A tragicomédia contemporânea brasileira (em resumo). Das manifestações de junho de 2013 ao governo Bolsonaro em 2019.


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por

 Paulo Vinícius Nascimento Coelho

(Professor de Filosofia e Sociologia; Cientista Social; Especialista em Pensamento Político).

 

Para entendermos o que acontece na arena política institucional brasileira, bem como a crise social e econômica no Brasil, é preciso levar em consideração a situação do país no contexto contemporâneo da “globalização do mercado capitalista” e o embate entre grandes potências (bélicas e econômicas), buscando identificar as estratégias da classe que controla os meios de produção e manipula o Estado, isso sob uma perspectiva orientada por observações pautadas na geopolítica internacional.

Como os discursos ideológicos e disputas de poder (em escala nacional e global) afetam a cultura, e os meios usados para tal, também, devem ser analisados. 

Partindo dos pressupostos básicos lembrados acima, vamos tentar fazer um levantamento dos principais eventos que mexeram com o jogo político no Brasil de 2013 até hoje (2019), apresentar uma tentativa de síntese e análise( obviamente de forma não muito estendida ou aprofundada, dado o espaço destinado para este texto) sobre o que podemos chamar de “a tragicomédia contemporânea brasileira”.

Identificamos em 2019, no Brasil, a realização de um projeto de subjugação do Estado e da sociedade aos interesses de grandes empresas que orientam o governo dos EUA, Inglaterra e União Europeia. Brincam com a arena política institucional brasileira, compram ou chantageiam o sistema judiciário no Brasil e usam seus fantoches políticos, apoiados por grande parte da mídia privada de massa e igrejas evangélicas, para sabotarem e destruírem a educação, ciência, arte e intelectualidade brasileiras, no intuito de moldar uma população afundada na ignorância, adestrada de acordo com os interesses estrangeiros.

Com auxílio das novas tecnologias de comunicação via internet e celulares (redes sociais, grupos de Whatsapp, robôs virtuais, programas de sondagem no mundo virtual…), falsas notícias são propagadas vinte e quatro horas por dia para milhões de pessoas, em acelerado ritmo.

Como já denunciado por Edward Snowden (o ex agente do alto escalão da NSA) e pelo site Wikileaks de Julian Assange (preso no Reino Unido à espera de julgamento, por ousar enfrentar o imperialismo estadunidense e seus adestrados aliados) é possível monitorar, gravar, filmar, vigiar, boa parte da população do planeta, sendo que todo computador e celular, hoje, podem ser  escutas.

O governo dos EUA possui tecnologia para “grampear” quase o mundo todo e, como se isso não bastasse, há empresas privadas que também possuem tecnologias semelhantes, como exemplo a infame (e supostamente extinta)  “Cambridge Analityca”, fundada por Steve Bannon (mentor intelectual de Donald Trump), empresa acusada de ter manipulado as últimas eleições à presidência nos EUA (beneficiando Trump) bem como as eleições que promoveram a retirada da Inglaterra da União Europeia (o Brexit).

A Cambridge Analityca, ainda antes do escândalo do Facebook (quando todo o esquema de invasão de perfis, coleta de dados e direcionamento psicológico de opinião, via propaganda ideológica e “fake news” foi exposto ao público e obrigou Mark Zuckerberg a ter que se explicar no senado dos EUA), prometeu atuar na última eleição à presidência no Brasil ao final de 2018 e foi o que certamente aconteceu dado que o candidato conservador, e retrógrado de Direita, Jair Bolsonaro, venceu a eleição.

Logo que assumiu a presidência, Bolsonaro visitou os EUA e se reuniu pessoalmente com seu guru pessoal, o astrólogo, hábil retórico e “sofista”, Olavo de Carvalho e com Steve Bannon.

O plano de dominação do Brasil por parte de uma Direita entreguista e ultraconservadora (no campo moral e político), vem sendo elaborado já há algum tempo, não foi de uma hora para outra que Bolsonaro ascendeu como figura de destaque no circo político “verde amarelo”. O “mito” foi forjado, construído com muita propaganda ideológica espalhada em grupos de Facebook, vídeos no YouTube (onde canais e “youtubers” de Direita proliferam) e programas apelativos em canais da mídia privada brasileira.

