Políticas Populacionais

No Brasil, ao longo do século XX, foram sendo elaboradas políticas sociais cada vez mais abrangentes, tanto em termos de programas como em termos de contingentes da população atendida. Em geral, a comunidade exige a intervenção estatal na busca de soluções para as carências sociais e os dirigentes políticos da nação se legitimizam por meio de medidas que satisfazem os anseios e reivindicações da população.
Nas questões demográficas houve uma tendência inversa, com o Estado se afastando gradativamente de qualquer tipo de meta relativa ao crescimento populacional. Evidentemente, sempre houve consenso de que se deveria buscar a redução da mortalidade. Porém, em relação à fecundidade, o Brasil é conhecido internacionalmente como um país que nunca adotou políticas explícitas de níveis a serem atingidos. Contudo, ao longo da história, houve várias ações e normas que tiveram efeitos significativos sobre os componentes da dinâmica demográfica, além de uma legislação com propósitos anti-controlistas.
No final do século XIX foram adotadas políticas imigratórias seletivas para atender a demanda interna de mão-de-obra livre. Com o fim do trabalho escravo, em 1888, o Estado brasileiro passou a promover políticas explícitas de atração de imigrantes europeus e, apartir de 1908, de imigrantes japoneses.
As políticas previdenciária e trabalhista do governo Vargas tinham diversos conteúdos natalistas e de proteção à família extensa, sendo os mais notórios os sistemas de apoio à maternidade, à infância, o salário-família, etc. A legislação penal do primeiro governo Vargas tinha um propósito anti-controlista explícito, vetando a divulgação de métodos contraceptivos e o Artigo 124, Código Penal Brasileiro, de 1940, classificou o aborto como crime eximindo de punição os casos em que a gravidez resulta de estupro ou representa risco de vida para a gestante.
Em 1967 foi criada uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), no Congresso Nacional, para investigar denúncias da existência de “esterilizações maciças” de mulheres na Amazônia. O governo Costa e Silva (1967-1968) reafirmou a posição contrária a qualquer política de controle da natalidade e, em aliança com a Igreja Católica, apoiou o conteúdo da Encíclica Humanae Vitae (1968) do Papa Paulo VI. Em 1983 foi criada uma outra Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), para investigar os problemas vinculados ao aumento populacional, no contexto da crise econômica de 1981-1983. Em 1991, foi instaurada nova Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar as causas da “esterilização em massa” das mulheres brasileiras e se existia maior probabilidade de esterilização das mulheres negras.
Em meados da década de 1970, apesar da generalização da queda da fecundidade e da crescente demanda por métodos contraceptivos, o governo brasileiro não tinha uma política pública disciplinando a dinâmica demográfica e nem uma política para atender a demanda pela regulação da fecundidade. Foi como o Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher (PAISM), lançado em 1983, que a questão da saúde da mulher passou a ser vista de forma integral, incluindo as questões de concepção e contracepção. O PAISM se propunha a atender a saúde da mulher durante seu ciclo vital, não apenas durante a gravidez e lactação, dando atenção a todos os aspectos de sua saúde, incluindo prevenção de câncer, atenção ginecológica, planejamento familiar e tratamento para infertilidade, atenção pré-natal, no parto e pós-parto, diagnóstico e tratamento de DSTs, assim como de doenças ocupacionais e mentais.
Com o processo de redemocratização do Brasil e o novo arcabouço legal e institucional do país, desenvolvidos a partir da segunda metade dos anos 80, a questão da regulação da fecundidade passou a ser regulamentada pela legislação brasileira:
· O § 7º do Artigo 226 da Constituição Brasileira estabelece os princípios constitucionais do planejamento;
· O primeiro serviço de aborto legal foi criado em 1990 (para os casos previstos na lei), no Hospital Jabaquara, no município de São Paulo.
· A Lei n. 9.263 de 12 de janeiro de 1996 regulamenta o parágrafo 7º do art. 226 da Constituição Federal, estabelecendo as regras do planejamento familiar no Brasil.
· O artigo 10 – que tratava da questão da esterilização voluntária – foi vetado pelo Presidente da República quando da publicação da Lei 9.263 e somente sancionado no final de 1997.
· Foram tomadas várias medidas no âmbito do Ministério da Saúde, durante os dois governos Fernando Henrique, no sentido de garantir maior acesso aos métodos contraceptivos.
· O Ministério da Saúde, em 1998/99, publicou normas técnicas específicas para regulamentar a interrupção da gravidez naqueles casos admitidos no Código Penal de 1940.
· No final do ano de 2004 o Ministério da Saúde lançou a Norma Técnica de Atenção Humanizada ao Abortamento Inseguro e a Secretária Especial de Políticas para Mulheres (SEPM) propôs a criação de um grupo de trabalho de alto nível para debater a reforma dos artigos do Código Penal que tratam da questão do aborto.
· No dia 22 de março de 2005 o Governo Federal lançou o Programa Nacional de Direitos Reprodutivos e Sexuais visando atender de maneira plena a demanda por concepção e contracepção no país.
· Em 2007, o governo brasileiro lançou a Política Nacional de Planejamento da Vida Sexual e Reprodutiva que tem como prioridade a formulação e implementação de ações relativas à saúde sexual e saúde reprodutiva para homens e mulheres, adultos e adolescentes.

Na verdade, a legislação brasileira, tanto no que diz respeito à regulação da fecundidade, quanto ao combate à pobreza é avançada e o país gasta recursos relativamente elevados na área social. Contudo, dado o alto grau de heterogeneidade regional, econômica e social do Brasil, existem amplos contingentes populacionais que não usufruem os benefícios da ação institucional e não têm suas carências resolvidas, ficando em situação de vulnerabilidade e sem o atendimento de suas necessidades básicas, articulados com um projeto de emancipação social.

Bibliografia de referência:
ALVES, J. E. D.  As politicas populacionais e o planejamento familiar na América Latina e no Brasil. Textos para Discussão. Escola Nacional de Ciências Estatísticas, v. 21, p. 1-50, 2006. Disponível em:
http://www.ence.ibge.gov.br/publicacoes/textos_para_discussao/textos/texto_21.pdf

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José Eustáquio Diniz Alves