Demografia By José Eustáquio Diniz Alves / Share 0 Tweet “A elite não sabia o que era capitalismo. Precisou que um metalúrgico socialista chegasse ao poder para ensinar a fazer capitalismo neste país” (Lula, em Porto Alegre, 29/07/2010). Existe uma insatisfação geral com o nível dos programas e dos debates nas eleições de 2010. Será que estamos presenciando o fim da política ou o fim das ideologias? Parece que o segundo caso é o mais verdadeiro. Pode-se dizer que, nas eleições gerais do Brasil de 2010, a antiga discussão sobre a “sociedade sem classes” foi substituída pela bandeira de uma só classe ou “sociedade de classe média”, definida não por sua posição no processo de produção, mas sim no processo de consumo. A desideologização da política, não é uma coisa nova e já havia sido tratada no livro “O fim da ideologia” de Daniel Bell, de 1960. Para este autor, a sociedade capitalista e liberal, de consumo de massas, possibilita o aplainamento dos antagonismos de classe reduzindo as contradições entre capital e trabalho. Na sociedade sem ideologia, o papel do Estado seria garantir a governança política e a eficiência econômica para reduzir a pobreza e possibilitar uma melhor qualidade de vida para a população. A democracia seria mais adequada ao capitalismo do que os regimes autoritários (fascismo, nazismo, stalinismo, ditaduras militares, etc). O sistema capitalista, com “justiça social”, seria mais eficiente do que o socialismo, o comunismo, etc. Nas eleições 2010, entre as grandes candidaturas, o marketing político e a americanização das eleições – com discursos orientados pelas pesquisas qualitativas – são mais importantes do que o enfrentamento ideológico. A ideologia ficou restrita a algumas propostas das candidaturas “nanicas”, como no já folclórico refrão “Contra burguês, vote dezesseis”. Aliás o PSTU não deixa de apresentar propostas ideológicas, tais como: · Não pagamento da dívida externa e de seus juros;· Tributar as grandes fortunas e combater a sonegação fiscal;· Reajuste mensal de salários! Salário mínimo do DIEESE;· Congelamento dos preços, tarifas e mensalidades escolares;· Combater o desemprego: por um plano de obras públicas e redução da jornada de trabalho sem redução dos salários;· Realizar uma reforma agrária ampla e radical sob controle dos trabalhadores;· Expropriação sem indenização dos latifúndios;· Estatização do sistema financeiro;· Expropriação das grandes empresas e reestatização das empresas privatizadas;· Pelo monopólio do comércio exterior;· Aliança dos trabalhadores da cidade e do campo e governo dos trabalhadores. Porém não parece existir qualquer mobilização por tais ideologias, que soam para os eleitores como anacrônicas e intempestivas. Os candidatos da chamada “extrema esquerda” – que são aqueles candidatos que defendem a ideologia de esquerda de cunho marxista – ficaram completamente isolados e não repetiram a performance de 2006 quando a candidata Heloísa Helena, do PSOL, com seu discurso raivoso e moralista, teve cerca de 7% dos votos. Plínio de Arruda Sampaio, em 2010, tenta passar o programa do PSOL de maneira mais leve e divertida. Mas parece que não vai conseguir romper com a polarização da disputa e nem romper a barreira de 1% dos votos. O isolamento dos “ex-radicais do PT” é mais um indicador do processo de desideologização. A falta de alternativas mais à esquerda contribuiu para a pauperização do debate político, que foi ainda acentuado devido à falta de profundidade do diagnóstico e de clareza do receituário oferecido pelos grandes partidos. A disputa plebiscitária envolvendo PT versus PSDB ou Lula versus FHC, também reduz o escopo do debate, que em vários momentos foram substituidos pelas denuncias. Os escândalos de corrupção, geralmente pouco investigados e solucionados, funcionam como um eclipse do debate político. A política ficou sem graça, especialmente com a proibição dos humoristas fazerem piadas. Em compensação o palhaço Tiririca promete fazer da política uma grande piada e deve ser um dos deputados mais votados em São Paulo. Mas falando sério, a proliferação de candidaturas sem conteúdo político, como das “mulheres frutas”, de jogadores de futebol e de figuras folclóricas, apenas reforçam o processo de desideologização. Os comícios e passeados das candidaturas tem sido feitas com pessoal contratado e não com a adesão voluntária de militantes desinteressados. Mas os temas políticos não desapareceram totalmente, pois, em geral, são tratados de uma forma asséptica. Vejamos alguns exemplos: · O conflito distributivo não é tratado no aspecto da disputa entre as classes, mas sim no seu aspecto mais visível da concentração pessoal de renda. As propostas variam na abrangência e na temporalidade da recuperação do salário mínimo, das transferência de renda (como o Bolsa Família), nos reajustes das aposentadorias, redução da pobreza e crescimento da classe média, etc.