A dinastia comunista na China

O título deste artigo não é totalmente uma provocação, pois Dinastia é uma sequência de reis ou soberanos de uma mesma família que se sucedem no trono, sendo que o atual regime político da China tem uma sequência de dirigentes que se alternam, não pela descendência de parentesco, mas pela posição dentro da “família comunista”. De fato, na China, a sucessão dos dirigentes no poder ocorre dentro de um partido único e que já está no poder há 60 anos e se prepara para ficar muito tempo mais.

Maquiavel escreveu, em 1513, o livro “O Príncipe” que é um tratado de ciência política sobre a governança do Estado moderno, descrevendo as formas de atuação nas atividades públicas nacionais e internacionais e como gerenciar e manter um governo/principado. Antônio Gramsci disse que o partido político da atualidade é o “príncipe moderno”. Gramsci considerava que o partido é essencial para a hegemonia política e a formação de um “bloco hegemônico”. Neste sentido, o partido comunista chinês (PCC) tem se tornado um “Soberano” moderno. Como partido único, o PCC funciona com alguma semelhança a uma dinastia moderna.

Assim, o partido comunista chinês conquistou a hegemonia interna, substituindo os antigos imperadores e dando início a um novo período de desenvolvimento do país. Neste sentido, não seria exagero dizer que a “Dinastia comunista” é um regime que unificou o país e tem planejado e alimentado a ideologia de um futuro de grandeza e de grandes realizações que pretende superar as antigas Dinastias chinesas do passado.

A China possui uma das civilizações mais antigas e mais prósperas da história humana. O Imperador Amarelo, do século XIII a.C., é considerado o ancestral dos governantes do povo chinês. Os registros antigos já apontavam para a existência da Dinastia Shang (1045 – 256 a.C), que foi marcada por um ciclo de prosperidade e o surgimento de movimentos intelectuais e filosóficos impares, com a presença ilustre de Confúcio (confucionismo) e Lao Tsé (taoísmo).

Mas os estudiosos denominam de China Imperial o período entre o início da Dinastia Qin (século III a.C.) e o fim da Dinastia Qing (no começo do século XX). O Imperador Qin Shi Huang é famoso por ter iniciado a Grande Muralha da China (que foi posteriormente ampliada e aperfeiçoada durante a Dinastia Ming), além de proporcionar a unificação do país e o desenvolvimento da linguagem escrita e da moeda. A Dinastia Qin (221 – 206 a.C.) entrou em colapso com a morte do seu imperador, mas deixou como herança, além do nome do país, um estilo de regime político.

A Dinastia Han (206 a.C. – 220 d.C.) manteve grande parte da estrutura administrativa de Qin, mas sem a centralização excessiva. Houve o estabelecimento de uma meritocracia, que selecionada os funcionários públicos através de exames para o serviço civil, com base nos ensinamentos de Confúcio. Durante a Dinastia Han Oriental, a economia, a educação e a ciência prosperaram e o houve crescimento do comércio com os vizinhos do norte e com os países do Oriente Médio e Europa (através da famosa Rota da Seda). O povo chinês ainda se considera um povo Han.

Depois de um período de instabilidade, surgiu a primeira Dinastia Jin (265 — 317), que também foi seguida de um outro período de grerras internas. A Dinastia Sui (581 – 618) conseguiu reunificar o país, após um longo período de fragmentação política na qual o norte e o sul se desenvolveram independentemente. Os suis uniram o país e criaram diversas instituições que terminaram por ser adotadas por seus sucessores, a Dinastia Tang (618-907). Os tangs garantiram uma era de prosperidade e inovações nas artes e na tecnologia, especialmente com a introdução do budismo, que se havia instalado gradualmente na China a partir do século I, tornou-se a religião predominante e foi adotada pela família imperial e pelo povo.

Após o período conhecido como das Cinco Dinastias e dos Dez Reinos, formou-se a Dinastia Song (960-1279) que conseguir controlar a maior parte da China e estabeleceu a cidade de Kaifeng como capital, dando início a um outro período de prosperidade econômica. Em 1115, subiu ao poder a segunda Dinastia Jin (1115-1234), mas a China encontrava-se dividida entre a Dinastia Jin, ao norte, a Dinastia Song Meridional.

