Dilma vai ganhar no primeiro turno?

A eleição presidencial de 2010 passou a ser liderada por uma mulher e o Brasil pode presenciar uma alternância de gênero na sucessão presidencial já em 03 de outubro. Nos primeiros três meses de 2010, o candidato José Serra apresentava algo em torno de 40% das intenções de voto e Dilma Rousseff estava com cerca de 30%, na média das diversas pesquisas eleitorais de caráter nacional. Na primeira semana de agosto, a diferença tinha praticamente se invertido, com Serra caindo para 31,6% e 34% e Dilma chegando a 41,6%% e 39%, segundo, respectivamente, os Institutos Sensus e Ibope. No dia 13 de agosto (uma sexta-feira com o número do PT) o Datafolha apontou, pela primeira vez, a reversão da liderança, com Dilma atingindo 41% das intenções de voto e Serra com 34%. As tendências indicam que a “mulher do Lula” vai ganhar as eleições no primeiro turno. Estas constatações não significam que o autor esteja apoiando qualquer candidato, mas apenas analisando os fatos objetivos e sistematizando 10 fatores que podem ajudar a compreender a reversão das intenções de votos entre as duas principais candidaturas.

Antes de tudo, há de se registrar que o interesse do eleitorado e o nível de conhecimento das candidaturas no início do ano eram baixos, significando que existia uma grande parcela do eleitorado que não havia decido o voto. O candidato José Serra, já tendo disputado uma eleição presidencial tinha o seu nome lembrado por maior número de pessoas (na verdade os índices de Serra em janeiro de 2010 eram muito parecidos com o percentual que ele obteve no segundo turno das eleições presidenciais de 2002). Já a candidata Dilma Rousseff, sendo novata na disputa eleitoral, não era suficientemente conhecida e ainda não havia se confirmado como a única candidata apoiada integralmente pelo governo Lula. Mas no decorrer do ano, as duas candidaturas seguiram rumos inversos. Abaixo são listados 10 motivos para se entender a dinâmica eleitoral de 2010:

1) Desempenho econômico do país

A dinâmica e as expectativas econômicas têm favorecido a candidatura governamental. O período 2004-2008 é conhecido como o quinquênio virtuoso, pois a economia brasileira voltou a crescer acima da média do período recente, desde a redemocratização, com redução da pobreza e das desigualdades. Embora tenha havido uma interrupção no ano de 2009, a primeira década do século XXI tem sido melhor do que as duas décadas anteriores. O Brasil saiu-se relativamente bem da crise internacional, com o PIB estagnado, mas sem aumento substancial do desemprego e da pobreza. Já o ano de 2010 começou com a economia aquecida e com aumento do emprego. No mês de janeiro houve aumento do sálario mínimo. A massa salarial e o consumo cresceram no primeiro trimestre a níveis chineses.

O Banco Central aumentou a taxa de juros a partir do mês de maio, reduzindo o ritmo do PIB, mas a economia brasileira deve apresentar um crescimento em torno de 7%, o que é um das maiores taxas dos últimos 30 anos. Os juros altos e a valorização cambial funciona como contraponto ao aumento da inflação. O real forte aumenta o poder de compra nacional. Embora estes dois fatores aumentem o perigo de desindustrialização do país e o agravamento da chamada “doença holandesa”, os números atuais favorecem a candidatura identificada com o governo e enfraquecem as candidaturas de oposição.

2) O desempenho econômico do Nordeste

O Brasil vem passando por um processo de desconcentração regional, desde pelo menos os anos de 1980, com a perda relativa do peso dos estados do Rio de Janeiro e São Paulo. As regiões Centro-Oeste, Norte e Nordeste tem apresentado maiores taxas de crescimento do que a região Sudeste. No período recente, entre 2003 e 2009, o Nordeste cresceu proporcionalmente mais do que a economia nacional, apresentando variação de 30%, contra 28% da média nacional. Em 2009, o crescimento do Nordeste foi de 2,6% contra uma redução de 0,2% do país.

