Brasil e a migração internacional: refugiados do clima e da crise econômica

Em fevereiro de 2011 escrevi aqui no OPS o artigo “Nova reversão do fluxo da migração internacional do Brasil?”, onde comentava que o Brasil deixou de ser “importador líquido” de pessoas desde 1980 para se tornar “exportador líquido” até recentemente. Mas com a queda das taxas de fecundidade e a retomada do crescimento econômico, poderia haver uma reversão da reversão da migração. Constatei o seguinte: “Se o Brasil tiver uma política macroeconômica que leve o mercado de trabalho a uma situação próxima do pleno emprego, na corrente década, pode haver uma reversão do fluxo migratório internacional, com menos brasileiros querendo sair do país e mais estrangeiros querendo se mudar para as terras tupiniquins”.

No início do ano havia uma esperança de crescimento da economia internacional.  Mas no decorrer de 2011 o horizonte ficou mais escuro e carregado. A luz do fim do túnel está cada vez mais fraca, ofuscada pelas crises econômica e ambiental.

O cenário mais dramático é o da Europa, especialmente dos países mediterrâneos. Os chamados PIIGS (Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha) são países de baixa fecundidade e de população bastante envelhecida. Só não existia decrescimento demográfico porque estes países recebiam migrantes da América Latina, África e Ásia.

Mas a crise econômica européia está não só levantando um muro invisível contra a entrada de novas pessoas, mas está se tornando uma catapulta que expulsa não só os imigrantes mais vulneráveis, mas mesmo os nativos europeus que não encontram meios de vida e esperança para continuar residindo no “velho continente”.

Desta forma, existem diversas estimativas populacionais mostrando que os PIIGS já começaram a viver a fase de redução demográfica. O destino preferido dos migrantes e dos cidadãos da Europa mediterrânea é a América Latina e, especialmente, o Brasil, conforme mostra o aumento recente do registro de vistos de trabalho para estrangeiros, segundo estatísticas do governo brasileiro. A taxa de desemprego aberta do IBGE, para o mês de outubro ficou em 5,8%, a mais baixa do século.

O Brasil também pode se tornar um destino para os refugiados do clima (ecomigrantes) e para os refugiados dos acidentes naturais, como é o caso das vítimas do terremoto do Haiti. O derretimento das geleiras dos Andes e a consequente falta de água, pode provocar a migração, por exemplo, de bolivianos para o Brasil. A seca e a insegurança alimentar da África pode ser o gatilho para a migração africana para a América Latina. As populações atingidas pela elevação do nível do mar, como em Tuvalu ou Bangladesh, podem precisar do refúgio brasileiro.

Resta saber se o Brasil estará preparado para receber, do resto do mundo, os refugiados das crises econômica e ambiental.

Dizem que existe “apagão de mão-de-obra” no Brasil. Mas os dados do censo demográfico de 2010 mostram que existia cerca de 100 milhões de pessoas ocupadas no país e 130 milhões de pessoas em idade de trabalhar (15-64 anos). Existe, portanto, um hiato de 30 milhões de pessoas fora do mercado. Mesmo considerando que parte destes 30 milhões estejam estudando ou já aposentados, há um excedente de pessoas em idade ativa que não está conseguindo empregos. Além disto, cerca de metade da população economicamente ativa (PEA) vive na informalidade. Mesmo em um cenário otimista de crescimento da economia brasileira,  a chegada ao pleno emprego ainda é uma estrada que exige uma longa caminhada, debaixo de sol e chuva.

Por fim, o Brasil vai ter que enfrentar o problema dos seus próprios refugiados climáticos. As consequências da seca do Nordeste já foram tratadas nas obras de Graciliano Ramos e nas músicas de Luiz Gonzaga. Mas vamos ter que enfrentar a situação de populações litorâneas deslocadas pela elevação do nível do mar ou pelos problemas ambientais, como o vazamento de petróleo e os seus efeitos sobre a vida marinha. Existem os deslocados em decorrência do crescimento das áreas produtivas tomadas pelo processo de desertificação. Além disto, as populações urbanas em áreas de risco vão ter que mudar em decorrência do aumento das chuvas e das enchentes.

A visão do Brasil como um Eldorado, refúgio de imigrantes e celeiro do mundo pode não corresponder à realidade, cada vez mais crua e nua.

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José Eustáquio Diniz Alves