O escritor o Papa e as cebolas


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As cebolasOs tambores ecoaram longe. Günter Grass escritor alemão lançou o livro em 2006, “Descascando cebolas” em que conta que na sua juventude, como muitos jovens da sua idade participou voluntariamente da Juventude Hitlerista e afirma: “Eu me deixei seduzir”. O livro um relato autobiográfico e anti-guerra…

O escritor o Papa e as cebolasTres dias de uma tal gripe de estômago, como é por aqui chamada, me levaram a estender o braço até a estante onde dormia o livro comprado no final do ano passado e não lido: “Beim Häuten der Zwiebel”( Descascando cebolas). De lá para cá ele não saiu da minha bolsa e foi levado várias vezes para as salas de espera de consulta médica entupidas, quando deixei lá o meu vírus de estômago e levei para casa o vírus da gripe. Entre a cama e sofá em frente a lareira debulhei Grass como debulha uma espiga de milho, grão por grão, e ele, lá descascando as cebolas da memória. Fiz aqui então uma despretensiosa leitura para o OPS.

Grass, social democrata é ativo na vida política alemã e por muitos críticos é agora chamado de mentiroso, pois por quase seis décadas escondeu a “verdade”. “Der Junge, der ich war” ( „o jovem, que eu era“) faz uma retrospectiva de sua vida. Utiliza a fala na primeira pessoa “Ich” (eu) quando fala de si, em outras vezes se distancia e usa a terceira pessoa “Er”e parece estranhar ao mesmo tempo esse jovem que era um convencido da Juventude Hitlerista. Sua narrativa nem sempre é cronológica e nela se misturam arte, documentação e ficção.

Nos esclarece Grass, na apresentação do seu livro, num entrevista no canal Phoenix, que na época não fez perguntas suficientes para os fatos e acontecimentos. Sabia ele que o tio foi morto por um tiro, que o seu professor de latin desapareceu, mas faltaram as perguntas de porquê.

“Eu me deixei seduzir”

Aos 15 anos se inscreveu para fazer parte da artilharia da policia SS e declara no seu livro: ”Ich war ein Jungnazi” (Eu fui um jovem nazista). „Man hat uns verfürt! Nein, wir haben uns, ich habe mich verführen lassen!” (Nos seduziram! Não, nós nos, eu me deixei seduzir“).
Toda a discussão levou alguns jornalistas a dizerem que era mais uma jogada de marketing para promover o livro, se dizendo da juventude Hitlerista. Grass rechaça elegantemente dizendo o livro ficou na editora alguns meses e ninguém fez qualquer comentário, até que chegou às bancas, e os críticos, que nem sequer o leram ja vieram com as pedras na mão.

Na sua longa entrevista de lançamento, disse que demorou décadas refletindo sobre o seu passado e demorou 3 anos escrevendo o livro para que conseguisse colocar os fatos na forma que queria. Não vou contar o final do livro até porque ele, Gras escreveu: “Weil ich das letze Wort haben will) (porque eu quero ter a última palavra).

Grass não quer que o livro seja tematizado centrando somente no fato que ele na sua juventude foi um jovem nazista. Reafirma que a sua autobiografia é a história de uma geração, que como ele, foi conquistada pelas idéias da Juventude Hitlerista. Em quase 500 páginas o autor nos conta os erros e sobre os erros e admite: “Meine Tat läß sich nicht zur jugendlichen Dummheit verwinzigen” (Meus atos nao se deixam diminuir pela burrice juvenil).

Apos 60 anos as fronteiras entre realidade e ficção não tão claras e as lembranças podem misturar os fatos. Ele não deu um único tiro, assegura.

Se procurarmos em seu texto notícias sobre campos de concentração, massacres de civis ou morte de judeus não vamos encontrar. Na sua lembrança as bombas estão presentes em forma de pedaços colecionados pelos jovens e trocados como souvenirs por selos, caixa de fósforos e livros. Um interessante livro um romance autobiográfico e anti-guerra, na figura “Heini”, um recruta testemunha de Jeová que na sua coragem civil, por mais que o impusssem se recusava a segurar uma arma deixando-a cair como se tivesse segurado um batata quente e repetia: “-Wir tun sowas nicht” (Nós não fazemos isso)

Em suas palavras podemos achar muitos sentimentos e significados e ele nos deixa acompanhar nas suas visitas onde o menino-cobrador que batia de casa em casa e conheceu o cotidiano e a pobreza, onde eram ouvidas tosses, gritos, sussurros, onde o cheiro de gato se misturava com naftalina e lavanda das velhas senhoras, onde em suas palavras o ódio por outros seres humanos era maior que o amor por cães e canários. Muitas vêzes podemos sentir o gosto amargo das piadas, tons irônicos ou ele ironizando a si próprio. Sem em tabus fala de sua juventude, masturbação e suas primeiras experiências sexuais com mulheres.
Viajamos em suas lembranças e o leitor é confrontado com cenas detalhadas de infância na sua terra natal Gdansk, hoje Polônia, onde viveu, cenas essas também presentes em “O Tambor” e “Gato e Rato”, recordações de uma infância interrompida pelos dramáticos acontecimentos da guerra, quando o pequeno Günter como soldado mirim, foi ferido e escapou pouco da morte se escondendo debaixo de um tanque de guerra.

 

Pele debaixo da pele

O título do livro “Descascando cebolas“ simboliza o desvendar do passado, figurativamente como se retirássemos pele por pele, camada por camada em direção ao cerne e no ato da retirada choramos.
Como a ficção se inspira na vida real e vice-versa, dois jovens se encontraram nos campos de prisioneiros em Bad Aibling pouco antes da guerra terminar: O jovem Grass e o outro, Josef, 17 anos proveniente da Bavária, católico fanático recitanto em latin também da Juventude Hitlerista, quando passavam o tempo jogando dados. Um foi o ganhador do prêmio Nobel de Literatura em 1996 e o outro Papa Bento XVI em 2005.

 

Ficção ou realidade?

Ficção ou realidade, o Vaticano preferiu não comentar o assunto. O livro tem muitos quebra-cabeças e deixa o leitor na dúvida, mas verdade foi que em 1941 aos 14 anos, como todos os seminaristas Josef Ratzinger foi admitido na Juventude hitlerista. Ao 16 anos fez parte como “Flackhelfer”, asssim como Grass, “ajudante de soldado” para proteger a fabrica da BMW nas proximidades de Munique. Era tarefa desses jovens postos de vigia, serviço de telefone, cuidar das armas. Hoje poderíamos dizer que seriam soldados mirins.
Grass quer ter a última palavra e aos 80 anos continua ainda inquieto e provocando debate.

 

Foto: Solange Ayres

Fonte de pesquisa: Frankfurter Allgemeine 12.08.2006- „Warrum ich nach sechzig Jahren mein Schweigen breche“,
Interview: in Phoenix 25.11.2006: Günter Grass stellt sein neues Buch „Beim Häuten der Zwiebel“ vor.
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Solange Ayres