O animal “que sabe que sabe”.


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Recorrer ao “argumento” da “cadeia alimentar” ou “suposta superioridade da espécie” para justificar comportamentos humanos com relação a outras espécies, não é bom argumento e pode gerar posicionamentos incoerentes sobre o que se almeja para a própria espécie.

A espécie humana tem como uma de suas características a capacidade racional para discernir entre opções complexas apresentadas com base em conhecimento prévio e conceitos abstratos, de forma consciente e autoconsciente (percebendo o próprio processo e suas etapas). Comparar a espécie humana com o que fazem outras espécies (que agem frequentemente por mero instinto) na maioria das vezes é exemplo de erro grosseiro, falácia.

Quando se força uma analogia entre a espécie humana e as demais, no que diz respeito, por exemplo, a questão da alimentação, para se tentar justificar a alimentação baseada em carne (sem critérios), esquecendo que outros animais agem, na maioria das vezes, por impulso instintivo e não possuem discernimento racional sobre o que fazem, enquanto a espécie humana organiza uma indústria da carne e derivados de animais em escala global (onde milhões de animais morrem diariamente de forma violenta para satisfazer prazeres humanos, a maioria desnecessários) o erro da comparação é ainda mais tosco.

Se um sujeito critica a exacerbação do individualismo, exploração, competição e uso do “darwinismo social” (o discurso de que “mais fortes ou mais bem adaptados” devem realmente dominar os demais) por liberais e neoliberais que recorrem a isso para justificar a “exploração de humanos sobre humanos” nas sociedades capitalistas (assim como nazifascistas fazem, de forma ainda mais escancarada, nas sociedades onde essa ideologia racista e autoritária domina), se indigna com o uso de ideologias para “legitimar” a pobreza e desigualdade ou mesmo quando o sujeito repudia que alguns (ou uma classe específica) imponham violentamente seus interesses aos demais (vistos como “fracassados ou inferiores”), então, tal sujeito não deveria, fazer o uso de argumento semelhante para justificar a exploração humana de outras espécies animais apenas por ser mais conveniente ao seu “gosto pessoal”, afirmando que “por sermos superiores as demais espécies e estarmos no topo da cadeia alimentar devemos, então, fazer o que é da nossa vontade e usar outras espécies como desejarmos”, pois, “seria de acordo com a natureza”; tal posição é uma incoerência descarada, já que assume aspectos de ideologias as quais para a espécie humana condena , mas, que aplicadas a outras espécies afirma como “justificáveis”.

Não há argumento razoável para afirmar a superioridade da “espécie humana” (o que se toma como referência?) como um “critério ético”, e os supostos “argumentos” que são geralmente usados são muito semelhantes aos discursos ideológicos usados para justificar hierarquias de poder no interior da própria espécie. Mas se o critério for a superioridade intelectual e capacidade racional ( o que permite a espécie pensar sobre si e sobre o mundo onde está inserida , a natureza da qual é uma manifestação consciente), então, o desfecho do raciocínio é outro e encontramos algo como uma “responsabilidade da espécie diante da natureza” ao contrário de uma “afirmação egoísta” que seria uma auto-condenação assumida e que racionalmente facilmente pode ser criticada como estupidez, capaz de gerar danos para a própria espécie quando os efeitos da ação abalam ecossistemas em um planeta onde há , como podemos perceber, uma interação sistemática entre quase todas as formas de vida (bem como, também, com a matéria inorgânica afetada pela ação humana).

Obviamente se buscarmos construir uma Ética que oriente a relação da espécie humana com as demais, os critérios do sofrimento e dor são básicos, assim como o critério da liberdade alheia e da manutenção de equilíbrio ambiental (no entanto “dor e sofrimento” aparecem como primordiais). Para enlaçar essas preocupações o ideal de planejamento social, visando a melhoria da qualidade de vida da própria espécie humana no planeta é algo que se mantém implícito e a forma como tratarmos as demais espécies e a natureza como um todo será sempre um espelho da forma como tratamos a nossos próprios semelhantes no interior da espécie humana.

A denúncia (enquanto a ação efetiva não é possível) é importante para tentar despertar o esclarecimento e dar voz aos que não podem protestar ou defenderem-se a si mesmos. Apontar a violência contra as demais espécies e a destruição do ambiente guarda semelhança com as denúncias sociais que revelam a exploração e a miséria nas sociedades humanas.

Paulo Vinícius
(Professor de Filosofia e Sociologia)

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Paulo Vinícius

Paulo Vinícius : Professor de Filosofia e Sociologia; Cientista Social.