O Império Jin foi derrotado pelos mongóis, que em seguida subjugaram os sungs meridionais. Com isto, a China foi unificada novamente, mas agora como parte de um vasto Império Mongol. Neste período, Marco Polo visitou a corte imperial em Pequim. Kublai Kã, neto de Gêngis Kã e fundador da Dinastia Yuan (1271-1368, a primeira a governar a China a partir de Pequim), incentivou o comércio e as navegações.

Diversas rebeliões camponesas mandaram os mongóis de volta às estepes do norte. A Dinastia Ming (1368 – 1644), lançou as bases de um Estado mais agrícola. Tais políticas permitiram aliviar a pobreza e garantir uma certa segurança alimentar. A Dinastia Qing (1644 – 1911) foi fundada após a derrota dos mings, a última dinastia han chinesa, pelos manchus, que invadiram a China a partir do norte, mas adotaram as tradicões confucianas e terminaram por governar na mesma linha das dinastias nativas anteriores. Os manchus consolidaram o controle sobre o território, ampliando-o para incluir Xinjiang, o Tibete e a Mongólia.

Mas o século XIX trouxe o enfraquecimento das Dinastias e a concorrência ocidental levou ao declínio econômico e à humilhação das Guerras do Ópio, em 1840. O tesouro imperial chinês quebrou duas vezes, por conta do pagamento de indenizações devidas às guerras do ópio e à grande evasão de prata causada pelo tráfico de ópio. O povo chinês sofreu fomes extremas e a Dinastia Qing se mostrou incapaz de auxiliar a população, jogando o país no caos político e econômico. Os exércitos qings foram derrotados na Guerra Sino-Francesa (1883-1885) e na Guerra Sino-Japonesa (1894-1895). A incapacidade da Dinastia Qing em governar o país fez com funcionários, oficiais militares e estudantes – liderados por Sun Yat-sen – proclamassem a República.

Durante a República da China (1912 – 1949) o país ficou dividido entre as forças de Chiang Kai-shek, que assumiu o controle do Kuomintang (Partido Nacionalista, ou KMT) e as forças de Mao Tse-tung, líder do Partido Comunista da China (PCC), além de ter parte do território invadido pelo Japão. Mas, em 1949, o PCC assumiu o controle do país. O “grande timoneiro”, Mao Tse-tung, unificou a China e estabeleceu os princípios socialistas na vida e na economia, entre 1949 e 1976, isolando o pais da comunidade internacional. Porém, após um breve período de instabilidade, o chamado “bando dos 4” foi derrotado e Deng Xiaoping estabelece a política das Quatro Modernizações (indústria, defesa, agricultura, ciência e tecnologia) e propôs aplicar o princípio “um país, dois sistemas”, em que estabelece o sistema centralizado e comunista, no plano político, e o “livre” mercado, no plano econômico.

Assim, a gestão comunista na China não tem o mesmo caráter das Repúblicas Ocidentais. Trata-se de um regime centralizado e que pensa no longo prazo, como nas antigas dinastias. A China, a partir de 1980, apresentou as maiores taxas de crescimento econômico da história. Nunca antes um país se desenvolveu economicamente em tal rapidez e conseguiu ampliar de maneira substancial sua presença no cenário internacional. Esta forma de governo tem sido chamada de  “Consenso de Beijing” e tem colocado a China no caminho de conquistar uma hegemonia internacional, em um nivel superior do que o país já apresentou no passado.

Como a China é muito grande em termos territoriais e populacionais, o impacto do alto crescimento econômico sobre o mundo e o meio ambiente é enorme. Especialmente a partir do ano 2000, a China tem ampliado as suas exportações industriais e aumentado as suas importações de matérias-primas (commodities). A novidade é que a China tem conseguido ampliar suas exportações reduzindo os preços de suas manufaturas, enquanto os preços das comodities importadas tem crescido. Isto significa uma mudança nos termos de intercâmbio internacional, o que tem possibilitado que a China acumule reservas cambiais em seu comércio com os países desenvolvidos, garantido um alto crescimento dos países em desenvolvimento (Terceiro Mundo).

Ou seja, o mundo está passando por uma grande mudança econômica e por alteração no ritmo de crescimento entre os países e regiões do mundo. E tudo isto se deve ao enigma de uma “Dinastia comunista” que tem reconfigurado as relações políticas e econômicas da China e do mundo.

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José Eustáquio Diniz Alves