Do seio materno aos afrodisíacos

    Do morno seio materno à colher dura e fria, da refeição caseira à incivilizadora solidão do fast food socialista, que libertou as mulheres da cozinha e substituiu a família pela comunidade mais ampla. Nesta loucura contemporânea onde estão nossos sabores inesquecíveis? Eros se rebela: A boca não serve apenas para comer! Na mesa e na cama, templos da gula e da luxúria revelam-se as verdades mais íntimas…

Como dizem os italianos:
Mangiando e bevendo l’amore va crescendo.
(Comendo e bebendo o amor aumenta.)

Para um bebê, alimentar-se significa adormecer nos braços maternos. A passagem de um peito suave e morno para uma colher dura e fria não agrada, há rejeição e bocas fechadas, pois é um modo menos íntimo de alimentar.

Do seio materno passamos à casa e então, novo choque, há o rápido crescimento das comidas fast, para engolir sem saborear, porque temos pressa. O excesso de solicitações à nossa atenção faz sumir as refeições regulares e comemos enquanto fazemos outras coisas. Lanches na rua, sanduíches impessoais e pratos prontos consumidos velozmente, sozinhos. Adeus café da manhã com os entes queridos, adeus almoços de domingo. Pensem que, antigamente, ser obrigado a comer rápido era considerado uma infelicidade.

A solidão fast é incivilizadora, pulveriza famílias e é o fim dos rituais e do preparo das refeições em casa. Os socialistas queriam libertar as mulheres da cozinha e substituir a família pela comunidade mais ampla. Eu me digo socialista, mas, prefiro “socializar” convidando 30 amigos para jantar lá em casa e, mais ainda, já socializei minha cozinha derrubando as paredes e unindo-a à sala!

Todos esqueceram que através de um sabor recupera-se tudo? A família, os amigos, aquele jantar à luz de velas com o amado. Basta um toque de sabor, um perfume e volta-se no tempo; afinal, todos guardamos sabores inesquecíveis. Tem a ver com comida, claro, mas sobretudo com emoção pois no alimento existem todos os tipos de prazer, não só o do paladar.

Eu, particularmente, odeio cozinhar para pessoas críticas, incapazes de entender que o simples fato de alguém fazer a comida é tão lindo que não importa a qualidade desta. Creia, quando você perder quem lhe alimenta, compreenderá a relação entre comida e afeto.

Já pensou que desde que nasceu passou a maior parte do tempo na cama e depois na mesa? Ora! Trate-se bem, invista mais no colchão e na comida! Mais que isso, a forma de comer reflete o modo que fazemos sexo. Haveria uma curiosa e fundamental relação entre o que você é na cama e à mesa e, nestes templos da gula e da luxúria manifestaria-se a nossa verdade pessoal.

Observe o ser amado comer – tal observação revela mais que sessão de psicanálise. O bom amante adora provar sua comida e bebida só para mostrar que o quer para si também deseja para você. Gosta de compartilhar, o que é fundamental, pois é capaz de curtir não apenas o próprio prazer, mas o do outro também. Quem tem iniciativa, serve-se sem cerimônia, é generoso e serve aos demais, provavelmente, na cama, vai criar o céu, sem esperar que o céu desça a si. Ou vai me dizer que não há diferença entre um que adora uma picanha sangrenta e outro que só tolera frango no vapor? Para mim um será voraz, carnal, e o outro comedido, discreto, e o modo de comer uma linguagem relacional, ou seja, vorazes à mesa também costumam sê-lo no amor.

Há uma estreita relação dos cinco sentidos entre si e a libido. Eros, jovem deus grego do amor e do prazer, é quem preside todas essas funções e não brinca! A boca não serve apenas para comer, mas também para provar e saborear. Um gastrônomo prefere qualidade à quantidade, quer erotismo, não pressa, saboreia lentamente – entrada, prato principal, acompanhamento, doce… nada fast – prefere uma relação com sentimentos sólidos e profundos, porém… não sei se recusaria experimentar uma iguaria nova e irresistível.

Os vocabulários amoroso e o gastronômico cruzam-se constantemente na ambigüidade e universalidade de suas linguagens. Pele de pêssego, olhos amendoados, boca de cereja, cabelos louros como um trigal maduro, lábios carnudos, lua de mel… as francesas que chamam os namorados de mon petit chou, os americanos que chamam as amadas de cookie, honey, os ingleses que chamam as mulheres voluptuosas de crumpet – aquele maravilhoso pãozinho crocante e amanteigado, imagine!

Deste binômio, cozinha-Eros, nasce a gastronomia afrodisíaca. Novidade? De jeito nenhum! Na Grécia e Roma antigas os maiores poetas cantavam odes a alimentos que exaltassem as virtudes amorosas e até a Bíblia fala do poder de certas raízes. Há alimentos com propriedades químicas como o chocolate que contém feniletilamina, substância produzida pelo cérebro quando nos apaixonamos, e outros que estimulam pelo sabor, textura, aroma ou aparência.

Casanova, mestre da ars amatoria, servia ostras; Cleópatra, mel e amêndoas; Luís XIV e Napoleão, trufas; Madame Pompadour perfumava-se com baunilha; Shakespeare recomendava aos homens de meia idade usar manjericão, menta e alecrim.

Quais são então os mitos e as verdades sobre os alimentos afrodisíacos? Comer ostras e beber champagne pode parecer o máximo, mas não é necessária uma refeição suntuosa para conquistar. Os reais afrodisíacos são o bem-estar proporcionado pela boa mesa unido à fantasia aguçada pelos sentidos, esta sim o mais poderoso dos estimulantes. Seja lúdico, surpreenda, mime, crie o ambiente, perfume-o e, até um saco de pipocas torna-se afrodisíaco!

Uma idéia simples e elegante? Esqueça o fogão, os pratos e os talheres, compre bons queijos como Brie, Gorgonzola, Gruyère, Gouda e queijo de ovelha (100g de cada por pessoa), presunto cru, pão italiano, manteiga, pesto, uvas, chocolates, prosecco e água. Acomode tudo sobre uma bela tábua. Deixe o prosecco bem gelado no balde e as taças à mão. Acrescente umas flores para os olhos ou ramos de manjericão, hortelã, sálvia e alecrim para perfumar o ambiente e voilà! Se você desejar, a noite será inesquecível…

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Rafael Reinehr

Rafael Reinehr é um autodidata eclético. Saiba mais sobre ele em http://reinehr.org/quem-sou