Crônica do Vigésimo Nono Aniversário e meus recomeços

 
“Mundo mundo vasto mundo, 
se eu me chamasse Raimundo 
Seria uma rima, não seria uma solução. 
Mundo mundo vasto mundo 
mais vasto é meu coração.”
C.Drummond de Andrade
 
 
 
 

Não deixei para ter a vida nas mãos apenas agora.

Não a vida toda, inteira, cheia de tudo aquilo que achamos que podemos fazer por nós e pelos outros: controle. Boa parte dela está fora do nosso poder de resolução. Segurei nas mãos apenas aquele pedacinho de vida que está bem na frente das nossas possibilidades e fazemos de conta que não depende da gente.

Fujo dos detalhes caros em diversões vencidas; meus amigos me ensinaram que com bem pouco é possível voltar a viver.

Sou dos tipos que contemplam o pôr do sol, sim. Faço hora-extra na hora do almoço para, no fim da tarde, sair mais cedo, colocar no mp4 músicas que enchem minha alma de grandes sonhos, e correr 7,8,9,10 km numa direção que parece até inventada porque no final das contas o lugar que me espera não é ainda  aquele no qual eu gostaria de estar com vinte e nove anos. Mas é o que existe agora. Entendo que aceitar a realidade é um bom primeiro passo para que as mudanças façam parte dos nossos planos.

Fico quieto sentindo as direções do vento. Fecho os olhos. Há uma voz bem estranha me dizendo que felicidade é ter pequenas doses de grandes amigos; experimentar amores fajutos que não servem para o futuro; ajudar pessoas que você não conhece bem, mas que te chamam de anjo, amigo, perfeito, compromissado; parar um pouco e correr sem direção; deixar o sol enfeitar o fundo dos olhos com uma luz que vem de longe e que por mais que os cientistas expliquem, ainda tem um teor mágico; falar com estranhos; rir para estranhos; tatuar nome de anjos no peito e hieróglifos egípcios nas costas.

Aceito minha estranheza como nunca. Deixei amigos e paixões passarem, aqueles que não me escolheram. Todos aqueles que não me quiseram me fizeram um grande favor: ajudaram-me a encontrar um desconhecimento perfeito para o meu futuro: o de ser cada vez mais eu. Meu. Todo meu.

Aceito minhas chatices escondidas em tons nerds-claro como poucos. A literatura me salvou dos desagrados de não poder ser mais com tão pouco que me era oferecido.

Carreguei nas costas dores de pais, tios, avós; dores que eram muito grandes para quem não sustentava o próprio peso sozinho. Eu precisava de apoio, porque o mundo girava e eu sentia aquele descompasso como o fim do mundo. O mundo dizia que eu o tinha nas mãos, e que todos os erros, os meus, me ajudariam a chegar aos vinte e nove anos assim: um “anjo” torto, mas bem menor que Torquato ou Drummond.

Aprendi a inventar minhas soluções. Mamãe sentia dores horríveis nos rins. Gritava possuída por uma sensação que se não fosse insuportável, talvez significasse que de boa atriz ela tinha muito mais que a histeria de inventar catástrofes. Não sabia o que fazer. Meus poderes já não eram mais os mesmos: não conseguia controlar mais o tempo; os objetos não obedeciam meus comandos; e o espelho dizia uma verdade feia e assustadora: adolescentes são pinturas mal elaboradas de Dali. A única coisa que podia fazer era dar a mão à mamãe para que ela a apertasse até a dor passar. E eu me entregava, e sentia dores conjugadas: a dela sofrida, e a minha de não saber como se manda uma dor embora.

Foi assim que aprendi a permanecer na vida das pessoas. Quando eu não tinha o que oferecer (presentes caros, surpresas dignas, viagens memoráveis), só me restava doar palavras e permanecer. Permanecer. Permanecer. Ofereci meus ombros para carregar mais pesos, mais agonias; e a isto chamo de compartilhar.

Não tive medo de entregar rosas com fragmentos de poemas; escrever contos livremente inspirados em verdades que só existiam nas poucas linhas dos meus cadernos; esperar a brisa de qualquer fim de tarde chegar e me dizer que a vida vale à pena; sair de casa e esperar a chuva chegar; inventar corridas insanas só para aguardar o sol se por e fazer uma oração que salvaguardasse bondade, amizade, amores, abraços confortáveis, escolhas dignas, honestidade.

Não espero o fim se anunciar para começar a viver.

Hoje, entendo que é preciso aceitar toda e qualquer incerteza do amanhã. Não fico sentado esperando o mundo me amparar com vinte e nove anos. Nado contra a maré até agora; e ainda conheço profundidades que não têm inocência alguma; são experiências.

A décima terceira ruga não se transformou no meu próximo precipício.

Não caio mais dentro dos meus equívocos como se estivesse sem saída.

É assim que chego aos meus 29 anos: pequeno, mas seguro do que sei sobre mim, e incerto sobre tudo o que homens e mulheres podem se tornar na minha vida.

Não, não estou falando do Retorno de Saturno.

Estou falando do meu recomeço.

De volta à minha vida.

Mundo mundo , vasto mundo: se não sou uma rima perfeita,

Aceito-me como parte da minha solução.

 

 

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Raimundo Neto