No primeiro trimestre de 2010, o Brasil cresceu 9% e o Nordeste 9,6%. Entre as razões do maior crescimento proporcional da economia do Nordeste, encontram-se os programas de transferência de renda, o aumento da oferta de crédito, as vendas do varejo, os investimentos públicos e privados na região e a ascensão de classes pobres. Todos estes fatores favorecem a avaliação positiva do Governo Federal, enfraquecem as candidaturas de oposição e favorecem o bom desempenho da candidata da situação na região.

3) Políticas sociais e redução da pobreza e das desigualdades

Além do crescimento econômico, do crescimento do emprego e redução do grau de informalidade, quatro políticas públicas recentes tiveram efeitos no processo de mobilidade social ascendente, com redução da pobreza e das desigualdades : a) valorização do salário mínimo; b) aumento da cobertura do Benefício de Prestação Continuada – BPC/LOAS; e c) aumento da cobertura das políticas de transferência de renda, especialmente o Programa Bolsa Família (PBF); d) expansão do crédito. De fato, o salário mínimo teve uma valorização real de cerca de 52% entre 04/2002 e 01/2010. Os valores investidos no BPC subiram de R$ 2,6 bilhões em 2001 para R$ 13,8 bilhões em 2008, e no Programa Bolsa Família, passaram de R$ 3,6 bilhões em 2003 para R$ 10,6 bilhões em 2008. A expansão do crédito permitiu que amplas parcelas da população tivessem acesso ao consumo, incluindo telefone celular (inclusão digital), TV de tela plana (bens de consumo duráveis), iogurte (alimentos processados) e shampoo (produtos de higiene e beleza). Estas políticas contribuíram para aumentar a abrangência do sistema de proteção social no país, para aliviar a situação de vulnerabilidade e fome por parte das parcelas mais pobres da população e para criar a sensação de que as classes pobres passaram a ter acesso ao “paraíso do consumo”. O retorno eleitoral junto ao eleitorado de baixa renda (e sem fortes níveis de organização política e social) é evidente e favorece à candidata do governo.

4) Saida de Ciro Gomes e apoio do PSB

O presidente Lula nunca acreditou na possibilidade de ter dois candidatos do bloco governista. A saída de Ciro Gomes poderia ter sido mais dramática. Ciro fez várias críticas quando foi “rifado”, mas não teve impacto negativo na candidatura Dilma. Os dados das pesquisas mostram que Dilma subiu depois que Ciro deixou de ser candidato. Além disto o apoio do partido de Ciro tem sido importante. O PSB possui atualmente 27 deputados federais e 4 governadores, dentre eles Eduardo Campos, em Pernambuco, e Cid Gome, no Ceará, ambos com altos índices de popularidade e com reais chances de vitória consagradora no primeiro turno. A participação do PSB na coligação de Dilma foi importante para unificar a candidatura do governo e identificar Dilma Rousseff como a única apoiada pelo Presidente Lula.

5) Consolidação de uma forte coligação

Num país com alta fragmentação partidária, como o Brasil, uma política de aliança é fundamental para dar sustentação política às candidaturas e para garantir a governabilidade. O governo Lula conseguiu contruir um arco de alianças bastante amplo para viabilizar a candidatura Dilma. A construção da coligação “Para o Brasil seguir mudando” envolveu a junção dos seguintes partidos: PT/PMDB/PR/PSB/PDT/PSC/PC do B/PRB/ PTN/PTC. Estes 10 partidos possuem cerca de 60% dos deputados da Câmara Federal e, aproximadamente, o mesmo percentual de candidatos aos cargos proporcionais em 2010.

