De Como O Cinema Foi Criado Para Loucos


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Cabra vendo filminho em um kinetoscópio. Note os fones de ouvido… o cinema sonoro também é mais antigo do que a história oficial costuma contar.

A princípio, a origem do cinema parece ser uma história simples.

“O cinema começou em 1895 quando os Irmão Lumière exibiram Trem Chegando à Estação nos salões de Paris”.

Mas nada é simples nesse mundo. E essa história acima é um resumo bem simplista de um processo bem mais complexo, uma gestação de décadas, de uma criatura com muitos pais. Em 1889, por exemplo, Thomas Edison já fabricava, distribuía e lucrava com os Kinetoscópios, uma caixa de madeira fechada quase do tamanho de um homem, sobre o qual um cabra podia se inclinar, olhar através de um visorzinho e assistir algo que não poderia ser chamado de outra coisa a não ser “um filme’.

Como dizer então que os kinetoscópios não eram cinema? Talvez essa distinção fizesse sentido meio século atrás, em que assistir um filme envolvia necessariamente o périplo até uma Sala de Cinema, com toda pompa ou falta de que a ocasião pedia. Mas hoje, em dias pós-VHS, Netflix e internet no celular, é até estranho insistir nessa confusão entre forma de arte e veículo de distribuição. Um filme é um filme, e a forma como ele é exibido é outra história. E os Lumière certamente inventaram a projeção e a sala de cinema, dando um importante passo para viabilizar o crescimento econômico, e nessas, o desenvolvimento artístico, dessa nova forma de contar histórias. E, por conta disso, merecem todo respeito como pioneiros da cinematografia.

Mas como o filme surgiu? Essa é outra história.

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Um sua essência mais pura, um filme não é nada mais que uma antiquíssima ilusão de ótica. Um truque besta de salão: se você exibe duas ou mais imagens para uma pessoa em uma velocidade rápida o suficiente, o cérebro da pessoa embaralha a informação visual, criando uma impressão de movimento. E quando digo “antiquíssima” estou falando sério: os gregos antigos já conheciam essa brincadeira. A tradição explicou o fenômeno inventando uma bizarra “persistência da retina”, onde a imagem demoraria para se “dissipar” e se misturaria com uma nova imagem apresentada… Mas hoje se sabe que isso é besteira. Embora você ainda encontre gente falando de “persistência da retina” por aí, a verdadeira causa é que seu cérebro tem mesmo uma tendência a “completar” informação visual que lhe parece faltante… criando, por exemplo, movimento onde não há. O nome disso é “Efeito Phi”.

Rolo para fenaquistiscópio de Plateau.

Para eu poder escrever esse parágrafo aí de cima, no entanto, foram necessários quase um século de estudos. A descoberta do “Efeito Phi” foi um favor que nos fez o Sr. Max Wertheimer em 1912, a partir de estudos iniciais de ótica feitos pelo físico francês Joseph Plateau em 1829. Plateau foi o criador do fenaquisticópio, um nomezão para uma traquitana que criava a ilusão de movimento controlando a exibição de imagens… e cujo mecanismo foi antecessor direto do cinematógrafo dos Lumière.

Então Plateau é o pai do cinema? Não realmente, né. Afinal, o interesse de Plateau não era contar histórias, ou entreter o publico. Ele foi, isso sim, uma das diversas mentes científicas que, no século XIX, motivadas pelas recentes avanços tecnológicos e mecânicos possibilitados por uma Revolução Industrial ainda fedendo à cueiros, desenvolveram técnicas e instrumentos que permitiriam tornar coisas como o kinetoscópio e o cinematógrafo possíveis.

Suas motivações, no entanto, não podiam estar mais distantes da arte. Eadweard Muybridge e Etienne Jules-Marey, por exemplo, desenvolveram ambos tecnologias para a captação de diversas fotos com pouco espaço de tempo entre si… O que é algo que você precisa para fazer uma filmagem. No entanto a preocupação de ambos era realizar estudos anatômicos e zoológicos, capturando em filme minúcias do movimento humano e animal. (TANGENTE: Muybridge, aliás, foi um figuraça, que mais tarde conquistou lugar nos anais da criminologia ao matar o amante da esposa no que parece ter sido um dos mais antigos casos documentados de insanidade temporária).

De foram parecida, quando o fotógrafo Albert Londe começou a trabalhar no Hospital Salpêtrière em Paris, seu objetivo não era fazer um documentário, mas ajudar seu patrão, Jean-Martin Charcot, a registrar as minúcias do movimentos faciais de loucos histéricos em pleno ataque, tarefa que envolveu o desenvolvimento do que, na prática, já era uma câmera de filmagem, capaz de tirar várias fotos em espaços pequenos de tempo. Imagens fotográficas de patologias, físicas ou psíquicas, eram afinal de contas uma novidade, entendidas como um elemento crucial para o avanço da medicina, e trabalhos como o de Londe povoavam revistas especializadas como a REVUE PHOTOGRAPHIQUE DES HÔPITAUX DE PARIS (que, com outras, serviria de inspiração para a nacional BRAZIL MÉDICO, poucas décadas depois…)

Uma cronofotografia de Jules-Marey. O objetivo era registrar todos detalhes do corpo humano em movimento.

Plateau, Muybridge, Jules-Marey, Londe… homens da ciência, que criaram engenhocas magníficas para dar cabo à grande missão de sua época… Explicar, através da razão e da tecnologia todos os mistérios do mundo. Mal sabiam eles que suas descobertas iriam de encontro a um mundo povoado por fantasmas e milagres, monstros feitos de sombra e ilusões de mágico, que povoavam os palcos do vaudeville…

Mas isso ficará para outra hora.

A SEGUIR: O Primeiro Cinema – Os Lumière e Thomas Edison

About the author

Felipe Damorim

Felipe Damorim se formou em uma faculdade, e desistiu de outras duas. Editou livros, publicou contos, manteve blogs e dirigiu filmes. As pessoas dizem que gostaram de tudo, pelo menos na cara dele.