 Ao mesmo tempo em que se lapidava a imagem de um “falso mito”, setores conservadores e antipatrióticos das forças armadas foram instigados.  As “múmias” da época da ditadura (generais da reserva) foram despertadas de suas tumbas sombrias, e muita psicologia, aliada a técnicas de publicidade, foi utilizada negativamente para despertar as emoções mais chulas em uma parcela da população (em especial boa parte da chamada “classe média”) que, embora, com acesso à educação, não desenvolveu de forma adequada (ou mais profunda, refinada…) capacidades intelectuais (racionais), guardadas em “potência”, nutrindo ainda, sem autocrítica ou reflexão, impulsos primitivos de egoísmo e “autopreservação”, tudo isso alimentado por um cenário de “caos social” onde um “inimigo vermelho”, imaginário, estaria supostamente “destruindo os valores tradicionais das famílias dos cidadãos de bem”; para tal foi ressuscitado um discurso apelativo da época da guerra fria, um “macarthismo” tosco, apontado contra a “ameaça comunista” representada pelo PT, partidos e movimentos de Esquerda ou qualquer ideologia que se colocasse, mesmo que aparentemente, como oposição ao ideal Liberal Econômico combinado ao Conservadorismo Moral e Político.

Durante as gestões petistas, o PT – em parceria com PC do B-  agindo no poder como “Centro-Esquerda” reformista, e aliado com partidos de Centro-Direita e Direita (tais como o PMDB – hoje novamente MDB e ainda o maior partido do Brasil-, o PSC e PP), com a desculpa de garantir a governabilidade”, passou a representar (no discurso de ataque promovido por uma Direita que se fortalecia) toda a “Esquerda”. A Direita passava por cima do fato de que, para a Esquerda Socialista mais radical, PT e PC do B fossem classificados como “partidos traidores” que estariam beneficiando a burguesia nacional e sabotando os movimentos de base e, por tais motivos, eram duramente criticados.

Os erros e supostos “crimes” petistas foram apontados como “erros e crimes” de todo movimento Socialista no Brasil, mesmo dos movimentos e partidos que faziam oposição de Esquerda ao PT.

Os partidos de Direita, aliados do PT no governo (e que nunca engoliram realmente o governo petista), com a entrada de Dilma foram progressivamente se afastando do PT, mesmo com Temer na vice-presidência (algo que, na época, foi visto como grande absurdo por parte da Esquerda Socialista (incluindo movimentos anarquistas de cunho “Socialista Libertário”) que insistia em acusar o Partido dos Trabalhadores de traição e afirmava que o PMDB iria “apunhalar o PT pelas costas”, o que era algo bem óbvio na verdade e foi o que aconteceu afinal).

 PMDB, PSC e PP se aproximaram da oposição de Direita e Centro-Direita formada principalmente por PSDB e DEM (um dos resquícios da ARENA, assim como o PP).

Durante as gestões do PT, até o fim do primeiro mandato de Dilma, Bolsonaro foi filiado ao PP de Maluf (grupo que fez parte da antiga ARENA, no início dos anos 80 virou  PDS, depois PPB e hoje “Progressistas”; força política que defendeu a ditadura militar e foi contra o movimento “Diretas Já”) e, portanto, foi da base dos governos Lula e Dilma; há inclusive vídeos da época da gestão Lula mostrando Bolsonaro dizendo abertamente que votou em Lula e elogiando Genuíno, pois, acreditava que ao “puxar o saco” de figuras do alto escalão do governo, talvez, pudesse ser indicado para algum cargo importante como “ministro da defesa”, (uma grande ironia da história).

Acusações de corrupção se avolumavam na mídia privada de massa contra o PT desde o primeiro ano da gestão Lula (o “Mensalão”, por exemplo) e o partido se afundava cada vez mais no lamaçal do jogo da democracia liberal representativa “made in Brazil” fazendo acordos escusos com grandes empresas brasileiras (em especial empreiteiras como a OAS e Odebrecht) que investiram muito dinheiro via “caixa 2” nas campanhas do partido e de seus aliados.
A Odebrecht, como delatado por Marcelo Odebrecht, também, patrocinava partidos da oposição ao PT, em especial o PSDB, pois, queria manipular o jogo político a seu favor, de forma que, independente de quem vencesse as eleições, teria depois facilidades para vencer licitações fraudulentas e realizar obras superfaturadas (como ocorreu, por exemplo, nas obras para a Copa do Mundo de 2014 ou obras realizadas para a Petrobrás).

