O livro de aquarelas sem Homer


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Winslow Homer foi um dos maiores aquarelistas da história, e um livro sobre a história da aquarela que não fale dele é uma aberração.

Outro dia, estava folheando um livro espanhol sobre a história da aquarela e os princípios da técnica. Um belo livro, com excelentes reproduções e, de modo geral, muito adequado como introdução ao tema.
Uma coisa, entretanto, chamou minha atenção: não há uma única menção a Winslow Homer. Nada, em momento algum. Zero.
Escrever um livro sobre a aquarela e não citar Homer é como escrever sobre a história das Copas do Mundo e não citar em momento algum o Brasil. É tão absurdo que não faz sentido sob qualquer ângulo que se olhe. Temos lá Dürer, Poussin, Turner (naturalmente), Matisse, Sargent, Hopper… Mas nada de Homer.
Winslow Homer (1836 – 1910) foi o primeiro grande pintor americano. Sua arte era completamente independente da matriz européia, e o próprio fato de ter se utilizado extensivamente da aquarela como principal veículo de expressão já mostra sua autonomia.
A aquarela, bem como as outras técnicas que utilizam o papel como suporte, sempre foi tida como uma técnica acessória, mais adequada para a produção de esboços e estudos preparatórios, do que como uma técnica específica e auto-suficiente. Essa modalidade de preconceito ainda existe no mercado, e, sinceramente, não é de todo mal que exista, porque em função disso é possível comprar peças de qualidade executadas sobre papel por preços bastante razoáveis.
À época de Homer, as diferentes técnicas eram utilizadas de acordo com as regras do manual da academia: desenhos à carvão para a formação do artista e para estudos rápidos; aquarelas e pastéis para estudos de composição e cor, e, pairando acima de todas as técnicas, a pintura à óleo sobre tela.
O fato de um artista optar por uma técnica tida como menos importante era considerado pelos críticos como, no mínimo, uma excentricidade. O único artista a quem se dava esse direito era Turner, mas, àquela altura, a fama do artista inglês era tão grande que ele podia fazer qualquer coisa que quisesse (se estivesse vivo, que fique claro). Mas ele era a exceção. Nas Américas, até a década de 1860, pelo menos, não havia nenhum curso específico para o estudo da aquarela nas academias de arte, e ela era utilizada quase que exclusivamente por amadores. E sua função principal era fazer parte da educação esmerada das moças de boa família, apenas isso. E foi essa a técnica escolhida por Homer para realizar a maior parte da sua obra.
Compara-se constantemente o trabalho de Winslow Homer com a poesia de Walt Whitman. De fato, ambos os artistas fizeram uso de formas e técnicas nada convencionais e criaram uma poderosa visão mítica do homem americano: um novo tipo de ser humano, forte e vigoroso, rude e impetuoso. Homer sabia que sua obra deveria ser um veículo inteiramente novo para mostrar esse novo homem, e também sabia que não deveria seguir o modelo acadêmico: melhor aprender sozinho.
E foi sozinho que Homer criou suas aquarelas que inauguram a arte americana. Porque não há nada semelhante na Europa, na Ásia ou na África. Sua pintura é direta, intensa. Seu domínio da técnica nunca resvala para o virtuosismo, muito pelo contrário: observando seus trabalhos em ordem cronológica vê-se nitidamente seu esforço em reduzir e simplificar as composições e as formas, e ao mesmo tempo, manter-se fiel à natureza evitando as filigranas e o preciosismo. Seus trabalhos eram louvados por causa da “enérgica indiferença à elegância, característica do gênio robusto do artista”. Um crítico contemporâneo de Homer definiu muito bem sua arte: “O Sr. Homer maneja o pincel não como o esgrimista e seu florete, com infinita perspicácia, mas como o lenhador e seu machado, com força, certeza e precisão.
E nenhum meio é mais adequado para demonstrar força, certeza e precisão do que a aquarela, que exige o gesto certeiro e a precisão do toque, coisa que sobra em Homer. Por isso meu espanto ao ver um livro sobre a história da aquarela que não o menciona uma única vez.
E com licença, meus caros leitores, que eu vou procurar a “História do Futebol” que não fala do Pelé…

About the author

Marcos Schmidt

Marcos Schmidt é designer gráfico e ilustrador. Vive e trabalha na irremediável cidade de São Paulo.