Corpo Existencial e Fisioterapia


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Em todo procedimento médico, mais ou menos invasivo, está em jogo o funcionamento do organismo, seja para a recuperação de funções, de remediação de sistemas ou emergência onde há risco de morte. Numa tangente, o fisioterapeuta inclui-se nestes aspectos, considerando-se, entre as emergências, o risco do paciente ser ou sentir-se excluído de um grupo, atividade profissional, meio social, projetos pessoais.

(…) entre eu e o olho que disseco interpõe-se o mundo inteiro, tal como faço com que este apareça pelo meu próprio surgimento.i

Em todo procedimento médico, mais ou menos invasivo, está em jogo o funcionamento do organismo, seja para a recuperação de funções, de remediação de sistemas ou emergência onde há risco de morte. Numa tangente, o fisioterapeuta inclui-se nestes aspectos, considerando-se, entre as emergências, o risco do paciente ser ou sentir-se excluído de um grupo, atividade profissional, meio social, projetos pessoais.

Portanto, sem essa perspectiva intervencionista o paciente se sentiria desamparado, perdido, assustado e, eventualmente, injustiçado (pelos acontecimentos, destino ou pelo profissional), ainda assim, apesar do paciente esperar uma intervenção segura e econômica (considerando-se tempo, dinheiro, desgaste emocional), no momento mesmo do procedimento este anseia pela presença afetiva do profissional.

Essa presença pode ser entendida como calor humano, acolhimento, consistência emocional, segurança/confiança na técnica, aura de experiência profissional, aura de experiência de vida extemporânea à prática profissional e outras qualidades pessoais mais ou menos ligadas à intimidade do fisioterapeuta (que, na verdade, são mais fantasias que fatos, uma vez que este não deve, não pode ou não consegue alimentar as fantasias de seus pacientes). Assim, o paciente entrega-se aos cuidados terapêuticos, levando consigo toda uma carga de esperanças, ilusões, receios e um corpo que não é organismo.

Pode parecer estranho, mas a visão existencial do corpo separa o organismo (os tecidos vivos, o neurológico, o fisiológico) do corpo existencial – o corpo das experiências pessoais. O corpo é radicado no organismo, mas, para se apresentar como corpo, não se alimenta de proteínas, carboidratos, sais minerais, vitaminas, etc.; alimenta-se de afeto, é constituído de cultura, ideologia, sonhos, fantasias. O corpo é simbólico, representa o sujeito porque este só é sujeito por causa do corpo. Além de ser uma linguagem, o corpo é estruturado pela linguagem e nessa estruturação se constitui o sujeito.

De outro modo: se no início da vida a pessoa é pouco mais que um sistema de órgãos e tecidos vivos, com o avanço das vivências do bebê – suas urgências naturais e o contato com o ambiente – surge o corpo, que já é constituído de experiências socializantes. A construção do corpo, embora inclua as experiências não se limita a elas visto que é encarnação do mundo, sujeita-se e é sujeito, é campo de possibilidades, é desejo, é dúvida. Pode-se dizer, então, que o paciente traz ao fisioterapeuta um organismo que encarna (no corpo) a angústia de não pertencimento, de não situação, em relação com o mundo.

i Jean-Paul Sartre em sua obra O ser e o nada – Ensaio de Ontologia Fenomenológica. Petrópolis-RJ: Editora Vozes, 2002, 12ª edição.

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Vanusa Barboza