Considerações musicais


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A Orquestra Filarmônica Tcheca, fundada em 1894, sempre teve grandes nomes à sua frente. Em seu concerto inaugural, Antonín Dvořák regeu algumas de suas próprias obras. Em 1908, Gustav Mahler regeu a première mundial de sua belíssima Sétima Sinfonia aqui em Praga, com esta mesma orquestra. Outros nomes importantes que passaram por aqui são Rafael Kubelík, que assumiu o cargo de regente chefe nos anos quarenta, e o grande Vladimir Ashkenazy no final dos anos noventa. Esta orquestra foi considerada pela revista britânica ‘Gramophone’ em 2008 como uma das vinte melhores orquestras do mundo.

Como eu já disse aqui anteriormente, o concerto mais impressionante que eu já assisti foi com esta orquestra. A obra executada não foi nada menos que a Primeira Sinfonia de Mahler, também conhecida como ‘Sinfonia Titã’. Como sou estudante do Conservatório de Praga, posso comprar entradas por dez coroas (cerca de um real), mas existem alguns poréns com esta promoção. Se a sala estiver muito cheia, eu sou obrigado a assistir o concerto de pé na última fileira (o que, convenhamos, não é a pior coisa que pode acontecer a um estudante de música). Mas eu nunca vi esta sala de concertos lotada, exceto neste específico concerto da Titã. Mas eis que me avisam que eu poderia sentar no local destinado ao coro, ao lado do órgão. Sem pestanejar, fui tomar o meu assento. Aos que não sabem exatamente do que se trata, os assentos do coro ficam atrás da orquestra, praticamente dentro do palco. Os músicos ficam de costas para você, mas o som é extremamente forte, dada a posição deste local e você pode apreciar muito melhor os gestos do regente. Foi simplesmente fantástico, e o último movimento, que começa com a orquestra toda tocando em fortíssimo, foi de arrepiar.

A casa da Orquestra Filarmônica Tcheca é o Rudolfinum, a melhor sala de concertos da República Tcheca, sem dúvida. Esta sala de concertos não é tão grande como a Sala São Paulo, mas isto não é um problema, e sim uma vantagem, já que a visão é muito boa e a acústica é fantástica, não importa onde você se sente. Há um gigantesco órgão que eu já tive o prazer de ver em ação, num concerto com uma orquestra alemã que tocava com instrumentos barrocos originais. O repertório deste concerto? Nada menos que a Missa em Si Menor de J.S.Bach (babe Milton, babe).

Orquestra Filarmonica Tcheca

Sobre os grandes regentes que já passaram por aqui, o destaque recai sobre os dois citados na introdução. Rafael Kubelík é, infelizmente, não tão conhecido pelos amantes de música erudita, mas suas interpretações valem ouro. Seu ciclo completo das sinfonias de Mahler é para se ouvir de joelhos. Suas interpretações me lembram de algum modo as do Bruno Walter, pupilo e amigo pessoal de Mahler e um dos maiores regentes de todos os tempos. Os andamentos de Kubelík, assim como de Walter, são simplesmente perfeitos, mas ao mesmo tempo nos surpreendem por serem não tão usuais. A música mahleriana é de uma complexidade absurda, e na mais simples passagem existem milhões de frases escondidas e secundárias e cabe ao regente organizá-las e decidir quais ele irá salientar; como exemplo cito uma melodia executada por trombones e contrafagotes logo no começo da Sexta Sinfonia, que normalmente passa despercebida, já que os violinos estão apresentando o primeiro tema. Poucos regentes conseguiram um bom equilíbrio neste momento, e Kubelík é um deles.

Já Vladimir Ashkenazy é um regente contemporâneo. Este russo também é um pianista virtuoso, e possui milhares de brilhantes gravações. Suas interpretações são ótimas, mas o que eu mais admiro neste regente são as suas opiniões. Ele tem uma maneira de enxergar música que está se tornando cada vez mais rara. Para ele, a música ainda é uma linguagem, por mais subjetiva que seja. Aliás, a grande força desta arte se encontra justamente nisso. Nestes vídeos abaixo, que infelizmente estão em inglês, com legendas em alemão, Ashkenazy discute sobre a obra de Schumann e sobre sua visão da arte contemporânea. Ao ser indagado pelo repórter sobre o experimentalismo da arte contemporânea, Ashkenazy usa como exemplo um dos meus compositores favoritos: Shostakovich. De acordo com ele, o fato de a obra de Shostakovich ser cada vez mais tocada é uma prova do seu valor e de sua imortalidade, esta obra que é tradicional mas, ao mesmo tempo, inovadora e genial. Eu assino embaixo. (Caso alguém não consiga entender o inglês do vídeo eu me proponho a traduzí-lo em forma de texto para a próxima semana. É só pedir.)

Entrevista com Vladimir Ashkenazy parte 1
Entrevista com Vladimir Ashkenazy parte 2

Ele ainda comenta brevemente sobre o mundo fantástico que Scriabin criou, mas de maneira orgânica e não como fruto de um experimentalismo barato. Experimentalismo é um conceito do século XX que, para os adeptos, carrega uma mensagem de renovação de uma esgotada e limitada arte antiga e, para os contrários, carrega uma alta dose de aleatoriedade e charlatanismo. Eu não sou adepto de nenhuma destas visões, assim como não sou de nenhuma forma de composição e acredito que possam existir composições boas e ruins escritas com qualquer mesmo método, por mais que eu não seja inocente em separar o método da mensagem e expressividade músical (no fundo, um é consequência do outro). De qualquer forma, podemos pensar em Beethoven, no final de sua vida, como um grande experimentador. O mesmo se aplica à Mahler e Shostakovich. Mesmo Bach possui obras ousadíssimas no sentido estético, como o prelúdio em Lá menor do Segundo livro do Cravo Bem Temperado, uma música completamente cromática e dissonante ainda hoje. Mas vejam bem, o experimentalismo destes homens estava unido a seus conhecimentos e suas experiências musicais. Não importa se estamos ouvindo as obras mais tradicionais do começo da produção destes homens ou as obras finais, o compositor é o mesmo e isto é óbvio musicalmente. Eu não aprecio uma sequência sonora agradável ao ouvir música, eu aprecio uma visão de mundo, toda uma mensagem que eu compartilho ou que me faz refletir. Eu aprecio a construção, os detalhes, mas estes sempre têm que estar voltados à expressão desta visão de mundo. Não existe nada que me irrite mais do que frases de efeito sobre música, como chamar a Primeira Sinfonia de Brahms de ‘A Décima de Beethoven’, ou quaisquer outras imagens pré-concebidas. A mensagem de cada compositor é única, já que eles são indivíduos diferentes. Não esperem colocar todo o classicismo num mesmo saco com uma etiqueta do lado de fora. Enfim, hoje paro por aqui… enquanto consigo me manter não exaltado.

Nestes últimos dias, coincidentemente, eu estou orquestrando uma das sonatas de Scriabin e eu já estava com um projeto de orquestrar os ‘Estudos Sinfônicos’ de Schumann, obra que Ashkenazy toca no começo do vídeo. Coincidências à parte, vou retomar meu trabalho agora.

[Este texto deveria ser publicado somente no final de semana, mas eu estarei viajando nestes próximos dias. Eu volto na semana que vem com novos textos então. Um grande abraço a todos que visitam esta coluna!]

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Gilberto Agostinho