A nova política de cotas e o aumento das candidaturas femininas

As mulheres brasileiras já conseguiram reverter diversas situações desfavoráveis em diferentes áreas. Hoje as mulheres superam os homens em todos os níveis educacionais, possuem maior esperança de vida e já são maioria na população economicamente ativa com mais de 11 anos de estudo. Contudo, continuam excluídas dos espaços de poder, embora exista um esforço para vencer esta barreira.

A primeira experiência de políticas de cotas para aumentar a presença da mulher brasileira na política aconteceu logo após a IV Conferência Mundial de Mulheres, ocorrida em Beijing, em 1995. As Leis 9.100, de 1995 e 9.504, de 1997, estabeleceram regras para os partidos colocarem um percentual mínimo de candidaturas de cada sexo. A Lei mandou reservar 30%, no mínimo das vagas. Mas os partidos e o TSE, absurdamente, entenderam que a reserva não implicava preencher o espaço reservado.

Buscando o aperfeiçoamento da política de cotas, o movimento feminista e as forças sociais que defendem uma maior equidade de gênero na sociedade se mobilizaram para promover alterações na legislação eleitoral aplicável ao pleito de 2010 no Brasil. Depois de ampla negociação e da participação decisiva da atual bancada de deputadas federais, da Comissão Tripartite instituída pela Secretaria de Políticas para Mulheres (SPM), de acadêmicos e da sociedade civil foi aprovada uma nova redação na Lei 12.034, de 29 de setembro de 2009, que regula as eleições de 2010, e ficou assim redigida:

“Do número de vagas resultante das regras previstas neste artigo, cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% (trinta por cento) e o máximo de 70% (setenta por cento) para candidaturas de cada sexo”.

A alteração parece pequena, mas a mudança do verbo “reservar” para “preencher” significa uma mudança substancial na política de cotas.Com a nova redação, os partidos ficariam obrigados – no ato de registro da lista de candidaturas no TSE – a apresentar no mínimo 30% de candidaturas de cada sexo.

O resultado já pode ser percebido. O número de candidatas a deputadas federais passou de 490 mulheres (representando 11,41% do total), em 2002, para 737 candidatas (12,71%), em 2006 e chegou a 1253 candidatas (representando 21,45% do total), em 2010. Para deputadas estaduais, o número passou de 1767 (14,76%), em 2002, para 1995 (14,09%), em 2006, e chegou a 3225 (21,87%), em 2010. Portanto, houve um aumento considerável do número e do percentual de mulheres candidatas aos cargos proporcionais, em 2010, embora a cota de 30% não tenha sido alcançada.

Em 2006, a região Norte lançou 15,22% de candidaturas de mulheres e elegeu 13 deputadas federais, em 2006, representando 20% das 65 vagas disputadas, enquanto a região Sul lançou apenas 10,93% de mulheres, elegendo apenas 4 deputadas, representando 5,19% das 77 vagas disputadas. Em 2010, a região Sul lançou 26% de candidatas e deve eleger 12 deputadas federais, representando, 16% dos eleitos. Ou seja, a região Sul, com o maior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), possui a menor representação política das mulheres na atual Legislatura do Brasil, enquanto, a região Norte, com níveis baixos de IDH, possui a maior representação política feminina na Câmara Federal. A expectativa é que isto vai mudar no corrente ano.

Em parte, esta “distorção” na representação de gênero na Câmara Federal reflete uma peculiaridade do Federalismo brasileiro, pois o princípio: “cada cidadão um voto” não prevalece no sistema político brasileiro, já que os votos individuais dos moradores dos estados pequenos valem mais do que o voto dos estados grandes.