A própria aliança entre PT e PMDB, os dois maiores partidos do país, indicando a candidata a presidente e o candidato a vice-presidência já é uma construção inédita na história destes partidos, que sempre foram mais adversários do que aliados. O PR abriu mão de candidaturas majoritárias à governos estaduais em troca de apoio à candidatura presidencial e como meio de aumentar as bancadas de deputados estaduais, federais e senadores. Portanto, a política de alianças do PT foi mais efetiva do que a do PSDB que teve vários abalos com o DEM (e houve muito desgaste com o processo que concluiu com a indicação do vice Índio da Costa).  Evidentemente a união de entidades como CUT e MST e figuras como Sarney e Collor geram tensões e confundem os objetivos programáticos. Mas em termos eleitorais, a coligação “Para o Brasil seguir mudando” se apresenta como uma aliança muito forte, ao contrário, por exemplo, da candidata Marina Silva, do PV, que não possui aliados formais e carece de recursos financeiros e políticos.

6) Palanques estaduais
 
A coligação nacional foi articulada também no sentido de fortalecer os palanques estaduais. Em Minas Gerais o presidente Lula conseguiu realizar uma proeza ao induzir o PT a abrir mão de uma candidatura própria ao governo estadual, para apoiar o candidato Hélio Costa do PMDB e ainda conseguir que o ex-ministro Patrus Ananias (do Bolsa Família) concordasse em concorrer como vice na chapa do PMDB, antigo desafeto do PT e dos setores progressistas do estado. Com o forte palanque estadual e o fato da candidata Dilma ter nascido em Belo Horizonte, não é de se estranhar a virada em Minas, que é um Estado decisivo nos resultados eleitorais e que representa uma síntese do Brasil, como já disse o antropólogo Darcy Ribeiro (1922-1997): “Minas foi o nó que atou o Brasil e fez dele uma coisa só”.

No Maranhão o PT foi enquadrado no sentido de apoiar a família Sarney, a despeito da greve de fome de Manoel da Conceição que é considerado uma das mais importantes lideranças camponesas do Brasil de todos os tempos. No Paraná, o presidente Lula conseguiu neutralizar o eventual vice de Serra – senador Alvaro Dias, e montou um palanque forte para Dilma, juntando Osmar Dias e Requião, dentre outras lideranças. Por outro lado, José Serra teve que procurar um vice junto ao DEM e acabou protagonizando uma semana muito confusa e desgastante com a escolha do deputado Índio da Costa, do Rio de Janeiro. Também no Rio de Janeiro Serra perdeu o apoio de um possível vice-presidente que é o senador Francisco Dornelles, do PP (partido que no plano nacional ficou neutro na coligação mas apoia majoritariamente a candidata Dilma). No terceiro colégio eleitoral do país, o estado do Rio, Serra não tem palanque e está muito atrás nas pesquisas.

7) Recursos financeiros e tempo de propaganda gratuita

Dados de início de agosto indicam que Dilma recebeu doações de R$ 11,6 milhões, duas vezes o que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva obteve na campanha pela reeleição há quatro anos (R$ 5,7 milhões), enquanto Serra terminou o primeiro mês de campanha com o valor de R$ 3,6 milhões. Para a divulgação das propostas, a candidata do PT terá 40% do total do tempo de TV destinado à propaganda eleitoral dos postulantes ao Palácio do Planalto, que começa em 17 de agosto. A fatia é 35% superior à que terá o tucano José Serra e representa fato inédito na história do PT, pois em nenhuma das cinco eleições presidenciais desde a redemocratização o partido ocupou o maior espaço na TV.

8) Apoio de importantes igrejas evangélicas

Em 1989, a Igreja Universal fez uma campanha radical contra o candidato Lula. Mas atualmente, principalmente com a intermediação do Bispo Marcelo Crivela, a Igreja Universal é forte aliada da candidata do PT. Em julho, Dilma Rousseff, recebeu também o apoio de representantes de 15 igrejas evangélicas. O pastor e deputado Manoel Ferreira (PR-RJ), presidente de uma das maiores denominações pentecostais, a Assembleia de Deus, do Ministério de Madureira, defendeu o voto em Dilma e agradeceu Lula pela lei que regulariza os templos erguidos em áreas públicas da União. Este apoio aconteceu embora a candidata Marina seja evangélica da Assembléia de Deus. O apoio dos evangélicos é importante para conquistar o eleitorado feminino, pois as mulheres são maioria dos filiados às igrejas pentecostais.

