Mudanças climáticas e crise alimentar

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Os desastres ambientais já estão provocando o início de uma crise alimentar no mundo contemporâneo, para a surpresa daqueles que pensavam que as mudanças climáticas eram um fenômeno que só iria afetar as futuras gerações.

O aquecimento global tem provocado efeitos climáticos extremos, como por exemplo, muita seca em algumas regiões e muita chuva em outras. Os Estados Unidos da América (EUA) e a China são as duas maiores economias do Planeta e os dois maiores produtores de alimentos do mundo. A Índia, a despeito da enorme pobreza, é um dos países que apresentam maior crescimento populacional e econômico nos últimos tempos. Os três países mais populososos do planeta estão sofrendo os efeitos das mudanças globais provocadas pelo aquecimento global, resultado da emissão desenfreada de gases poluentes de efeito estufa.

A seca nos Estados Unidos em 2012 deve repercutir em todo o mundo, pois a economia americana é responsável por quase metade das exportações mundiais de milho e boa parte das exportações de soja e trigo. O custo das carnes ainda não subiu porque, por enquanto, os rebanhos estão sendo abatidos aumentando a oferta, mas os preços provavelmente subirão até o fim do corrente ano. As chuvas excessivas na China tem reduzido a produção de alimentos, enquanto uma queda da precipitação provocadas pelas monções na Índia devem reduzir a produção mundial de arroz (a seca também tem sido severa no sertão nordestino do Brasil no corrente ano).

O índice de preços dos alimentos da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), embora em patamares elevados, vinha caindo ao longo do ano de 2012. Porém, as chuvas na China, as menores precipitações na Índia e a pior seca dos últimos 50 anos que atingiu os EUA provocaram a reversão das tendências, acelerando a tendência de aumento dos preços de alguns produtos agrícolas, devendo ter um impacto em outras commodities nos próximos meses. Há ainda a competição entre produção agrícola para a alimentação e para energia e biocombustíveis

No dia 09 de agosto, a FAO atualizou os dados para julho de 2012. O Índice de Preços dos Alimentos chegou a 213 pontos em julho de 2012, 12 pontos (6%) acima daquele do mês anterior, mas ainda abaixo do pico de 238 pontos atingido em fevereiro de 2011. O aumento atual ocorreu devido ao salto nos preços dos grãos e açúcar, com aumentos mais modestos de óleos e gorduras. Os preços internacionais da carne e produtos lácteos foram pouco alteradas até o momento, mas devem subir até o final do ano.

O Índice de preços dos cereais chegou na média de  260 pontos em julho, 38 pontos (17%) acima dos preços de junho e apenas 14 pontos abaixo do seu ponto mais alto (em termos nominais) de 274 pontos registrados em abril de 2008. Segundo a FAO, a grave deterioração das perspectivas de colheita de milho nos Estados Unidos, na sequência de condições de seca e calor excessivo, empurrou para cima os preços do milho em 23% em julho. Cotações internacionais do trigo também subiram (19%), em meio a uma piora das perspectivas de produção na Russia e aumento da demanda demográfica.

Portanto, os preços dos alimentos voltaram a apresentar uma tendência de alta, mesmo em uma situação de desaceleração da economia internacional. Este vai ser o grande desafio da segurança alimentar no século XXI: lidar com o aumento da demanda decorrente do aumento populacional e do crescimento da classe média mundial em um quadro de aumento do preço dos combustíveis fósseis e dos impactos negativos das mudanças climáticas provacadas pelo aquecimento global.

O aumento do preço dos alimentos foi um dos estopins da Primavera Árabe. Uma nova crise alimentar poderá ser a centelha de novas revoltas pelo mundo afora, especialmente entre as gerações jovens e desalentadas. Além disto, existem, globalmente, cerca de 1 bilhão de pessoas em situação de insegurança alimentar. O aumento do preço dos alimentos, num quadro de crise econômica na área do Euro e de desaceleração da economia global, pode provocar uma grande queda no padrão de vida da comunidade internacional, atingindo, principalmente, as camadas mais pobres e vulneráveis da população mundial. A alternativa milagrosa do crescimento econômico não é mais visto como uma panaceia, pois seus efeitos deletérios estão cada vez mais presentes.

Já o decrescimento econômico só seria benéfico para o meio ambiente e para a sociedade se viesse acompanhado de uma grande redução dos níveis de desigualdade e uma diminuição acentuada do consumo conspícuo das parcelas ricas do planeta. Mas uma recessão acompanhada de aumento do preço dos alimentos só vai aumentar o fosso que separa os incluidos  e os excluidos da sociedade.

O fato é que o aumento das atividades antrópicas está provocando mudanças climáticas cada vez mais desastrosas. O diretor do Instituto Goddard de Estudos Espaciais da Nasa, James Hansen, disse para  a BBC, que “A mudança climática está aqui e é pior do que pensávamos”. Ele disse que foi otimista, quando testemunhou diante do Senado americano, no verão de 1988, quando traçou “um panorama obscuro sobre as consequências do aumento contínuo da temperatura impulsionado pelo uso de combustíveis fósseis”. Segundo Hansen, que está cada vez mais pessimista, os verões de calor extremo registrados recentemente em diversos pontos do planeta provavelmente são resultado do aquecimento global.

Portanto, o efeito da interferência humana no clima pode provocar uma séria crise alimentar, como está indicando a tendência do índice de preço dos alimentos da FAO para julho de 2012. Atualmente a concentração de CO2 na atmosfera está em 390 partes por milhão (ppm), mas ultrapassando 400 ppm provocará secas ainda maiores. Neste sentido, é necessário reverter urgentemente o aquecimento do clima e do preço da comida.

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José Eustáquio Diniz Alves