· A essência do mundo do trabalho não é problematizada e a discussão gira em torno da criação de emprego, redução do desemprego, a gerência do Fundo de Amparo ao Trabalhador, etc.· Na educação se discute a criação de Escolas Técnicas, o PROUNI e algumas medidas para melhorar a qualidade do ensino, como dois professores por sala de aula, um computador por aluno, etc.· Na saúde as propostas vão no sentido de recuperar as perdas das receitas decorrentes do fim da CPMF, fortalecer o SUS, reduzir filas, criar UPAs 24 horas, melhor assistência às gestantes, etc.· Na segurança as propostas giram em torno de criar um Ministério da Segurança, colocar mais policiais nas ruas, melhorar os salários dos policiais, combater as drogas e especialmente o crack, etc.· Em relação ao Meio Ambiente as propostas são de investir em saneamento básico, aumentar impostos para indústrias poluentes e adotar incentivos para empresas e famílias se adaptarem às mudanças para redução de emissões de gases estufa, cobrar royalties maiores das mineradoras, etc Porém, o que mais reforça o sentimento de despolitização, além da falta de programas com projeto da nação que queremos, é a falta de fronteiras ideológicas que permite que o PT se alie com o PMDB e o presidente Lula possa compartilhar o palanque com figuras como Sarney, Collor, Jader Barbalho, Maluf, etc. Alianças políticas que não eram vistas nem em eleições muncipais agora fazem parte do cenário nacional. Figuras proeminentes da época autoritária agora convivem com as vítimas que sofreram nas prisões da ditadura. Não é de se estranhar que a maior discussão existente no país gira em torno do valor das indenizações pagas pelo erário público às vitimas da ditadura. Como bem assinalou o competente editorialista do OPS, André Egg, em postagem de 03 de setembro, Cadê a Política?: “Tudo isso torna o lulismo uma força muito poderosa. Só que, como demonstram as análises citadas, o lulismo esvazia a discussão política. Maior mostra disso é que faltam 22 dias para a eleição, e ainda não existe um programa de governo da candidata Dilma”. A falta de projetos de longo prazo para a nação é um fato comum, tanto no governo, quanto na oposição. No processo eleitoral, sequer foi debatido o projeto “Brasil 2022: o bicentenário da independência e o país que queremos” da Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE). O embate de biografias ficou mais importante do que o embate de projetos. O populismo e a tutela tem ganhado terreno em relação à organização autônoma dos trabalhadores. Não deixa de ser um processo em que o Estado substitui a sociedade civil. Existe uma voz de cima prevalecendo sobre a cacofonia dos sons fragmentados enviados por aqueles que vivem no “andar de baixo”. Mas o fato é que o crescimento da classe média tem se tornado mais importante do que as disputas de classe. Existe uma redução das diferenças entre as forças de direita e de esquerda, contribuindo para a opacidade ideológica. Alguns dizem que, simplesmente, o Brasil está abraçando a social-democracia, implementando o Estado de bem-estar social e consolidando a democracia, embora esteje longe de atingir os padrões europeus. Mas como interpretar este processo de desideologização? Alguns dizem que o Brasil está simplesmente rompendo com antigas tradições políticas próprias da América Latina e ficando mais parecido com países do chamado Primeiro Mundo. Outros dizem que o enfraquecimento dos partidos e dos programas partidários é uma regressão e uma volta do culto do líder personalista e paternalista que esvazia as possibilidades de organização social e de expressão das massas. Como analisar a nova correlação de forças e as perspectivas para o próximo governo? Será um governo da classe média? As lideranças do Partido dos Trabalhadores vão realmente “ensinar a fazer capitalismo neste país”, como disse o Presidente Lula na epígrafe deste artigo? Como articular utopia e pragmatismo, fazendo da política uma atividade construtiva e não destrutiva?