O PT tinha claramente um projeto de perpetuação de poder baseado em alianças com a burguesia nacional e apostou nisso, por outro lado parte da burguesia nacional que não se via contemplada pelos governos petistas (empresas ligadas a FIESP no caso do sudeste) ou que já caia na propaganda da “ameaça comunista” e do suposto perigo representado pelo “Fórum de São Paulo” (balelas espalhadas com sucesso por Olavo de Carvalho e seus seguidores) se uniu fortemente em torno do PSDB-DEM e setores do PMDB e PP e passou a boicotar, de todas as formas possíveis, os governos petistas, com apoio da Rede Globo, Bandeirantes, SBT e algumas lideranças evangélicas apelativas (porém influentes) como Malafaia e o deputado Marco Feliciano (um sociopata agitador que recentemente gastou mais de 150 mil reais do dinheiro público para arrumar os dentes via plano de saúde da câmara dos deputados).

O PT, que havia se distanciado da Esquerda Socialista, de forma completamente irresponsável (ou intencional) fez o possível para desmobilizar a classe trabalhadora brasileira tentando monopolizar o controle sobre sindicatos através da CUT e, também, atuando eficazmente no movimento estudantil, enfraqueceu a Esquerda mais radical (a qual decaiu, se restringindo a correntes de partidos sem muita força como PSOL, PSTU, o antigo, mas encolhido, PCB, movimentos sociais isolados e grupos anarquistas pequenos e fragmentados).

Em um cenário de crise mundial do capitalismo que começou em 2008 nos EUA e atingiu Inglaterra e U.E., o Estado brasileiro, na época ainda sob gestão petista, revelou que a maior estatal do país (Petrobrás) havia descoberto enormes reservas de petróleo, o “pré-sal”. Nos EUA Obama (Democratas) era o presidente e usou bilhões de dólares, dinheiro público, para salvar empresas (como a GM) que, por conta da crise, estavam à beira da falência.

Em 2013 ainda sob governo Obama nos EUA e PT no Brasil, Snowden denuncia que o governo dos EUA, por intermédio da NSA, estava espionando o governo Dilma e a Petrobrás com auxílio do Canadá. Na época Dilma fez um discurso de protesto na ONU e o escândalo estourou na mídia internacional. Snowden revelou, entre outras coisas, que o governo da Alemanha também estava sendo vigiado por suas aproximações com o bloco do BRICS e que a NSA tinha capacidade para parar um país aliado (como o Japão) caso esse se aproximasse de inimigos dos EUA (poderiam parar centrais de energia, ferrovias, aeroportos, usinas nucleares, gerando um caos no país). No caso do Brasil havia uma grande preocupação de que o país se tornasse uma grande potência na América Latina (sendo que alguns economistas imaginavam que Brasil, Índia e África do Sul – países membros do BRICS- poderiam, em cinquenta anos, se tornar potências) o que batia de frente com o projeto imperialista estadunidense, afinal, desde que se tornou uma potência em ascensão ao final do século XIX, o EUA passou a encarar a América Latina como seu quintal. O Brasil era um país em crescente desenvolvimento, uma economia forte, com enorme potencial, portanto, uma ameaça aos EUA.

De olho no jogo geopolítico internacional, a potência norte americana traçou ainda, durante o governo Obama, um plano de enfrentamento contra os interesses de Rússia e China no globo.

A China se aproximava cada vez mais da América Latina e pretendia construir uma estrada de ferro que cortaria a América do Sul (do Pacífico ao Atlântico) passando pela Bolívia (rica em gás natural e governada por Evo Morales, anti-EUA), Brasil e fazendo conexão com a Venezuela (que detém a maior reserva de petróleo do mundo e estava já sob controle do chavismo).

 Brasil, Bolívia, Venezuela, Uruguai e Argentina formavam uma aliança militar chamada Unasul (que foi extinta por Temer) e eram governados por partidos que ostentavam discursos de Esquerda e programas de desenvolvimento econômico nacional, combinados a políticas populares de benefícios para a classe trabalhadora (dentro do espectro “social democrata”, keynesiano, reformista ou “bolivariano-chavista” no caso venezuelano, por exemplo).

