Sobre pintores e escritores


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Ou, de como certos textos podem influenciar os rumos da pintura, mesmo que através de um mal entendido.

Creio que foi Baudelaire que afirmou num de seus cadernos que a humanidade só caminha graças ao mal entendido. Afirmação irretocável, que foi posta à prova em várias ocasiões no universo das artes, e no mais das vezes confirmada.
O mal entendido pode dar-se das mais diversas maneiras: uma interpretação equivocada de uma determinada obra de um passado remoto, a impossibilidade de compreensão de um contexto específico, ou mesmo uma egotrip ensandecida de um crítico querendo fazer-se mais importante do que o artista ou obra que analisa.
O fato é que muitas vezes esses equívocos podem render frutos e determinar toda uma nova linguagem artística, como foi o caso da estatuária da era clássica, mais especificamente a dos gregos, que foi erroneamente interpretada pelos artistas do Renascimento, que se baseavam em cópias romanas feitas em mármore de originais gregos (dos quais restam pouquíssimos exemplos) feitos de bronze, ouro, madeira e marfim e absurdamente coloridos.
Em outras ocasiões, a qualidade do perpetrador do mal entendido acaba por superar o contexto e o significado original da obra de um artista. Jean Paul Sartre interpretava as figuras de Giacometti como a representação do ser existencial: Giacometti achava isso uma bobagem. Morandi também se espantava com as interpretações em chave fenomenológica de suas pinturas. De todo modo, a qualidade do pensamento de um Sartre ou de um Giulio Carlo Argan acabaram por acrescentar novos sentidos à obra de certos artistas, sentidos que estes nunca sequer imaginaram.
É em relação a este aspecto que gostaria de me estender um pouco: o quanto a obra de certos artistas está em débito com o texto de escritores que pensaram e escreveram sobre seus trabalhos.
O já citado Baudelaire foi um desses pensadores poderosos. Opinião pessoal: Baudelaire era muito melhor escritor do que Delacroix era pintor, e este deve muito, mas muito mesmo, da sua glória posterior à defesa apaixonada do poeta francês (ressalte-se que Delacroix desprezava Baudelaire). Baudelaire, aliás, com seu “O Pintor Da Vida Moderna”, influenciou profundamente os rumos da pintura da segunda metade do século XIX em diante. E, já que falei sobre mal entendidos, curiosamente Baudelaire não compreendeu a obra de seu amigo Courbet, que, como ele próprio fez na poesia, jogou uma pá de cal no romantismo que agonizava.
Na mesma linha, temos Émile Zola. O Impressionismo deve muito à qualidade de seu texto, ao modo corajoso e sistemático como defendeu em seus artigos de jornal, praticamente sozinho, o movimento que nascia e que era atacado de uma maneira que hoje nos parece exageradamente agressiva. Zola não se intimidava e respondia de modo ferozmente sarcástico a esses ataques. Seus artigos, reunidos num volume chamado “A Batalha do Impressionismo”, são magníficos e é leitura recomendada.
Entretanto, assim como Baudelaire em relação à Courbet, Zola não compreendeu a obra do maior de todos os impressionistas; do pintor que, sozinho, superou o próprio Impressionismo e forneceu a régua e o compasso de toda a arte moderna: justamente seu amigo de infância Paul Cézanne, que considerava um caso perdido de esforço mal dirigido.
Cézanne, o grande Cézanne, “o pai de todos nós”, como dizia Picasso, nunca precisou de um apologista para que se percebesse o tamanho da revolução que sua obra trazia em si, mas sem dúvida que sua pintura adquire uma nova dimensão quando Merleau-Ponty trata dela em “A Dúvida de Cézanne”, um dos textos mais brilhantes sobre o sentido da obra de um pintor.
Para finalizar esse texto, meu caríssimo leitor, devo propor que, em certos casos, o surrado dito “uma imagem vale mil palavras” merece ser invertido: há palavras que valem por mil imagens.

ps: gostaria de me desculpar com os leitores pela ausência de atualizações nas últimas semanas. Mudei-me de cidade há pouco mais de duas semanas e, fora o caos das caixas a serem desempacotadas, estou desde o primeiro dia nas mãos de uma certa operadora telefônica de origem espanhola que é incapaz de resolver os problemas causados por eles próprios e encontro-me sem internet (estou a postar de uma lan house) e telefone. Infelizmente, é por isso que essa coluna segue hoje sem as imagens que deveriam acompanhá-la. Espero que tudo volte à normalidade na próxima semana, e conto com a compreensão dos leitores. Obrigado.

About the author

Marcos Schmidt

Marcos Schmidt é designer gráfico e ilustrador. Vive e trabalha na irremediável cidade de São Paulo.