Conexões globais no violão de Fabricio Mattos


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Após um ciclo de apresentações na Europa entre abril e junho (Inglaterra, Itália, Suíça e República Tcheca) e entre dois ciclos de apresentações na China (em março/abril e em setembro), Fabrício Mattos separou um espaço em sua agenda para uma passagem pelo Brasil. Em junho e julho ele esteve fazendo concertos, master-classes e palestras em Curitiba, Campos do Jordão, Paraty e Rio de Janeiro.

De Curitiba para as conexões globais

Foi em Curitiba que Fabricio começou a carreira, antes de estabelecer suas conexões globais a partir do violão – o instrumento e o repertório. Que bom que voltou aqui, pra nos mostrar até onde foi capaz de chegar o filho da terrinha. Estávamos há muito tempo sem vê-lo, e foi impressionante atestar a maturidade musical que atingiu e a importância cultural de tudo que está fazendo. Como via de regra, ainda não sabemos aproveitar, aqui no Brasil, toda a qualidade que este músico brasileiro poderia nos trazer a partir de sua notável experiência internacional.

As conexões globais que Fabricio busca com seu violão são um projeto amadurecido há anos, com o título de Worlwide Guitar Connections. O projeto incluiu a construção de um violão réplica de um instrumento do século XIX, pesquisa de repertório antigo, encomendas de obras a compositores contemporâneos e, claro, concertos. O projeto envolve compositores, obras, instrumento e apresentações em vários países da Europa, na China e Coréia e no Brasil.

De volta a Curitiba – o concerto no Paço da Liberdade

Fabricio Mattos e seu violão modelo Legnani ( foto de Anaïz Dessartre e Mariana Ordine)

Assisti muito impressionado ao concerto que Fabricio Mattos deu no SESC Paço da Liberdade dia 23 de junho. Ele tocou esse belíssimo violão que segura na foto. É uma réplica feita pelo luthier coreano Heehong Kim, de um violão Stauffer modelo Legnani. Foi um dos primeiros modelos de instrumento capaz de embasar recitais de violonistas, ainda no início do século XIX. Do repertório composto para este instrumento, Fabricio selecionou obras de Fernando Sor, Vaclav Matjĕjka, Franz Schubert (em transcrição de Johann Kaspar Mertz) e Luigi Legnani. Para cada obra do século XIX, projetou e encomendou a compositores contemporâneos uma obra livremente inspirada. Às conexões oitocentistas entre Espanha, Paris, Itália, Viena e Praga, Fabricio adicionou conexões do século XXI entre Coréia (do luthier Heehong Kim e de uma obra tradicional que Fabricio fez arranjo), China (do compositor HuangQi Lin), Brasil (do compositor Lucas Jordan e do próprio Fabricio) e Itália (do compositor Mauro Bonelli).

As obras escolhidas

O repertório apresentado por Fabricio foi o que mostra o programa abaixo. A maneira de intercalar obras tão distantes no tempo e no espaço, as aproximou a partir das conexões imaginadas pelo compositor. Nos mostrou como o mundo é tão próximo, coisa fundamental de se lembrar nesses dias em que governos constroem muros e refugiados vagam longe de suas casas.

Repertório do concerto WGC – Heritage

Fabricio organizou o concerto em 4 eixos temáticos. Para cada um envolveu uma peça original para o violão do século XIX e outra composta no século XXI, com livre inspiração na obra antiga. No primeiro eixo, usou como mote a variação temática. Começou com as variações que Fernando Sor escreveu sobre um tema de Mozart, e deu sequência com as variações de HuangQi Lin sobre um tema tradicional chinês. O segundo eixo seguiu a proposta da forma musical da fuga, e seu emaranhado contrapontístico. Após o Presto – fugato de Matjĕjka, partitura original que Fabricio Mattos encontrou num acervo britânico, veio a obra encomendada ao compositor brasileiro Lucas Jordan.

A terceira parte do programa teve o como mote a adaptação: uma transcrição de Johann Kaspar Mertz de uma obra de Schubert foi seguida de um arranjo de Fabricio Mattos para Arirang, tradicional coreana. E o final foi dedicado ao virtuosismo, apresentando primeiro os Três Caprichos do compositor italiano contemporâneo Mauro Bonelli, para concluir com três dos lendários Caprichos op. 20 de Luigi Legnani.

A maturidade artística de Fabricio Mattos

Acho que a última crítica de um concerto de Fabricio Mattos que escrevi foi em 2008, antes dele partir para os estudos na Europa, dos quais nunca mais voltou. Lembro de ter assistido seu concerto na turnê do SESC em 2009, e mais alguma gravação feita por esta época. Depois perdi o contato com Fabricio. Naquela ocasião, ele era uma jovem promessa. Era um violonista completando seu processo de formação, já demonstrando sua capacidade e inegável talento, esmero técnico e competência musical.

O que vi agora, 9 anos depois, é muito mais do que eu imaginava. Não posso mais falar de Fabrício em termos violonísticos ou mesmo musicais. Quero falar dele apenas como artista, algo muito maior. Alguém que superou as fronteiras, não entre Brasil, Europa e Ásia, mas entre o violão e o mundo, entre a música e as demais linguagens expressivas.

Poucas vezes vi um concerto tão profundo, tão humano e tão impactante. Acho que posso comparar com o concerto de Ralf Ehlers no Simpósio Internacional de Música Nova 2012, e poucas outras coisas. Nem mesmo com os concertos do mestre Fabio Zanon consigo comparar Fabricio Mattos. Desde o instrumento que escolheu, passando pelo repertório antigo, a colaboração com os compositores, muito bem escolhidos, a performance, a expressividade volonística e musical, a comunicação com o público: em tudo Fabricio nos deu uma noite memorável.

Voltando para compartilhar experiências

Além de toda a altíssima competência musical e artística, Fabricio demonstrou também excelência como ser humano. Abriu espaço em sua agenda de viagens pelo país, e separou um momento para ir à UNESPAR fazer uma palestra e concerto para os estudantes dos cursos de Música do Campus de Curitiba II – FAP.

Com isso, Fabricio completou um ciclo de volta às suas origens, trazendo um pouco de novas sementes que ele levou daqui para germinar pelo mundo. Fabricio começou a estudar música com seu pai, participou do Coral Curumim, e estudou na Escola de Música Paidéia. Fez a graduação na EMBAP (hoje Campus de Curitiba I da UNESPAR), onde estudou violão com Luiz Claudio Ribas Ferreira. Foi a Londres para fazer um mestrado na Royal Academy of Music e acabou ficando na Europa até agora. Estudou com Fabio Zanon e com outros grandes mestre do violão inglês como David Russel e Juliam Bream.

A experiência que compartilhou com nossos estudantes, certamente vai semear o interesse por explorar mundos artísticos e musicais muito maiores, como Fabricio demonstrou ser possível. Esperamos que ele volte mais vezes.

About the author

André Egg

Músico, historiador e crítico. Professor da UNESPAR. Colaborador do PPGHIS-UFPR. Organizador do livro Música, cultura e sociedade. Página pessoal em http://andreegg.org