No plano de reação estadunidense para “virar o jogo”, dada a crise grave pela qual os EUA e Grã-Bretanha passavam, surge a chamada “primavera árabe”, um engodo pseudo-revolucionário promovido pelos EUA para derrubar governos aliados da Rússia e se apoderar de reservas importantes de petróleo, como aconteceu na Líbia onde até mesmo ataques aéreos foram realizados pelos EUA em parceria com a Inglaterra e França.

A “primavera árabe” avançou enquanto a Rússia de Putin (ex agente da KGB) resolvia um embate bélico e territorial com a Ucrânia (ex república soviética e fonte importante de gás natural) onde um governo pró Rússia havia sido derrubado por um levante popular patrocinado pelos EUA e um governo aliado dos EUA e U.E assumiu dando início a uma perseguição contra pessoas de etnia russa no país.

A Rússia anexa a Criméia (região estratégica) novamente a seu território, tomando essa importante região da Ucrânia.

No Brasil, a espionagem estadunidense alimentou a operação “Lava Jato” (que começou em março de 2014). A farsa da “Lava Jato” de Sérgio Moro e Deltan Dallagnol, hoje desvendada pelo site jornalístico “The Intercept Brasil”, foi montada para derrubar o governo petista que se aproximava cada vez mais da Rússia e China e colocava em prática um plano de alianças com Cuba, países vizinhos (na Unasul) e países Africanos. Muitos países com governos próximos ao governo brasileiro receberam, para obras de infraestrutura, financiamentos do BNDES, algumas que poderiam beneficiar economicamente o Brasil (tal como era supostamente o caso do porto em Cuba na América Central).

O PT conduzia um projeto de poder que era oposto aos interesses de empresas estadunidenses já que se fortalecia no BRICS. Com a “Lava Jato” foi fácil abalar a economia brasileira, enfraquecer o governo e sabotar a Petrobrás o que foi facilitado, obviamente, pelas tramóias que o próprio PT já fazia no poder.

O combate a “corrupção” (que, como sempre, rolava no estado brasileiro incitada por grandes empresas que financiavam políticos e partidos do governo) foi usado como pretexto e alardeado pela mídia, serviu muito bem para convencer milhares de brasileiros de que o governo estava operando uma “rapina homérica” contra o país.

Em 2016 o PT é derrubado, perdendo o governo.

Mas, qual a sequência dos eventos?

Em junho de 2013 o Brasil cai em uma “catarse coletiva”, manifestações que começam em grandes capitais como São Paulo Rio de Janeiro e Porto Alegre, por conta do aumento nas passagens de ônibus coletivos urbanos, espalham uma revolta por todo o país. Manifestações são organizadas via redes sociais, grupos autodenominados “Anonymous”, jovens usando máscaras do filme “V de Vingança” e táticas “black blocs” tomam as ruas. Muitas manifestações com milhares de pessoas por centenas de cidades brasileiras clamam por mudanças no Brasil seguindo pautas indefinidas e aos gritos de “sem partido” rechaçam bandeiras de partidos tradicionais. A capital Brasília é tomada, o congresso nacional é cercado e o mesmo acontece em outras importantes cidades onde manifestantes cercam assembleias legislativas estaduais ou tentam ocupar câmaras de vereadores (por exemplo o caso de Santa Maria-RS onde o incêndio na Boate Kiss que matou 242 jovens alimentou ainda mais a revolta popular). As manifestações eram quase diárias e os enfrentamentos contra as polícias militares se tornavam cada vez mais violentos, enquanto isso a popularidade de Dilma caia vertiginosamente e a Direita começava a tentar cooptar as manifestações via redes sociais.

Na corrida eleitoral ao final de 2013 o candidato do PSB (que na gestão Lula havia sido um fiel aliado do PT), Eduardo Campos, morre em um suspeito acidente de avião e a disputa vai para o segundo turno com Dilma (PT) e Aécio Neves (PSDB).

