Dominar, sempre…


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Do século XVIII até inícios do século XX, a história da pintura é uma tentativa de religar-se à Natureza. Há a oposição entre a arte dos museus, supostamente fria e morta, e a arte que se funda e se nutre da Natureza. A modernidade põe um ponto final nessa questão, e não porque a tenha resolvido. De súbito, de assalto dizemos melhor, modernistas[1] que ainda são os futuristas abandonam, ou cortam, os supostos laços com a natureza, e querem refundar o homem na máquina, no motor e no aeroplano. Fumaça e ruído é o que sobra da natureza, e não haverá tempo para desperdiçar em sonhos de conexão com o vegetal e o animal. Superado o futurismo, a relação homem/natureza continuou esquecida.

Consta que a tal preocupação com a natureza é filha bastarda das viagens de trem, primeiro exemplo de velocidade inumana e não-natural. As paisagens vistas da janela são borrões fugazes, e que se sucedem vertiginosamente. Românticos já estão suficientemente distantes do tempo em que se via a natureza como a noite escura do homem, como início do mundo dominado pelo Demônio. Já se sentem saudosos e excitados com o mundo natural, sublime e misterioso. Temem que o mundo moderno acabe com a poesia das coisas.

Pintores lidarão com essa questão de maneira direta. Corot, Théodore Rousseau, a escola de Barbizon, Courbet, todos esses antecessores dos Impressionistas sairão dos ateliês em busca da luz natural, em busca dos reflexos e efeitos da luz sobre as coisas. Irão incendiar as discussões nos Salões de Pintura parisienses, irão execrar a arte acadêmica de Cabanel e Bouguereau, e escancararão as portas para a Nova Pintura que se insinua. Os Impressionistas irão radicalizar essa ética do natural, chamemos assim.

Mas o que me intriga é que essa questão foi simplesmente abandonada no século XX. Não foi resolvida, não foi superada dialeticamente, não foi equacionada, e nem mesmo foi insultada. Foi deixada de lado.

Como afirmei acima, a questão foi descartada primeiramente pelos açodados futuristas, essas crianças entusiasmadas com os novos brinquedos motorizados, fumacentos e barulhentos. Alguns puseram seus entusiasmos numa assinatura num papel de alistamento e morreram na Primeira Guerra. Outros, mais vibrantes nos manifestos do que nos atos de coragem, não aprenderam nada, e continuaram sexualmente excitados com tanques, canhões, obuses e aviões de ataque, apoiando os fascistas e posteriormente os nazistas[2]. Algum desses quererá tratar da natureza?

O homem vê-se como ser especial, diferente das outras espécies animais, ocupando o topo da Criação. O fundo disso é teológico:  Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança. Domine ele sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu, sobre os animais grandes de toda a terra e sobre todos os pequenos animais que se movem rente ao chão. (Gênesis 1:26)

Dominar, sempre…

Em fins de século XX e início de século XXI há tendências na arte que buscam algum contato com a Natureza. A arte de Frans Krajcberg, por exemplo. Mas, repare o leitor, refiro-me à arte, não à pintura.

Na pintura pós-moderna, consciente de ser consciente, só há espaço para aquilo o que é humano. Um humano apartado, no entanto, de toda a vida que o cerca. Daí que talvez o único artista que talvez trate da Natureza de alguma forma seja Anselm Kiefer. E não será por acaso que a Natureza em suas obras é desidratada, brutal e brutalizada, destruída, calcinada, transformada em palha, pó e chumbo. E os seres que se movem através dela mais parecem fantasmas do que seres humanos.

Dominar, sempre…

[1] E não nos esqueçamos que todo o Modernismo vem de Cézanne, que só pintava sur le motif

[2] Claro que me refiro a Marinetti, mas outros seguiram pela mesma trilha de adoração aos ditadores.

About the author

Marcos Schmidt

Marcos Schmidt é designer gráfico e ilustrador. Vive e trabalha na irremediável cidade de São Paulo.