Automóveis: transporte de multidões, desejo individual e ameaça ambiental

O número de veículos automotores (automóveis, caminhões e ônibus) atingiu a impressionante cifra de 1 bilhão de unidades em 2010, segundo a revista Ward’s AutoWorld. Em números redondos, são 700 milhões de automóveis e 300 milhões de caminhões e ônibus.

Esta marca foi atingida praticamente 100 anos depois da fabricação do Modelo T, da Ford, lançado em 1908. Como se sabe, Henry Ford revolucionou a industria moderna ao adotar a linha de montagem e a produção em série que permitiu a difusão da sociedade de consumo de massa. O automóvel é o principal símbolo desta industria que, para o bem ou para o mal, mudou o mundo.

Até 1970 a industria do automóvel estava concentrada nos Estados Unidos e na Europa e o número de automóveis no mundo chegou a marca de 250 milhões de unidades. Mas outros países entraram na produção, como Japão, Coréia do Sul, Brasil, México, etc. e o número de automóveis atingiu meio bilhão em 1986, dobrando em 16 anos. Com a entrada da China e da Índia (dentres outros países) a produção aumentou e a frota atingiu 1 bilhão de veículos em 2010, dobrando o montante de automóveis em circulação em 24 anos. Calcula-se que os 2 bilhões vão ser atingido até 2036 e 3 bilhões até 2050. De 1970 a 2010 o número de veículos em circulação no mundo aumentou 4 vezes e nos próximos 40 anos vai aumentar 3 vezes. Será um aumento de 250 milhões de automóveis para 3 bilhões em 80 anos. Enquanto a população deve se mutiplicar por 2,5 vezes o número de veículos automotores deve aumentar em 12 vezes de 1970 a 2050, graças à redução do preço e ao aumento da renda, em especial da nova “Classe média” mundial.

Desta forma, cresce o número de veículos por pessoa. Em 1960 existiam 24 habitantes no mundo para cada veículo automotor, sendo que este número caiu para 15 habitantes em 1970, 8,1 habitantes em 2000, 6,8 habitantes em 2010 e deve chegar a 4,8 habitantes em 2030 e a 3,2 habitantes por veículo em 2050. Ou seja, se os carros já estão por todas as partes hoje em dia eles vão ficar onipresentes até 2050.

Na última década houve não só um grande aumento da produção, mas a Ásia assumiu a liderança da fabricação mundial. No ano 2000 foram produzidos 58 milhões de automóveis, sendo que cerca de 70% na Europa e na América do Norte. No ano 2010 foram produzidos 78 milhões de automóveis, sendo somente 38% na Europa e na América do Norte.  A Améria do Sul produziu 5,7% do total, a África 0,6% e o grosso da produção ficou na Ásia, com 52% do total mundial. A frota de automóveis na China ultrapassou 100 milhões de unidades em 2011.

Portanto o automóvel deixou de ser um produto predominante do mundo desenvolvido ocidental e passou a estar cada vez mais presente nos países em desenvolvimento. China e Índia vão liderar a produção e a expansão do consumo de automóveis, seguidos pela América do Sul e podendo haver uma grande expansão na África. O mercado automotivo deve crescer com o aumento da renda mundial e a redução do preço unitário. Modelos indianos como o Nano, da Tata motors e ULC da montadora Bajaj têm preço em torno de US$ 5 mil dólares e devem ocupar uma grande parcela dos bilhões de veículos do mundo.

O fato é que o automóvel é um objeto de desejo das pessoas, pois significa acesso à mobilidade individual e até social e símbolo de status. O automóvel também é um veículo da liberdade sexual, inclusive sem ele não haveria os motéis que estão espalhados nas periferias de quase todas as cidades brasileiras. É por saber disto, por exemplo, que a monarquia teocrática da Arábia Saudita para manter a abominável segregação de gênero existente no país, proibe, entre outras coisas, que as mulheres sauditas possam ter carteira de motorista.

Mas se o automóvel resolve o desejo dos indivíduos, ao mesmo tempo ele se torna um grande problema urbano, pois a liberdade individual entra em choque com a mobilidade coletiva.  A cidade de São Paulo é o maior exemplo brasileiro de como o crescimento do número de automóveis se torna disfuncional, pois milhões de pessoas ficam presas em engarrafamentos mostruosos e o stress urbano e o tempo perdido durante o dia é um dos maiores desperdícios da sociedade moderna. Mas não só São Paulo, como a maioria das cidades brasileiras estão enfrentando os mesmos sérios engarrafamentos, embora em dimensões diferentes.

Outro problema da sociedade do automóvel são os acidentes de trânsito, as mortes e internações. Segundo dados do Ministério da Saúde, houve, em 2008, no Brasil, 47.354 mortes de homens por acidentes de trânsito e de 12.978 mulheres. Ou seja, 60 mil pessoas perderam a vida por acidentes de trânsito. O custo social é incalculável. Os pais perdem os filhos que criaram com sacrifício. Esposas e maridos perdem seus cônjuges. Filhos perdem seus pais. Famílias são dilaceradas e colocadas em situação de vulnerabilidade. Empresas perdem seus empregados e a sociedade perde seus cidadãos, principalmente nas idades mais produtivas em termos econômicos, sociais e culturais.

Além disto, existem outros custos para a sociedade e para o sistema de saúde, pois as internações por causas externas representaram cerca de 8% do total de internações em 2008 (foi o quinto maior motivo de hospitalizações). Isso significa que, para cada morte, aproximadamente sete pessoas são internadas. São muitos anos de vida perdidos pela mortalidade ou morbidade. Os orçamentos dos ministérios da saúde e da previdência são os mais afetados. Matéria do jornal Folha de São Paulo (26/12/2011) mostrou que o Brasil perdeu cerca de R$ 14,5 bilhões somente com os acidentes nas estradas federais em 2011.

Por fim, os veículos automotores são grandes responsáveis pela emissão de gases de efeito estufa (GEE) que provocam o aquecimento global. Mesmo que o uso de combustíveis fósseis venha a ser substituído pelos biocombustíveis e a eletricidade (produzida por energias renováveis do sol e do vento), mesmo assim toda a cadeia produtiva dos automóveis vai continuar tendo um grande impacto negativo sobre o meio ambiente. E o impacto vai ser realmente preocupante quando a frota mundial chegar a 3 bilhões de veículos automotores em 2050.

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José Eustáquio Diniz Alves