 Aécio era, sem dúvida, o candidato preferido de Washington e certamente se Eduardo Campos (que tinha como vice Marina, na época com um forte eleitorado, pois, em eleições anteriores havia ficado em terceiro lugar e ajudado a eleger muitos deputados estaduais e federais pelo PV, partido do qual se afastou para fundar a Rede) não tivesse falecido, muito provavelmente, iria para o segundo turno, visto que tinha um apelo carismático muito maior que Aécio; se tal acontecesse o cenário seria completamente diferente: Eduardo Campos poderia vencer no segundo turno (por ser uma opção alternativa) e o PT poderia escolher em se aliar com o PSB no governo ou se fortalecer na oposição, fazendo com que a Direita ficasse desorientada como oposição e, então, os planos dos EUA demorariam mais para serem realizados.

Dilma vence e enfrenta  em 2014 manifestações contra a Copa do Mundo da FIFA (na qual a seleção é vergonhosamente derrotada, de forma muito estranha, de 7 a 1 pela Alemanha); o governo usa o exército para reprimir manifestações e a presidente assina uma lei “antiterrorismo” a qual é usada para prender manifestantes contra o governo ou que em 2013 haviam enfrentado tropas de choque nas ruas das grandes capitais, em especial os chamados “black blocs”. Para a realização da Copa do Brasil muitas pessoas pobres foram expulsas de suas casas para construção de obras superfaturadas para o evento, muita grana pública foi desperdiçada em estádios e obras que ficaram inacabadas (tudo para benefício das empresas empreiteiras que financiaram as campanhas do PT e aliados). É importante lembrar que as críticas da Esquerda Socialista e Anarquistas continuaram contra os erros do governo que nada fazia para evitar as mortes de povos indígenas no interior da Amazônia e nos estados do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul (em destaque o caso de Belo Monte e dos índios Guarani Kaiowá), bem como não resolvia o problema da reforma agrária no país (para contentar a bancada ruralista) e não avançava muito para acabar com a extrema desigualdade social, embora, comparado a governos anteriores, é verdade que avanços mínimos ocorreram nas gestões petistas: houve uma diminuição da pobreza e instituições de ensino federais foram criadas em grande quantidade pelo país com um sistema de cotas que permitia que estudantes mais pobres tivessem maiores oportunidades para ingressarem no ensino superior, isso foi o suficiente para despertar o ódio mortal das “elites”.

A operação “Lava Jato” avança em 2014 e começa a mirar em políticos ligados ao PT o qual já tinha na prisão muitas de suas lideranças por causa do caso “Mensalão” (como José Dirceu e Genuíno).  Lula, que estava “aposentado”, afastado da arena política, e descansando boa parte do tempo em “um sítio de um amigo”, começa a ser mirado pela “lava jato”, mas, é só em 2016 que vira realmente réu e é acusado de ter recebido propina da empreiteira OAS em forma de um Tripléx no Guarujá e depois é acusado de ter recebido um sítio em Atibaia onde OAS e Odebrecht teriam supostamente realizado obras para agradar o ex presidente.

O PT continuava atrelado ao PMDB e na câmara dos deputados Eduardo Cunha (presidente da Câmara) chantageava o partido ameaçando aceitar pedidos de impeachment contra Dilma que tentava agradar setores da burguesia nomeando Joaquim Levy para o ministério da Economia e cortando gastos com programas sociais. A promessa dos “royalties do petróleo para saúde e educação” ficava cada vez mais no mundo “onírico” e, em 2016 finalmente a tragicomédia de Dilma chega ao fim com seu afastamento aprovado na câmara dos deputados, em um espetáculo grotesco conduzido por Eduardo Cunha (que depois foi preso) e com direito a showzinhos de deputados ridículos e apologia à tortura por parte do escroto e repugnante sociopata Bolsonaro que teve a petulância de elogiar o torturador (do período da ditadura) Carlos Alberto Brilhante Ustra e mencionar que o mesmo era o “terror de Dilma Rousseff” , ato que lhe valeu uma “gusparada” na cara (lançada por Jean Wyllys do PSOL, partido que foi formado por ex militantes expulsos do PT, na época do primeiro mandato de Lula, por criticarem as aproximações do partido para com a Direita).