9) Diferenças no eleitorado em termos de gênero

Não deixa de ser surpreendente que a candidata Dilma Rousseff tenha maior apoio entre o eleitorado masculino do que entre o feminino. Acontece que Lula também sempre teve mais apoio entre os eleitores e seu governo é melhor avaliado pelos homens. Outro fator que influi nos resultados das pesquisas são os maiores índices de indefinição dos votos entre as mulheres. Acontece que a maior parte das mulheres que ainda não definiram os votos são de baixa renda e baixa escolaridade. A maioria não conhece bem a candidata Dilma e não sabem que ela é a candidata governista. Porém,  a tendência desta parcela do eleitorado é votar a favor da situação. Isto acontece principalmente para as mulheres beneficiárias pelo programa Bolsa Família e pelo BPC/LOAS. Assim, é de se esperar que os percentuais de intenção de votos de Dilma, entre as mulheres, suba após o início da propaganda eleitoral gratuíta, que chega à maioria absoluta dos domicílios brasileiros. O fato de Dilma poder se tornar a primeira presidenta do Brasil pode ser um fator positivo para conseguir os votos das mulheres.

10) Apoio efetivo de Lula: carisma, bonapartismo, lulismo

Há muito tempo o poder de influência de Lula é maior do que a capacidade de mobilização do PT. Depois da crise do mensalão, em 2005, Lula ficou ainda maior do     que o PT. Com o “quinquenio virtuoso” (2004-2008) e o alto crescimento econômico de 2010, o Brasil assistiu a um processo de redução da pobreza, das desigualdades e de mobilidade social ascendente que transformaram o Presidente Lula em uma figura central da política nacional. A melhor inserção internacional do país e o maior protagonismo brasileiro nos fóruns internacionais reforçaram a imagem de estatista do Presidente. Evidentemente, a atuação do governo brasileiro no plano interno e internacional não está livre de críticas, mas, sem dúvida, não há como deixar de reconhecer que o Brasil passa por uma fase muito favorável, depois de quase 30 anos de estagnação e pessimismo.

Segundo André Singer, professor da USP e ex-secretário de Imprensa e ex-porta-voz do governo Luiz Inácio Lula da Silva, o “fenômeno” Lula descolou-se do PT e criou o lulismo que provocou um novo alinhamento social no país. A classe média “alta” que apoiava o PT se afastou, mas Lula conquistou o chamado subproletariado, que se transformou em ator político. O fato é que Lula criou uma base de apoio entre a população mais pobre do Brasil, o que possibilitou uma certa “autonomia bonapartista”.

Esta comunicação direta do Presidente Lula com as massas faz com que a candidata Dilma possa contar com uma base social ampla e que vota com o governo. Boa parte desta base social do lulismo ainda aparece como “indecisa” nas pesquisas, pois Dilma Rousseff ainda é desconhecida para estes eleitores. Assim, a perspectiva é que a candidatura governista continue a sua trajetória ascendente na medida em que este eleitorado de baixa renda se defina nas pesquisas de intenção de voto. Tudo isto aumenta a probabilidade das eleições serem definidas no primeiro turno.

Por fim, caso Dilma confirme o favoritismo e vença, resta saber se toda esta força vai ser capaz de resolver os principais problemas do país e colocar uma agenda que, respeitando os fundamentos da economia, promova o progresso da qualidade de vida, inclusão social, equidade de gênero e sustentabilidade ambiental.

 

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José Eustáquio Diniz Alves