Fundamentos By Henrique Cruz / Share 0 Tweet Os matemáticos gostam de contar histórias. São exemplos da profunda diversidade do mundo e da grande capacidade da inteligência humana em decifrar os seus enigmas. Apresento duas para a coleção. Desta vez limitar-me-ei a duas histórias, uma inventada por algum matemático e outra que julgo ser verdadeira. Vejamos a primeira. Um velho mercador de camelos sentindo chegar a sua hora, reuniu os seus três filhos e disse-lhes: “Quando eu morrer quero que vocês façam a partilha dos meus camelos como está neste testamento” e entregou-lhes um envelope fechado. E assim foi. O mercador morreu e os filhos abriram o testamento para cumprir a vontade do pai. Qual não foi o espanto quando leram que o mais velho teria metade, o do meio um quarto e o caçula um sexto dos camelos. Isto porque o total de camelos a distribuir pelos filhos era de 11, o que tornava impossível a divisão do testamento. Lembraram-se então de um tio, que tinha fama de sábio, e resolveram mandar um mensageiro pedindo ajuda. O tio veio montado no seu camelo e disse-lhes: “Meus caros sobrinhos, compreendo a vossa aflição. Para que a partilha possa ser feita conforme o testamento, ofereço o meu camelo para juntar aos 11 que vocês têm. Assim com um total de 12 camelos, fica fácil. O mais velho terá metade ou seja 6, o do meio um quarto ou seja 3 e o caçula um sexto ou seja 2. Somando os camelos que cada um de vocês irá receber, temos um total de 6+3+2=11, sobrando um camelo que é o meu”. E com isso despediu-se e foi embora montado no seu camelo. A história é paradoxal, uma contradição, pois o camelo do tio serve e não serve, ao mesmo tempo, para resolver o problema da partilha. Na verdade, trata-se de uma questão de divisibilidade, isto é, da possibilidade de dividir o todo em um certo número de partes iguais, formando três grupos parciais. Lidamos com números fracionários, números que designam quantidades fracionárias: 1/2, 1/4 e 1/6. É claro que para se obter 1/2 em número inteiro, o número a dividir tem de ser par. Portanto, pode ser ou 10 ou 12, 1 a menos ou 1 a mais de 11. Mas 10 não serve pois 1/4 de 10 não dá número inteiro. Resta o número 12 que deverá ser a soma das três frações. Para tanto temos que fazer com que tenham o mesmo denominador, ou seja, 6/12, 3/12 e 2/12. Os números nos numeradores são as quantidades de partes iguais de cada valor da partilha. A soma das três parcelas dá 11/12, isto é, faltou somar 1/12 para dar 12/12, ou seja, a unidade do total de camelos a dividir. O que acontece, é que o que se deu a mais nas parcelas é compensado pela parcela que não se somou. Assim, do total de 12 camelos, sobra um camelo a ser retirado. Podemos explicar os resultados da partilha de outro modo, substituindo o sistema decimal por um sistema de doze números, conservando os mesmos símbolos numéricos. A fração 1/2 serve de referência para as demais. Vamos estabelecer para 1/2 e para cada uma das outras frações, uma regra de três, isto é, vamos definir proporções equivalentes. Portanto, para 1/4 temos: 1 está para 2 assim como 2 está para 4. Esta relação está correta visto que o produto dos números do meio é igual ao produto dos números extremos: 2×2=1×4. Logo, se 1/2 são 6 camelos, 1/4 é a metade de 6 ou seja 3 camelos, (multiplicar 1/4 por 2 é o mesmo que dividir 1/2 por 2). Para 1/6 temos: 1 está para 2 assim como 3 está para 6. A igualdade dos produtos dá 3×2=1×6. Logo, 6 dividido por 3 dá 2 camelos. O resultado final da partilha é 6, 3 e 2. Neste raciocínio não temos que fazer nenhum ajuste adicional, visto que as divisões são feitas na base 12 em números inteiros. Vejamos agora a segunda história. Carl Friedrich Gauss, (1777-1855), é considerado por muitos, como o maior gênio da matemática de todos os tempos. Se bem que é muito difícil comparar genialidades. Dele conta-se a seguinte história: aos 10 anos, um dia, na escola, o pequeno Gauss comportou-se mal, perturbando a exposição do professor. Este zangado resolveu castigá-lo. Chegando a hora do recreio, disse-lhe “Você vai ficar aqui na sala de aula até calcular a soma de todos os números até 100”. Qual não foi o espanto do professor ao ver, passados alguns minutos, o menino brincando no recreio. Muito bravo disse-lhe: “Não esperava isso de você, desobedecendo ao que eu mandei”. O menino respondeu “Mestre, eu já calculei o número” e mostrou-lhe o caderno onde tinha escrito o resultado, que estava certo. Vejamos como Gauss conseguiu isso. Ele sabia que na seqüência dos números naturais, qualquer número é igual ao anterior mais 1. Quer dizer, aquilo que aprendemos no jardim de infância: 1+1=2, 2+1=3, 3+1=4, … . Uma seqüência ordenada de elementos de módulo 1. Sendo assim, se fizesse uma outra seqüência igual, mas em sentido contrário, as duas teriam uma correspondência um-a-um, obtendo-se pares de números cuja soma seria sempre a mesma, ou seja, 100. O que ele montou foi portanto a seguinte seqüência de pares de números: (0,100), (1,99), (2,98), (3,97), …, (97,3), (98,2), (99.1), (100,0). Todos dão 100 somando os dois números. Logo, se todas as parcelas de uma soma são iguais, o total da soma é o produto do número de parcelas pelo seu único valor, Assim sendo temos 101 parcelas vezes 100 o que dá 10.100. Mas como foram somadas duas seqüências, é preciso dividir o resultado por 2, para se obter a soma de todos os números até 100 como o professor mandou. O resultado final é portanto 5.050. Foi o que Gauss escreveu no caderno. Fico por aqui. Até à próxima.