Com a conivência do supremo (entre os quais muitos ministros indicados pelo próprio PT, o qual parece ter esquecido das lições básicas de Maquiavel quando nomeou tais juízes) o senado aprova o  impeachment e Dilma, acusada de cometer supostas “pedaladas fiscais” (algo realizado por governadores e presidentes anteriores), é afastada, para delírio dos “coxinhas” que festejavam, em ato organizado pelo MBL, “Revoltados On Line” e similares, na Avenida Paulista, com camisas da CBF, na frente do prédio da FIESP, seguindo um grande pato amarelo inflável.

O estopim para a onda do “Fora Dilma”, que acelerou seu afastamento, foi uma conversa “grampeada” da presidente com Lula, avisando que iria mandar um documento para o ex presidente usar “em caso de necessidade” para que assumisse o ministério da “casa civil”. A conversa, gravada ilegalmente, foi lançada pelo juiz Moro para a Rede Globo a qual fez um grande estardalhaço no Jornal Nacional em cadeia nacional e horário nobre. Lula foi acusado de estar tramando para conseguir “foro privilegiado”, mas, na verdade, além disso, havia sim uma tentativa tardia do PT para reagir às armadilhas em que o partido estava caindo (como “patinho”), colocando sua liderança máxima de volta no jogo, o que “não rolou”.

 Empresários ligados a empresas que estavam dando sustentação ao governo são presos como “bodes expiatórios” provisórios, os quais, após acordos, são soltos ou recebem redução de penas por “delação premiada”.

 Empresas envolvidas no “Escândalo da Lava jato” continuaram ativas, porém, com prejuízos, dado que era necessário abalar o crescimento econômico do país no intuito de subjugar o Brasil aos interesses dos EUA, o que foi realizado com sucesso.

O programa de construção de submarinos nucleares foi estagnado e o cientista brasileiro responsável foi preso, a compra de tecnologia e de caças suecos foi cancelada e, após a queda de Dilma em 2016, Temer inicia um programa de desmonte do Brasil e entrega do patrimônio público, rifando estatais e beneficiando petrolíferas estrangeiras as quais recebem do governo Temer isenções por vinte anos (o Brasil vai perder quase um trilhão de reais com essa “brincadeirinha”).

Enquanto Temer (acusado, pelo site Wikileaks, de ser informante dos EUA) negocia a entrega da Embraer para a Boing e vendia “a preço de banana” plataformas da Petrobrás (para China e Dubai) o senador José Serra (PSDB) consegue mobilizar aliados para votar no senado a retirada do monopólio da Petrobrás no monitoramento da exploração do “pré-sal”, cumprindo o que havia prometido (segundo o Wikileaks, também, denunciou) para grandes petrolíferas estrangeiras como Exxon e Chevron (as quais devem ter financiado sua campanha).

O PSDB quando estava no governo federal vendeu por três bilhões a estatal “Vale do Rio Doce” que era considerada na época a terceira maior mineradora do mundo, com instalações em outras regiões do mundo e com valor estipulado em mais de noventa bilhões de reais. Hoje a empresa, privatizada, é um exemplo de capitalismo selvagem exploratório, sugando as riquezas do solo brasileiro enquanto danifica o ambiente e provoca tragédias ambientais, matando centenas de pessoas com estouros de barragens (como o caso de Brumadinho), tudo “em nome do lucro”. FHC, a grande liderança do PSDB , pretendia, também, vender a Petrobrás e em seu governo tentaram mudar o nome da empresa para “PetrobarX” e vendeu boa parte das ações estatais da empresa para o capital privado.

Temer (MDB) consegue em seu governo, mesmo com uma baixíssima popularidade, aprovar a infame “reforma trabalhista” que flexibilizou leis trabalhistas, permitiu a terceirização generalizada, piorando ainda mais a situação dos trabalhadores no Brasil e provocando um aumento dos empregos informais sob contratos impostos por patrões e uma baixa geral dos salários, tudo isso em uma situação de crescente desemprego, mais de treze milhões de desempregados. Com apoio do PSDB-DEM-PP-PSC e da mídia (que, embora, pudesse algumas vezes criticar a figura do presidente, apoiava seu programa de governo) Temer congela por vinte anos o orçamento do país e investimentos em programas sociais com a PEC 55.