Por exemplo, segundo o censo demográfico de 2000, a população de Roraima, era de 324.397 habitantes, representando 0,2% da população brasileira e a população do Estado de São Paulo era de 37.032.403 habitantes, representando 21,8% da população brasileira (IBGE, 2001). Contudo, Roraima tinha 8 deputados, representando 1,6% do total de 513 parlamentares na Câmara Federal, enquanto São Paulo tinha 70 deputados representando somente 13,6% do total. Portanto, existe uma “discriminação positiva” regional no sistema eleitoral brasileiro que favorece os eleitores das Unidades da Federação (UF) pequenas em detrimento dos eleitores das UFs maiores (e geralmente mais ricas). Isto é, o sistema eleitoral brasileiro trata de maneira diferenciada os cidadãos das UFs menores e mais pobres daqueles da UFs maiores e, em média, mais ricos.

Outra possível explicação para a diferença entre as regiões Norte e Sul pode ser encontrada nas diferentes percentagens de mulheres candidatas, pois a região Norte lançou 15,22% de candidaturas femininas (elegendo 20% de mulheres), enquanto o Sul lançou 10,93% e elegeu somente 5,19% de deputadas federais, em 2006. Provavelmente, as maiores taxas de sucesso das mulheres do Norte se devem aos dois fatores: 1) necessidade de se conquistar um menor número de eleitores em termos absolutos; e 2) uma quantidade maior de mulheres candidatas, que aumentam as opções de escolha do eleitorado.

A novidade nas eleições de 2010 é que a região Sul tomou a dianteira no cumprimento das cotas de gênero nas eleições proporcionais, do corrente ano. Embora todas as regiões tenham aumentado o percentual de candidaturas femininas, a região Norte passou de 15,22%, em 2006, para 23,78%, em 2010, e a região Sul passou de 10,93%, em 2006, para 26,15%, em 2010.

Os dados do TSE, consultados em 27 de julho de 2010, mostram que houve aumento das candidaturas em todas as regiões. Com base em modelos estatísticos é possível se construir um cenário de aumento das deputadas que devem ser eleitas em cada região. Este número pode ser maior, dependendo da campanha e do acesso das candidatas ao tempo de propaganda eleitoral gratuita e aos recursos financeiros dos fundos partidários.

As projeções indicam que o Nordeste deve eleger menos de 10% de mulheres para deputados federais, enquanto a região Sul deve ultrapassar 15%. O Estado de Santa Catarina, por exemplo, lançou apenas 10,5% de candidaturas femininas para a Câmara Federal, em 2006, mas chegou a 30%, em 2010 (dados de 27 de julho). Além disto, existem duas mulheres disputando o governo do Estado: Ângela Amin (PP) e Ideli Salvatti (PT). Desta forma, as eleições catarinenses devem ser marcadas pela presença feminina e espera-se um aumento significativo no percentual de mulheres eleitas, comparados com outros estados da Federação.

Se a região Sul aumentar muito a participação feminina no Legislativo e no Executivo vai reestabelecer uma relação encontrada em outros países que aponta para uma correlação positiva entre o maior nível de inserção feminina nos espaços de poder e o grau de desenvolvimento humano, medido pelo IDH.

Tudo indica que as eleições de 2010 devem bater um recorde no número de mulheres eleitas para deputadas federais e estaduais. Contudo, este recorde poderia ser ainda maior se os 30% de piso mínimo de candidaturas para cada sexo fosse respeitado. Infelizmente, autoridades do TSE estão dizendo que a cota não foi cumprida porque não podem obrigar as mulheres a serem candidatas. Acontece que, neste ano de 2010, o país tem 2,5 mulheres para cada vaga da Câmara e quase 3 mulheres para cada vaga das Assembléias Legislativas (e distrital).

Portanto, não falta mulher candidata. Para que a disputa fique equilibrada e os eleitores tenham maior IGUALDADE DE OPORTUNIDADE DE ESCOLHA (de GÊNERO) a solução é restringir o número de homens, pois, o que não é possível e nem justo é o TSE ignorar a mudança da LEI e fazer uma interpretação que favorece ao tradicionalismo machista na política. Os partidos podem mudar suas listas até o dia 04 de agosto de 2010. O que se espera é que os 30% sejam respeitados e sejam apenas o primeiro passo rumo à Paridade, isto é, participação meio a meio para cada sexo nos espaços de poder.

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José Eustáquio Diniz Alves