nem foram gerados em uma incubadora. Eles não estão entre nós: eles estão dentro de nós. É bom ficar atento.

ps: este escriba está de volta depois de um longo período de ausência. Agradeço mais uma vez a infinita paciência e generosidade do Sr. Rafael Reinehr, o pensador selvagem por excelência.

About the author

Marcos Schmidt

Marcos Schmidt é designer gráfico e ilustrador. Vive e trabalha na irremediável cidade de São Paulo.