Em 2018 a corrida eleitoral para a presidência se acelera. Lula aparece em primeiro lugar nas pesquisas, muito a frente dos demais possíveis candidatos. No supremo a prisão em segunda instância é oficializada, mesmo contrariando a constituição que promulga que “uma pessoa só pode ser presa, por ser considerada culpada, condenada, após decorrer todo o devido processo legal até a última instância” (a não ser que realmente represente perigo para a sociedade). Habeas Corpus dos advogados de Lula são recusados. Moro determina a prisão de Lula em Curitiba.

 Uma multidão, gritando por resistência, cerca o sindicato dos metalúrgicos do ABC paulista, mas, Luiz Inácio, convencido por seus advogados, decide se entregar e até hoje se encontra em cela especial no prédio da polícia federal na capital do Paraná.

A Centro-Esquerda dividida lança seus candidatos: Ciro Gomes (PDT), Marina (Rede), o PSOL lança Boulos e o PT enrola na expectativa e esperança de que Lula pudesse ser solto e, também, como estratégia para continuar liderando a “Esquerda”, mas, no fim, acaba se aliando ao PC do B e lança Haddad como candidato com Manuela D’Ávila de vice.

O PSDB que desde o governo FHC se moveu drasticamente da Centro-Esquerda para a Direita, ainda aliado ao DEM (ex PFL) lança Alckmin (ex governador de SP) e Bolsonaro concorre pelo PSL (após pular do PP para o PSC e depois “Patriota”) o qual fecha chapa com General Mourão de Vice (um general declaradamente conservador , anti-socialista e pró EUA). O MDB lança o ministro da Economia do governo Temer , Henrique Meirelles, sem chance alguma.

Nos debates na tv, ao final de 2018, Bolsonaro, como era previsto, se sai bizarramente muito mal, sua estupidez é bem explícita e até Cabo Daciolo (Pelo “Patriota”) consegue se sair melhor, no entanto, mesmo com todo sua ignorância, Bolsonaro aparece em primeiro lugar nas pesquisas e  Ciro Gomes aparece como o candidato com melhores chances de vencer Bolsonaro no segundo turno.

A popularidade de Bolsonaro começa a cair com seu fracasso nos debates até que um fato inesperado acontece, um atentado muito suspeito contra a vida do candidato ocorre. Bolsonaro leva uma facada na barriga, um golpe que não provoca sangramento, cometido por um sujeito aparentemente com problemas mentais, ex filiado ao PSOL e que, curiosamente, frequentava o mesmo clube de tiro frequentado por um dos filhos de Bolsonaro. A facada comove parte da população e serve como um impulso para a campanha de Bolsonaro que não mais comparece aos debates, dada a “justificativa” do suposto ferimento e acaba indo para o segundo turno onde vence Haddad, o que era previsível.

O governo Bolsonaro com um simpatizante da ditadura de Pinochet no ministério da Fazenda (o “Chicago Boy”, neoliberal e arrogante conservador, Paulo Guedes) continua o programa de desmonte do Brasil iniciado por Temer, privatiza estatais (como a BR distribuidora e entrega definitiva da Embraer), e começa a rebaixar o brasil aos interesses dos EUA de Trump. Ministros inaptos , toscos e totalmente ignorantes são nomeados e começam a desviar a atenção pública com discursos e medidas absurdas enquanto o governo libera inúmeros agrotóxicos danosos à saúde (mais de 200), sabota serviços públicos e estatais que restam, corta recursos para educação, beneficia ruralistas e madeireiros, ataca povos indígenas e minorias e espalha a intolerância com muita violência simbólica e estupidez.

Bolsonaro sempre foi conhecido por falar as maiores asneiras e coisas violentas, defender a ditadura militar, tortura e morte de opositores políticos (há vídeos onde declara que “trinta mil deveriam ser mortos no Brasil” e que desejava “metralhar a petralhada”), ostentar discurso machista, racista e homofóbico e , para completar, bajular o governo dos EUA e dizer , mais de uma vez, que a “Amazônia” não era mais brasileira. Seu governo entregou logo nos primeiros meses a base de Alcântara (no Maranhão), a melhor do mundo para o lançamento de foguetes espaciais por ficar mais próxima à linha do Equador, para os EUA administrarem, a mesma base a qual, o governo FHC pretendia, também, entregar para os EUA,  e a qual (segundo denúncia do Wikileaks e de um general brasileiro da reserva) foi sabotada pelos EUA em 2003 (já governo Lula) quando ocorreu uma grande explosão no momento em que o Brasil tentava lançar um foguete brasileiro em parceria com a Ucrânia (que carregaria um satélite brasileiro), matando vinte e um cientistas.

