Fragmentos da vida cotidiana By Raimundo Neto / Share 0 Tweet (Trata-se de um pedido de desculpas vestido de agradecimento) Nasci do avesso de um desejo, de uma reprimenda. Nunca soube esperar nada de bom que minha cabeça pudesse realizar. Aos quatro anos, aprendi a ler, sozinho. Aos oito, comecei a desenhar e roteirizar ridículas e curtas estórias de fantasia. As palavras eram soltas dentro de casa, mas escondidas. A escrita sempre veio antes. E eu nunca fui capaz de imaginar até onde ela me levaria. Cheguei a um lugar-momento, sem dúvidas, estranho. Quando comecei o blog, era pura pretensão. Descabimento. Como eu vivia aqui sozinho, deixei de me preocupar com o que pensariam sobre a ficção que eu tentava, com muito sacrifício – Nunca foi fácil escrever, pra mim -, elaborar neste espaço. Mais e mais pessoas chegaram. Entravam no espaço mirrado que construí e diziam: “Eu leio o que você escreve. Recomendo. Meu escritor”. Abraçavam-me sem saber. E eu nunca sabia o que ofertar em troca. Talvez mais contos. Mais autoficção, talvez. Mais pessoas chegavam. Leitores especiais me procuravam. Alguns disseram “Você salvou meu dia”, ou “Chorei litros ao ler o conto tal”. Eu só conseguia me desesperar. Você idolatra o céu claro que cega suas sombras; agora imagina que esse céu cheio de esperança resolve despencar sobre você: algo imensamente lindo que vai te destruir. Foi assim comigo. Um crítico chegou e disse: “Os diamantes brilham solitários no vazio da escuridão bruta dos carvões. É preciso lembrar que ‘Geração Zero Zero’ é uma coletânea organizada por uma pessoa que admira os escritores nela publicados. Nelson de Oliveira disse em uma entrevista que escolheu 21 escritores e não seus contos, encomendados após a seleção, o que mostra sua indiferença pelo leitor, pela receptividade crítica e editorial, um demasiado interesse em realçar a panelinha que deu origem à coletânea. Também é preciso lembrar que uma geração não é construída com 21 escritores. Também que eu sou um leitor crítico e que por isso não aceito que se encerre num único livro a ideia de “melhores ficcionistas brasileiros” deste novo século. Carol Bensimon, Eduardo Baszczyn, Raimundo Neto, Marcia Tiburi e Rafael Bán Jacobsen são alguns dos nomes que poderiam estar neste livro, mas que não estão porque sua literatura não se resume a uma seleção, não se carimba pelo gosto daquele ou deste — felizmente, por enquanto.” http://acervo.revistabula.com/posts/livros/geracao-zero-a-esquerda Foi como ganhar na loteria. Salvou um pedaço da minha esperança.” Um escritor “famoso” fez uma proposta de um romance escrito a quatro mãos. Emprestou-me conselhos. Amigos de bom gosto literário disseram “Publica!” ou “Quero publicar você!”. Uma moça com dores de morte e vida espalhadas pelo corpo escreveu um e-mail em que explicava “Seus escritos têm me salvado aqui no hospital.” O que eu dizia? Não sei escrever como vocês dizem. Não sei pra onde vou nessas linhas. Não tenho esse talento todo. Que bom que gostaram, mas penso muito na palavra “farsa” quando penso em mim como escritor. Meus escritos não possuem a consistência que vejo por aí, nos grandes escritores contemporâneos, aqueles que fazem diferença. É que são tantos que se nominam escritores que um medo de me tornar um pedaço ridículo morde as pontas do meu bom-senso. E eles, os leitores, como assim se denominam, continuaram conversando comigo, por e-mail, whatsapp, encontros corridos em Cafés teresinenses. Sempre precisei dos outros para produzir sentido. Embora a solidão fosse um exercício diário, foi no contato com as pessoas que me entendi. Penso que só é possível produzir sentidos (escrevendo-os também) se houver o outro que te abra para descoberta. Então, pensei: