Família DINC como estratégia de mobilidade social

Casais adotam a família DINC – Duplo Ingresso, Nenhuma Criança – como uma estratégia de mobilidade social ascendente, em uma sociedade afluente, aonde o fluxo intergeracional de riquezas vai das velhas para as novas gerações.

As pessoas adotam estrutura de família e número de filhos de acordo com uma estratégia que busca conciliar dois princípios: 1) segurança (evitar o descenso social); e 2) mobilidade social ascendente. Susan Greenhalgh (1988) considera que a meta básica de qualquer indivíduo (ou casal ou família) é garantir e, se possível, melhorar seu status social e sua posição econômica e política na sociedade. A segurança é o primeiro degrau que, uma vez alcançado, serve de base para os degraus seguintes a serem galgados pelo processo de mobilidade. Segundo Greenhalgh:

“Linking security to mobility provides a broader framework that should embrace a wider range of intersocietal and intertemporal variations in fertility. A fertility-as-mobility approach also has a theorical advantage. Because mobility strategies vary with political and economic allows us to incorporate fertility behavior and change into broad social science theories of economic and political development” (p. 638).

Um adolescente, em geral, mora com os pais (um ou mais parentes), estuda, não trabalha e não tem filho. A transição para a vida adulta acontece, no todo ou em parte, com as seguintes alternativas: a) saída da escola; b) entrada no mercado de trabalho; c) casamento; d) constituição de uma nova moradia; e) nascimento de um filho;

As pessoas podem optar por diferentes combinações destas 5 alternativas. Por exemplo, uma adolescente pode ter filho antes do casamento e pode continuar na casa dos pais completando os estudos ou casar e formar uma outra moradia, enquanto uma outra só decida ter filhos depois de concluir os estudos, ter uma boa posição no mercado de trabalho e um bom casamento, etc.

A decisão de ter ou não filhos, ou ter uma prole pequena ou grande, faz parte de um conjunto maior de comportamentos ou estratégias que visam garantir em primeiro lugar a segurança e, em segundo, a mobilidade social ascendente. Mas estas estratégias variam com o quadro econômico, social e institucional mais amplo.

Existia um regime de alta fecundidade no Brasil quando prevalecia no país uma economia de subsistência e uma produção agrícola de base cafeeira ou açucareira, em um quadro que não havia políticas públicas consolidadas. Naquela época, ter muitos filhos era uma estratégia de segurança e de mobilidade social, pois o fluxo intergeracional de riqueza – na acepção de Caldwell – ia das jovens para as velhas gerações. Os filhos eram fonte de poder e prestígio dos pais. Uma família extensa garantia segurança individual em uma época que não existia um sistema de previdência e outros mecanismos de proteção social. Existia uma forte divisão sexual do trabalho e cabia à mulher/esposa, prioritariamente, a criação dos filhos e o cuidado dos afazeres domésticos.

Porém a fecundidade caiu no Brasil devido ao processo de urbanização, a separação do local de residência e trabalho, a ampliação do consumo e a melhoria das condições de saúde, educação e previdência. Houve uma reversão do fluxo intergeracional de riqueza e os filhos deixaram de ser mais “um braço”, para serem “mais uma boca”, isto é, houve uma mudança da relação custo/benefício dos filhos. As mulheres passaram a buscar a segurança no mercado de trabalho e na contribuição previdenciária ao invés da alta fecundidade.

Neste quadro de queda da fecundidade e do aumento da inserção feminina no mercado de trabalho é que surge o fenômeno da família DINC – Duplo Ingresso, Nenhuma Criança. A estratégia de segurança-mobilidade destas famílias tem como base uma dupla renda e um processo de progressão na carreira profissional, em especial, empregos com garantia de proteção social na velhice (previdência).

O fenômeno da família DINC tende a crescer na chamada “sociedade afluente”, pois o aumento do consumo e do lazer são a recompensa imediata do casal hedonista, ao contrário das famílias numerosas que tinham no grande número de filhos o sinônimo do reconhecimento social. O progresso econômico da família DINC tem como base o investimento no capital humano do próprio casal e não em seus descendentes.

A família DINC é um arranjo familiar (com fecundidade zero, de casais nulíperos) que tende a crescer na sociedade atual devido às suas vantagens comparativas no mundo pós-moderno. Contudo, se este fenômeno se generalizar, a sucessão de gerações estará comprometida e não haverá mais novos indivíduos para garantir a formação de outros casais DINC no futuro.

Referências:
Suzan Greenhalgh, Fertility as mobility: sinic transition. Population and Development Review, New York, v. 14, n. 4, p. 629-674, 1988.
John Caldwell. Toward a restatement of demographic transition theory. Population and Development Review. New York, v. 2, n. 3-4, p 321-366, set/dec 1976
DINC = Double Income, No Children
John Kenneth Galbraith. A Sociedade Afluente, São Paulo, Expressão e Cultura, 1974

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José Eustáquio Diniz Alves