O pintor da vida moderna – parte 2: Manet


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Manet, que incorporava à perfeição o artista preconizado por Baudelaire, foi violentamente atacado em função das inovações que seu trabalho trazia. Vejamos o porquê desses ataques.

É difícil termos hoje uma exata noção do choque causado pela obra de Manet e da violenta reação da crítica e do público. Suas obras eram ridicularizadas e ele próprio era alvo de ataques grosseiros da imprensa que o retratavam como um embusteiro libertino. Com a única e categórica exceção de Émile Zola.
Manet causou escândalo tanto pelos temas como pelo tratamento de sua pintura. E tanto os motivos quanto a técnica escolhidos por Manet eram determinantes para produzir a sensação de modernidade pretendida.
“Almoço na Relva” é exemplar nesse sentido. Tema e técnica foram rejeitados de forma veemente quando a tela foi exposta no Salão dos Recusados de 1863. A tela foi considerada um amontoado de manchas e borrões perpetrada por um cínico gozador, que teria intenções secretas e obscenas escondidas no tema absurdo.
Tecnicamente, é muito ousado e muito novo: largas zonas de cores quase planas, sem claro-escuro, a integração visceral entre as figuras e o fundo. Dentro do propósito de ser um pintor “de seu tempo”, o que mais interessa a Manet é a captação da sensação visual. Argan coloca da seguinte forma:

Na sensação visual, não há uma distinção entre coisas e o espaço, tal como existe entre conteúdo e continente. Se o artista se propõe a exprimir a sensação em estado puro, antes de ser elaborada e corrigida pelo intelecto, é porque ele julga que a sensação é uma experiência autêntica, e a noção intelectual uma experiência não autêntica viciada por preconceitos ou convenções. A sensação, portanto, não é um dado, mas um estado da consciência; ademais, a consciência não se realiza na experiência vivida e refletida, e sim na experiência que se vive. Identifica-se, pois, com a própria existência.

Dessa forma, o quadro adquire autonomia: são excluídos os valores conceituais, como a noção de positivo e negativo entre objetos e o espaço. Todas as notas de cor passam a ter a mesma ênfase, e todas elas respondem exclusivamente às relações existentes entre si.
Há outro fator importante que talvez explique a rejeição violenta a algumas obras de Manet. Na década de 1850, Manet freqüentou o ateliê de Thomas Couture, um pintor acadêmico tido à época como “progressista”. Um acadêmico progressista diferenciava-se de um acadêmico tradicional porque fazia uso de certos procedimentos pictóricos não-ortodoxos, coisa que um tradicionalista não faria. O método acadêmico rezava o seguinte: primeiro, eram preparados os croquis (esboços preparatórios da composição); depois, eram feitos os études (estudos) das figuras e objetos, e, em seguida, os esquisses (esboços pintados). Essas etapas serviam como guias preparatórios para o ébauche. Este era menos acabado do que os esquisses e era executado de maneira rápida com cores terrosas e servia de base para a pintura final. Couture distinguia-se dos acadêmicos na ênfase que dava ao ébauche como elemento fundamental da expressão do trabalho acabado.
Os quadros de Manet (como este reproduzido ao lado), que adotara essa concepção de ébauche de Couture, eram vistos pelo público como uma série de esboços elevados à condição de obra finalizada. E o público, bem como quase toda a crítica, considerava isso uma zombaria, um ataque às boas regras da academia, sem nunca considerar que, para Manet, esta era a única abordagem capaz de apreender a sensação visual em toda a sua frescura e novidade.
Quanto ao tema, quem define melhor a situação é Zola:

Os pintores, especialmente Edouard Manet, que é um pintor analista, não tem essa mesma preocupação com o tema, que atormenta o público acima de tudo; para eles, o tema é mero pretexto para pintar, enquanto que para o público o tema é a única coisa que existe. Dessa forma, podemos afirmar com certeza que a mulher nua do “Almoço na Relva” só se encontra lá para fornecer ao artista a oportunidade de pintar um pouco de corpo humano. É preciso ver nesse quadro não um almoço sobre a relva, mas sim toda a paisagem, com seus vigores e finuras, com seus primeiros planos tão amplos, tão sólidos e seus fundos de uma delicadeza tão leve; o que se deve olhar é essa carne firme, sobretudo essa deliciosa silhueta de mulher de combinação, que produz no fundo uma adorável mancha branca em meio às folhagens verdes; é, enfim, esse vasto conjunto cheio de ar, esse trecho de natureza representado com uma simplicidade tão justa, toda essa página admirável na qual um artista colocou os elementos particulares e raros que nele existiam.

(Continua)

 

About the author

Marcos Schmidt

Marcos Schmidt é designer gráfico e ilustrador. Vive e trabalha na irremediável cidade de São Paulo.