Os cortes de verbas para as universidades vem atrasando as pesquisas científicas no Brasil e o governo Bolsonaro aumenta a censura sobre institutos de pesquisa pressionados a não liberarem dados que possam mostrar os estragos que a atual gestão vem fazendo ao país. O desmatamento na Amazônia aumenta de forma desenfreada, a pobreza e fome aumentam, a economia não se recupera e o governo sabota o próprio país, mantendo preços abusivos nos combustíveis segundo uma política  de preços atrelada ao mercado internacional para contentar acionistas privados, prejudicando assim a circulação de pessoas e mercadorias no Brasil. Bolsonaro , que se elegeu com “caixa 2” de empresas como a Havan (cujo dono deve milhões em impostos e chantageou funcionários para votarem no “mito”) , muita “Fake News” e auxílio de Cambridge Analityca, coloca o Brasil de joelhos aos interesses dos EUA. Recentemente navios iranianos que buscaram carga de milho no Brasil foram impedidos de abastecerem em porto brasileiro por causa das sanções dos EUA ao Irã e se dependesse de Bolsonaro ainda estariam parados sem abastecimento. 

A Lava jato está sendo escancarada pelas denúncias do Intercept que obteve conversas de Moro, Deltan e companhia, tramando contra Lula para influenciar a última eleição à presidência (vencida por Bolsonaro que nomeou Moro para o ministério da Justiça com poderes dilatados e confessou ter lhe prometido uma vaga no Supremo) e planejando desvios de recursos públicos para fins políticos-ideológicos e privados. Paira sobre toda essa história a suspeita morte de Teori Zavascki, juiz do Supremo que criticava Moro e que pretendia analisar o caso de Lula.

A família Bolsonaro está envolvida com a milícia no RJ e com suspeitos de terem assassinado a socióloga e vereadora Marielle Franco do PSOL. Há, também, indícios de que Flávio Bolsonaro surrupiava parte do salário de seus assessores, sem falar na lavagem de dinheiro e depósitos suspeitos do motorista Queiroz na conta da primeira dama, somado a isso há o nepotismo descarado de Bolsonaro que insiste em nomear seu filho desqualificado (Eduardo) para a embaixada do Brasil no EUA.

O Brasil abandona gradativamente o BRICS, a UNASUL acabou, ninguém mais fala em “royalties do petróleo para educação e saúde”, o Brasil se afunda no atraso em acelerado retrocesso, uma tragédia para o povo brasileiro. Infelizmente a propaganda ideológica intensa e muito bem planejada seduziu uma parcela relevante da população e a sociedade brasileira se encontra hoje dividida e refém dos fantoches políticos da classe dominante capitalista estrangeira, aliada a uma burguesia nacional parasita e “lesa pátria”.

A reforma da previdência (que obrigará os trabalhadores mais pobres a trabalharem e contribuírem por mais tempo para poderem se aposentar e com salários mais baixos) recentemente foi aprovada na câmara dos deputados e certamente será, também, no senado, tudo diante de uma população em transe e dividida. Parte da população demonstra revolta nas redes sociais ou em manifestações pacíficas que não fazem “cócegas” no governo e outra parcela ainda apoia Bolsonaro que insiste em proferir “barbaridades” e se aproxima cada vez mais da tirania nomeando milicos para vários setores do governo até mesmo para os Correios.

A classe trabalhadora está narcotizada (o peleguismo dos pseudo partidos de “Esquerda” e centrais sindicais, as igrejas evangélicas que proliferam nas periferias, a mídia privada de massa, tudo isso colabora para o estado de apatia da classe trabalhadora) e as organizações políticas que se autodenominam “Esquerda” não esboçam reação ao desmonte dos serviços públicos e das conquistas do povo brasileiro. O Brasil naufraga “a olhos vistos”.

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Paulo Vinícius

Paulo Vinícius : Professor de Filosofia e Sociologia; Cientista Social.