Homens precursores da luta feminista

O feminismo é um movimento que luta pelos direitos iguais entre os sexos, por uma sociedade sem discriminações de gênero e por igualdade de oportunidades entre homens e mulheres. Evidentemente, esta luta não é exclusiva das mulheres, mas sim de todas as pessoas que sonham com a justiça social em todos os seus aspectos. Milhares de mulheres e um número bem menor de homens contribuiram para o desenvolvimento do femininismo. Sem querer ser exaustivo e mesmo sabendo que a lista de homens feministas é relativamente mais extensa, este artigo está centrado no “lado masculino do feminismo” e apresenta seis homens que foram precursores do femininismo nos séculos XVIII e XIX.

No início da Revolução Francesa, o Marquês de Condorcet (1743-1794) – matemático, filósofo e iluminista – foi uma das primeiras vozes a defender o direito das mulheres. Nos debates da Assembléia Nacional, em 1790, ele protestou contra os políticos que excluiam as mulheres do direito ao voto universal, dizendo o seguinte: “Ou nenhum indivíduo da espécie humana tem verdadeiros direitos, ou todos têm os mesmos; e aquele que vota contra o direito do outro, seja qual for sua religião, cor ou sexo, desde logo abjurou os seus”.  Em 1794, pouco antes de sua morte, Condorcet escreveu o livro: Esquisse d’un tableau historique des progrès de l’esprit humain.

A contribuição de Condorcet tem sido reconhecida ao longo da história, especialmente na França. Por exemplo, um mês antes do deflagrar da I Guerra Mundial, em 5 de Julho de 1914, teve lugar, junto à estátua de Condorcet, em frente à Academia Francesa, às margens do rio Sena, em Paris, uma grande manifestação sufragista feminista, que reuniu seis mil pessoas, marcando a consagração do movimento. Segundo Anne Cova: “a escolha simbólica da estátua de Condorcet para local de encontro não foi ao acaso e reflete o desejo das feministas de honrar uma personalidade consensual e de expor publicamente a sua aspiração a um movimento misto”.

William Godwin (1756-1836) foi um jornalista, filósofo e escritor que acreditava na perfectibilidade humana e achava que os seres humanos não possuem propensão inata para o mal. Ele considerava que os vícios, as injustiças e a pobreza eram provocados pelas instituições sociais que foram formadas para manter os privilégios de uma minoria que controlava a população para manter um sistema de exploração arbitrário e injusto. Ele defendia uma revolução social para acabar com as desigualdades sociais e de gênero. Em 1793, Godwin escreveu o livro: Enquiry concerning Political Justice, and its Influence on General Virtue and Happiness.

William Godwin casou-se com a pioneira do feminismo Mary Wollstonecraft (1759-1797) que escreveu, em 1792, o famoso livro: Vindication of the Rights of Woman. Em 1797, tiveram uma filha, mas a pioneira do feminismo morreu de morte materna alguns dias do nascimento da criança. Mary Wollstonecraft Godwin se casou com o poeta Percy Shelley, ficando conhecida como Mary Shelley, autora do revolucionário livro: Frankenstein, The Modern Prometheus (de 1818).

Charles Fourier (1772-1837) foi um revolucionário francês, classificado como socialista utópico. Ele foi um dos idealizadores do cooperativismo. Ele acreditava na possibilidade de se estabelecer uma sociedade verdadeiramente justa, para a qual propôs a fundação de falanstérios (comunidades) e a repartição justa do produto do trabalho dos cooperados. Fourier denunciou a situação de exploração do trabalho de homens,  das mulheres e das crianças, além das desigualdade sociais de sua época. Em 1808 Fourier já argumentava brilhantemente em favor da justiça de gênero e da igualdade entre homens e mulheres, quando no livro Théorie des Quatre Mouvements, escreveu a famosa frase: “O grau de emancipação das mulheres é o termômetro através do qual se mede à emancipação de toda a sociedade”.

John Stuart Mill (1806-1873) foi um famoso economista e filósofo britânico que defendeu a liberdade, o meio ambiente, lutou contra a escravidão (desigualdades de raça) e contra as injustiças entre homens e mulheres (desigualdades de gênero). Entre os livros mais importantes de Stuart Mill estão: The Principles of Political Economy: with some of their applications to social philosophy (1948); On Liberty (1859) e The Subjection of Women (1869).

Stuart Mill era contra a submissão sexual da esposa ao desejo do marido, contra a proibição do divórcio e defendia o casamento com base em parceria entre indivíduos com direitos iguais. Juntamente com Harriet Taylor, sua esposa, Mill teve papel importante na organização e difusão do movimento sufragista no Reino Unido, França e Estados Unidos.

Léon Richer (1824-1911) foi um jornalista françês que fundou, em 1869, juntamente com Maria Deraismes, a Ligue française pour le droit des femmes (Liga Francesa para o direito das mulheres) com a finalidade de obter a igualdade entre os sexos. Em 1878, ajudou a organizar a Conferência dos Direitos da Mulher, em Paris. Seu objetivo primordial era reformar a situação jurídica das mulheres casadas, além de lutar pelo direito ao divórcio.  Richer defendia uma abordagem gradual, onde a igualdade e a conquista de direitos civis das mulheres abriria caminho para a igualdade política.

August Bebel (1840 – 1913) foi um trabalhador, escritor e político marxista e um dos fundadores do Partido Social Democrata da Alemanha. Bebel lutou contra as desigualdades de raça e gênero. Ele denunciou o colonialismo alemão e as políticas raciais contra os indíginas e povos da África, que ele classificou: “não só bárbaro, mas bestial”. Nas questões de gênero ele via uma subordinação da mulher  na família assim como existia um conflito de classe na sociedade. August Bebel publicou Woman and Socialism (A mulher e o socialismo), em 1879. Ele via a emancipação feminina atrelada à luta pelo socialismo. Ele considerava que as mulheres estavam submetidas à moral tradicional, sem inserção produtiva no mercado de trabalho e sem independência econômica, além de estar submetida ao domínio dos pais e dos maridos. Bebel defendia que a libertação das mulheres viria juntamente com a libertação da exploração de classe promovida no âmbito do modo de produção capitalista: “não pode haver libertação da humanidade sem independência e da igualdade dos sexos”. Este tipo de postura deu início ao processo de formar comissões e secretarias femininas/feministas dentro dos partidos políticos (mas também abre espaço para a instrumentalização do movimento feminista).

Os exemplos acima servem para mostrar que homens com diferentes perspectivas políticas e em diferentes momentos da história deram contribuições importantes para o movimento feminista. Foi a partir de uma luta ampla que as mulheres conseguiram avançar na educação, aumentar a esperança de vida, entrar no mercado de trabalho e ter uma participação ativa em todas as esferas sociais. A luta feminista moderna tem pelo menos 200 anos e embora a liderança seja indiscutivelmente das mulheres, alguns homens contribuíram com o movimento. No século XX o movimento feminista avançou muito na conquista da igualdade legal e na conquista de direitos civis, políticos, sociais, econômicos e reprodutivos. No século XXI, a meta é a universalização destes direitos e o avanço rumo à conquista de uma maior participação na política e na obtenção da paridade de gênero nos espaços de poder.

 

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José Eustáquio Diniz Alves