Ronda Noturna 2.0 By Marcos Schmidt / 24/11/2017 Share 0 Tweet O século XXI foi inaugurado por uma imagem. Uma performance executada para gerar uma imagem, que seria replicada até o infinito, cada vez mais encharcada de significados e emoções, o que, por sua vez, quer dizer que cada vez em que é reproduzida, ela se esvazia de significados e de emoções. O avião que se choca contra as torres gêmeas, hoje sabemos, foi um ato planejado como imagem. Osama Bin Laden surpreendeu-se com a queda dos edifícios: a imagem dos aviões se chocando era o objetivo maior. Ele sabia que ela seria a síntese, a suma que passaria a definir o conceito de terror nos anos que se seguiriam. Evocaria o medo, acima de tudo. Desde então, a manipulação do medo tem sido moeda corrente, utilizada por governantes do mundo todo, pouco importando a orientação política. O medo é excelente recurso quando faltam ideias e sobram interesses inconfessáveis. De certo modo, o terror venceu. E se não houvesse imagem nenhuma? Certamente o impacto seria muito menor, mas ainda assim terrível. Não nos esqueçamos da transmissão radiofônica de “A guerra dos mundos”, em 1938. A brincadeira de Orson Welles causou pânico entre os ouvintes mais crédulos. A informação viaja na velocidade da luz desde, pelo menos, a primeira metade do século XX. Mas a imagem, como bem sabemos, dispensa as palavras, as explicações, os comentários. Não importa a leitura que fazemos dela. Importa que fazemos uma leitura qualquer, isso é o bastante. Vemos o avião que se choca, incontáveis vezes. Ficamos horrorizados, indignados, furiosos, amedrontados, desesperançados. Houve, e me lembro bem disso, quem comemorasse a imagem que marcaria a queda do império. Há sempre gente disposta a justificar a violência. Na sequência dos eventos, outras imagens nos assombram: as colunas de fumaça, as chamas nos edifícios, as torres que desabam. E as pessoas. Os sobreviventes, os que fogem da avalanche de fumaça, poeira e detritos que avança como lava descendo pela encosta do vulcão. Imagem tão terrível quanto a dos aviões que se chocam nas torres é a dos sobreviventes presos nos andares superiores que saltam para a morte menos ruim. Os que morreram, estes conhecemos posteriormente. Vemos suas fotos, ficamos sabendo um pouco da história e dos sonhos de cada um deles. Conhecemos também os terroristas, vemos suas fotos 3 x 4, as imagens das câmeras de segurança que mostram os agentes da morte fazendo o check-in calmamente. Melhor seria não mostrar nada disso? Impedir a propagação e a multiplicação do medo que ocorre inevitavelmente, conjuntamente ao trabalho jornalístico? Questão mal colocada: é impossível sequer imaginar uma tal contenção. Claro que Bin Laden sabia e contava com a cobertura extensa e incessante da imprensa. Sem ela, o atentado seria pouco efetivo, o terrorismo seria pouco efetivo. A propagação e a multiplicação da imagem do terror são o fundamento do terrorismo. É uma voz que, se antes era ouvida por mil pessoas, hoje ressoa para alguns bilhões de indivíduos. Não nos esqueçamos, também que Donald Rumsfeld, um dos homens com ascendência sobre o então presidente George W. Bush, lamentou a falta de alvos, digamos, pitorescos no Afeganistão, justificando assim a ampliação da guerra para o Iraque. Os falcões de Bush necessitavam de boas imagens de morte e destruição para o seu eleitorado sedento de vingança. Curioso é que, se somos eficazes na produção de imagens que instilam medo instantâneo e persistente nos corações das pessoas, somos bem menos eficientes em criar uma imagem contrária, uma imagem que gerasse esperança e tranquilidade instantâneas e duradouras. Compartilhe isso:Clique para compartilhar no Twitter(abre em nova janela)Clique para compartilhar no Facebook(abre em nova janela)MaisClique para compartilhar no LinkedIn(abre em nova janela)Clique para compartilhar no Tumblr(abre em nova janela)Clique para compartilhar no Pinterest(abre em nova janela)Clique para compartilhar no Telegram(abre em nova janela)Clique para compartilhar no WhatsApp(abre em nova janela)Clique para compartilhar no Skype(abre em nova janela) Relacionado