O patriarcado

No século XIX, uma mulher que tivesse uma propriedade, ganhasse altos salários,
fizesse sexo fora do casamento, tivesse realizado ou recebido sexo oral,
usado métodos contraceptivos, convivido com homens de outras raças,
dançado, bebido ou tivesse o hábito de caminhar sozinha em público,
além de usar maquiagem, perfume, roupa de estilo –
e não se envergonhosse – era, provavelmente,
uma prostituta”.
Thaddeus Russell (“A Renegade History of the United States”)

O patriarcado é um sistema social no qual o homem (no papel de marido ou de pai) é o ator fundamental da organização social, e exerge a autoridade sobre as mulheres, os filhos e os bens materiais e culturais. Historicamente, o patriarcado pode ser encontrado, com algumas diferenças de estilo, nas civilizações hebraica, grega, romana, indiana, chinesa, etc. Mesmo vindo de longe, o patriarco teve uma profunda influência sobre a maioria dos aspectos da civilização moderna.

O patriarcado puro, isto é, em todas as suas dimensões de segregação, nunca existiu em sua totalidade em uma mesma sociedade. Algumas dimensões do patriarcado predominam sobre as outras, conforme o tipo de organização social e cultural, estabelecidas historicamente. Mas em geral, o patriarcado se caracteriza por ser um sistema onde há o predomínio dos pais e dos maridos (pater families) sobre as mulheres e os filhos, no âmbito da família e da sociedade.

Na antiguidade, segundo a Lei das Doze Tábuas, o pater familias tinha o “poder da vida e da morte” sobre a cônjuge, os descendentes e os escravos. Vem desta época o poder, pela linhagem masculina do: Pai, Patrão, Pastor, Padre, Padrinho, Patrono unidos em um espaço chamado Pátria (terra dos pais) e não Mátria (terra das mães).

No patriarcado tradicional existe uma rigida divisão sexual do trabalho e uma grande segregação social, em geral, com as mulheres ficando confinadas ao mundo doméstico e os homens monopolizando o mundo público. O patriarcado, em termos materiais, possibilita ao homem o controle da propriedade e da renda da família, o controle do trabalho e da mobilidade da mulher e o destino dos filhos.

A ausência de autonomia feminina e o desempoderamento da mulher é maior no sistema que, além de patriarcal, é também patrilocal e patrilenar. No sistema patrilocal a mulher recém-casada segue o marido, passando a morar no local onde ele mora, tendo a obrigação adicional de cuidar dos sogros. Ao casar, geralmente o marido exige um dote e busca romper os laços da esposa com sua família e comunidade de origem. Quanto mais segregada for a mulher casada, maior será o controle masculino sobre a vida e os frutos do trabalho da esposa e dos filhos.

No sistema patrilenear, a sucessão geracional é definida pela linha paterna e, geralmente, só os filhos (masculinos) possuem direito à herança. O sobrenome do pai é que define a linhagem familiar, sendo que o sobrenome da família pode desaparecer se hão houver descendente do sexo masculino. A prática patrilinear é um dos motivos pela preferência por filhos homens e uma base para a prática do “femicídio” ou “gendercídio”.

Nos países patriarcais, patrilocais e patrilineares a forte preferência pelo filho homem aumenta a razão de sexo (relação entre homens e mulheres em cada grupo etário), favorecendo a criação de um superávit de homens na sociedade. Neste e em outros aspectos, a dominação masculina é um fato que permeia toda a vida social.

Por exemplo, no Afeganistão, até hoje, mas principalmente no período do governo Taleban, as mulheres não podiam dirigir carros, entrar na universidade e sair desacompanhada na rua. A segregação da mulher ao espaço doméstico é completado pelo uso da burca (que é uma vestimenta que cobre todo o corpo, até o rosto e os olhos) nos espaços públicos. O patriarcado controla o corpo da mulher e determina os modos de vestimenta e de comportamento feminino em público.

Neste sistema, as concubinas e os filhos “ilegítimos” não possuem os mesmos direitos das esposas e dos filhos “legítimos”, constituindo-se uma das parcelas mais pobres e discriminadas da sociedade. Alguns países patriarcais ou permitem ou toleram a poligamia, mas condenam e punem a poliandria. Alguns países criminalizam a infidelidade feminina, no casamento. Recentemente, o mundo todo se mobilizou contra as autoridades do Irã que condenaram à morte por apedrejamento, a viúva Sakhine Ashtiani, por um suposto crime ter mantido relacões sexuais fora do casamento.

O controle da sexualidade feminina é uma forte característica da sociedade patriarcal. Além da obrigação da mulher casar virgem, existe um rigoroso esquema de controle da sexualidade das esposas e filhas. Em alguns países da África e da Ásia, o costume da Mutilação Genital Feminina (MGF), ou excisão feminina é uma pratica que consiste na amputação do clitóris da mulher de modo a que esta não possa sentir prazer durante o ato sexual. Há ainda a mutilação genital chamada de infibulação, que consiste na costura dos lábios vaginais ou do clítoris.

As organizações de direitos humanos denunciam este costume sócio-cultural que causa danos físicos e psicológicos irreversíveis e, além de ser considerado um ato de tortura e abuso sexual, é responsável por inúmeras mortes de meninas e mulheres.

O patriarcado também considera a sexualidade apenas do ponto de vista das relações heterossexuais. O modelo do homem macho e viril é ensinado como tipo ideal para garantir a continuidade da dominação masculina sobre as mulheres, preservar as relações sexuais generativas e a continuidade da sucessão das gerações. Neste sentido, a homossexualidade é condenada e a homofobia é incentivada. Muitos países ainda hoje condenam à prisão ou a morte as pessoas que aderem à homossexualidade. Outros países, mais tolerantes, simplesmente proibem a união sexual do mesmo sexo e a homoparentalidade.

Em seus aspectos mais dogmáticos, o patriarcado é um sistema que vem perdendo espaço no mundo e tende a ser superado pelas novas dinâmicas familiares e sociais e por uma sociedade com maior igualdade de direitos entre homens e mulheres, assim como pela difusão de novas formas de família e de relacionamentos sexuais entre as pessoas.

O patriarco está em declínio, pois ao longo do século XX, diversos acontecimentos históricos permitiram o avanço de um processo de despatriarcalização no mundo. Mas, assim mesmo, não é dificil encontrar, em maior ou menor grau, as suas marcas no dia a dia das pessoas e nas condições materiais e nas manifestações culturais dos diversos países da comunidade internacional. O desafio para o século XX é construir uma sociedade pós-patriarcal, com equidade de gênero, com liberdade de opção sexual e com igualdade de oportunidade entre homens e mulheres.

Referências:
ALVES, J.E.D, CORREA, S. Igualdade e desigualdade de gênero no Brasil: um panorama preliminar, 15 anos depois do Cairo. In: ABEP, Brasil, 15 anos após a Conferência do Cairo, ABEP/UNFPA, Campinas, 2009. Disponível em:
http://www.abep.nepo.unicamp.br/docs/outraspub/cairo15/Cairo15_3alvescorrea.pdf

Reducing and Reversing Gender Inequalities in Latin America • José Eustáquio Diniz Alves, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE); Suzana M. Cavenaghi, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE); George Martine, Independent Consultant. Annual meeting of the Population Association of America, March 31 to April 2, 2011, Washington, D.C
http://paa2011.princeton.edu/download.aspx?submissionId=112757

About the author

José Eustáquio Diniz Alves