Dia das Mães

As mães são o esteio da família e da sociedade? Elas são rainhas ou escravas do lar? A super-mãe é um fator de proteção dos filhos ou uma castradora que impede o desenvolvimento de indivíduos autônomos? Desmaternizar e desfamilizar o Dia das Mães é olhar para outras dimensões além do “mito da maternidade”.

 

Assim como outras datas festivas, o Dia das Mães é uma oportunidade para que as pessoas se encontrem e, no caso específico, para que filhos possam compartilhar com suas progenitoras as alegrias e tristezas de uma história de sucessão de gerações e valores. É uma oportunidade para reunir toda a família, almoçar em um restaurante (dando um dia de folga para a cozinha doméstica) e para que o comércio possa fazer suas promoções e vender bastante artigos femininos e caseiros.

Em geral, o Dia das Mães e o mito da maternidade andam juntos. O culto das mães como esteio da família e “Rainha do Lar” é demonstrado nas expressões: “Mãe ama incondicionalmente ”; “Amor de mãe é perfeito ”; “Ser mãe é padecer no paraíso ”. A ideologia dominante e o imaginário social reforçam a figura materna como a de uma mulher perfeita, assexuada, santa e totalmente responsável pela felicidade e progresso dos filhos. Existe, também, uma ideologia que sustenta que uma mulher jamais seria “verdadeiramente mulher” sem a experiência da maternidade.

Faz parte do mito da maternidade a seguinte frase: “Ser mãe é a maior realização pessoal que uma mulher pode almejar”. Embora toda mulher tenha uma mãe, nem toda mulher quer ser mãe, não existindo consenso sobre a necessidade de ser mãe para ser feliz. Mas o culto do Dia das Mães e da “maternidade como destino” tem levado muitas mulheres a se sentirem culpadas por negarem esta máxima. As mulheres e os casais sem filhos comemoram o Dia das suas Mães (suas acendentes), mas, não tendo descendentes, quebrarão a corrente da sucessão das gerações e das comemorações do segundo domingo de maio.

Algumas mulheres sucumbem ao mito e acabam gerando filhos para escaparem da culpa e tentarem sentir a felicidade preconizada. Tornam-se mães sem estarem preparadas e acabam sendo mais infelizes ainda. Em consequencia fazem descendentes também infelizes. A relação mãe-filho pode gerar indivíduos saudáveis, sadios, felizes e socialmente integrados ou pode gerar indivíduos doentes, infelizes e com fortes problemas de sociabilidade. Como diria Freud, o Complexo de Édipo caracteriza-se por sentimentos contraditórios de amor e hostilidade, pois o processo de diferenciação da criança é permeado pela identificação com os pais e a formação de um novo sujeito, com seu ego próprio, constrói as características mais importantes do desenvolvimento do indivíduo e sua relação com a sociedade.

Dizer que a mãe é o esteio da família e a principal responsável pela criação dos filhos é jogar uma carga muito grande sobre a mulher, ao mesmo tempo que desresponsabiliza os homens e a sociedade pela cuidado e educação dos filhos. Mães “endogâmicas” são aquelas que se fecham dentro das suas famílias, anulam a si mesmas e não se abrem para a convivencia social. Estas mães, em geral, impedem o livre desenvolvimento social dos seus filhos e de si próprias.

Evidentemente existem muitas mães que são felizes com seus filhos e com seus casamentos. Ou existem mães felizes mesmo fora do matrimônio ou mesmo com o fim do casamento. O fato é que existem muitas mães que são relativamente jovens e são solteiras, separadas, divorciadas ou viúvas. O padrão de fecundidade no Brasil é rejuvenescido, isto é, as mulheres começam a ter filhos cedo e atingem o tamanho ideal de família também em idades jovens. Como a esperança de vida tem aumentado, as mulheres possuem muitos anos entre a última gravidez e o fim da sua longevidade.

No tempo que a esperança de vida ainda era baixa, Balzac escreveu o livro “A mulher de 30 anos” para denunciar os problemas da vida amorosa feminina e o fracasso do casamento. Ele quis mostrar que existia uma vida ampla e cheia de aventuras depois dos 30 anos. A mulher balzaquina é uma realidade cada vez mais presente no mundo atual com maior esperança de vida e com maior autonomia feminina. A maioria das mães brasileiras são relativamente jovens e possuem inúmeros desejos e projetos de atuação social que vão além da maternidade ou da maternagem. Elas querem se realizar enquanto mulheres e, não necessariamente, enquanto mães. Mesmo porque, ser mãe não significa deixar de ser mulher, muito menos colocar fim à sexualidade e à vida social.

Desta forma, mesmo reconhecendo a importância da maternidade e do “ser mãe” seria um equívoco reduzir a vida de uma mulher a este ideal. As mães casam e descasam, namoram, casam de novo, estudam, trabalham, viajam, sofrem, se divertem e querem gozar a vida. Portanto, o Dia das Mães deve ser democrático e abarcar todas as possibilidades e situações da diversidade demográfica brasileira.

Desmaternizar o dia das mães significa reconhecer as diversas dimensões da vida feminina. Desfamilizar significa reconhecer que o cuidado e a educação dos filhos é uma tarefa que requer a presença masculina e um compromisso da sociedade como um todo. Principalmente, é preciso considerar que o culto da mãe protetora tem um quê de infantilidade e falta de decisão para usar o coração e a razão para sair da menoridade sexual e intelectual.

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José Eustáquio Diniz Alves