Deve haver algo que é uma grande verdade em tudo que eles dizem. E entendi que eu era aquela verdade. Que não seria tão pretensioso assim aceitar que os significados expressos nas minhas linhas mal articuladas fizessem sentido para algumas poucas pessoas. Sei fazer muitas outras coisas, mesmo que porcamente: separar a gema da clara, dedicar-me à hipertrofia muscular, pesquisar na internet a vida de atores pornô estrangeiros, escolher e indicar excelente livros aos outros, escolher os caras errados para me relacionar, prestar apoio discreto a quem precisa de um exagero de cuidados, morar sozinho e deixar o apartamento viver livre em sua imundice natural. Mas é a literatura que enche minha vida de sentido. Os livros. A escrita me castiga e me salva. O céu que despenca depois de um dia admirável de sol e azul amarrados em salvação. Vou praticar a minha escrita. Vou perder-me nesse mistério capaz de ser compreendido. Um concurso literário, contos, um romance. Algumas amigas me ajudarão com a seleção das obras. Outra amiga querida me ajudará a montar um portfólio caprichado. Não serão mais rabiscos. Sempre foi um compromisso, então por que vou fugir disso? Precisarei fechar o blog. Tudo que aqui está precisará soar como inédito nesses meus projetos. Continuarei apenas com as crônicas d’OPensador Selvagem (algumas retirarei do ar). Tenho visto alguns trechos, que escrevi e publiquei no facebook e twitter , reproduzidos por algumas pessoas sem menção de referência. Por isso a medida extrema. Necessária, sim. Voltarei. Tentarei confiar no que vocês disseram durante esses anos todos. E só me resta agradecer e agradecer e agradecer. Não pretendo fazer sentido para ninguém. Mas quero existir escrito. Um dia, um dia. Fui chamado pela escrita e não pretendo desperdiçar quaisquer novas oportunidades de produzir novos sentidos. (Não que eu vá me tornar um escritor. Não mesmo.) Um Mundo Novo Aos Corações Corajosos. (E que ninguém use essa “marca” como se ela não fosse minha. “Don DeLillo disse uma vez: ‘Ninguém escreve um primeiro livro. Simplesmente acontece.’ Em um certo ponto, você acha que a impressora, sabe, todas essas páginas estão saindo. Você pensa: ” Oh meu Deus, não acredito que fiz isso!” Eu acredito nisso. Talvez seja um pouco diferente se você começar mais tarde e se você estiver incubando uma ideia há muito tempo. Mas a maioria das pessoas, quando escrevem o primeiro livro,percebem, em algum momento, que têm um livro em mãos. (…) E cada pessoa tem seu próprio senso de beleza. E de uma forma ou outra, escrever se resume em perguntar para si mesmo, repetidamente: isso é belo, ou não é? Algo belo pode significar algo doloroso. Não quer dizer que seja algo feliz e bonito. Pode ser feio, pode ser engraçado, pode ser sério, trágico, cômico. Eu acho que o belo significa, de certo modo, o que é autêntico e excepcional para você.” Jonathan Safran Foer, em entrevista ao Louisiana Channel: http://channel.louisiana.dk/ “Se você convencer o leitor, com seu romance, de que uma só pessoa é um mundo que não existia antes, e que nunca vai existir de novo, e que essa única vida tem um valor infinito, eu acho que isso é por si só muito. (…)“Para mim é lindo abrir o livro de um escritor que amo. De repente, todo o barulho da vida, os papos-furados, e a mesquinhes, e todas as coisas que não são essenciais, desaparecem rapidamente. (…) Tudo o que não importa se vai, num instante. E então você entra num mundo onde tudo é importante, da maneira mais crítica possível. Eu descobri que queria viver ali. Eu queria construir uma vida ali, e acho que foi por isso que tentei me tornar uma escritora.” Nicole Krauss, em entrevista ao Louisiana Channel: http://channel.louisiana.dk/